terça-feira, 24 de julho de 2012

Patrick Cesar X Emerson Oliveira - O que é mito e o que é verdade sobre Galileu Galilei?


  1. O Mensageiro das Estrelas

    Galileu Galilei nasceu em Pisa em 1564. Em 1574, mudou-se para Florença, sendo educado no mosteiro de Camaldolese, Vallombrosa, município vizinho. Em 1581, voltou a Pisa para estudar medicina na universidade homônima, tendo abandonado o curso para se dedicar ao que mais lhe interessava: matemática. Reza uma lenda que Galileu, em 1582, observou um grande candelabro preso a uma corrente se movendo, como um pêndulo, no alto da Catedral de Pisa. Com um relógio de bolso, marcou o intervalo de tempo que o candelabro levava para ir de um lado para outro, isto é, o período de oscilação. Para a sua surpresa, verificou que embora o candelabro se movesse cada vez menos o período de oscilação permanecia inalterado. Em sua casa, com uma pedra presa a uma corda, também observou que embora fosse diretamente proporcional ao comprimento da corda o período de oscilação era independente do peso da pedra, contrariando a previsão de Aristóteles de que uma pedra mais pesada teria um período de oscilação menor, isto é, de que um corpo mais pesado cairia mais rapidamente do que um mais leve. Foi devido a esse episódio que Galileu teria concluído que a filosofia natural de Aristóteles possuía determinados problemas.

    Galileu somente voltaria a estudar o movimento dos corpos no final de sua vida, quando em prisão domiciliar. Com a invenção do telescópio em 1608, a partir de 1609, dedicou-se apenas à observação do céu. Antes, aumentou o alcance do telescópio, tendo impressionado o Senado de Veneza, que aumentou o seu salário de professor de matemática na Universidade de Pádua e o efetivou no emprego. Com o telescópio, observou que a superfície da Lua era irregular como a da Terra, apresentando montanhas e vales. Também observou que assim como a Lua ilumina a Terra com a sua luz secundária, a Terra ilumina a Lua com a sua luz secundária. Tudo isso mostrou que ao contrário do que predizia o aristotelismo, a Terra não era tão diferente dos demais astros. Mas a descoberta mais importante foram as quatro luas de Júpiter (ou satélites, como denominou Kepler). Com o fim de obter o apoio e a proteção do grão-duque da Toscana, Cosimo II de Médici, Galileu denominou as luas de Júpiter de "estrelas medicianas". Depois de uma carta de Kepler, Cosimo nomeou Galileu o seu filósofo e matemático principais e o novo professor de matemática da Universidade de Pisa. Galileu publicou as suas descobertas no livro "Sidereus Nuncius", "O Mensageiro das Estrelas", em 1610. O livro foi um sucesso e, devido a ele, Galileu caiu nas graças da corte toscana. Foi admitido pela Accademia dei Lincei e homenageado com um banquete pelo Collegio Romano, cujo reitor era o inquisidor e cardeal Roberto Bellarmino. Foi homenageado também pelo papa Paulo V.

    Os problemas de Galileu com a Igreja começaram quando ele começou a defender publicamente o modelo copernicano em detrimento do modelo ptolomaico. A grã-duquesa da Toscana, Cristina de Lorena, em um encontro com o padre Benedetto Castelli, um dos pupilos de Galileu, disse que estava preocupada com o fato de que o modelo copernicano contrariava as escrituras sagradas em várias passagens, como a Batalha de Gibeão, no Livro dos Romanos. Em uma famosa carta a Cristina (e a Castelli), Galileu argumentou que o modelo copernicano contrariaria as escrituras sagradas apenas caso estas fossem interpretadas da forma errada. Ocorre que a forma errada a que Galileu se referiu é a interpretação das escrituras sagradas (oficial) do Concílio de Trento! Foi o suficiente para em 1615 o padre dominicano Niccolò Lorini denunciar Galileu à Inquisição. Em 1616, Paolo Foscarini escreveu uma carta (em favor do modelo copernicano) ao cardeal Bellarmino, que aproveitou a situação para responder a Foscarini e a Galileu com outra carta.
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  2. Bellarmino escreveu a sua carta sob três contra-argumentos. Primeiro, afirmar que a Terra orbita o Sol, escreveu Bellarmino, "é uma coisa muito perigosa, não apenas capaz de irritar todos os filósofos e teólogos escolásticos, mas também de causar dano à Santa Fé, tornando falsas as escrituras sagradas". Segundo, "como vocês sabem, o Concílio de Trento proíbe qualquer interpretação das escrituras sagradas que contrarie a interpretação sancionada pelas autoridades eclesiásticas". Terceiro,

    "quando fosse verdadeira a demonstração de que o Sol está no centro do cosmo e a Terra está no terceiro céu, e de que o Sol não circunda a Terra, mas a Terra circunda o Sol, então seria preciso tentar com muito cuidado explicar as escrituras que parecem contrárias e dizer que não as entendemos ao invés de dizer que seja falso aquilo que se demonstra. Mas eu não acredito que essa prova exista, pois ela ainda não me foi mostrada."¹

    A carta de Bellarmino a Galileu (e uma carta de Maffeo Barberini) foi uma maneira de protegê-lo da Inquisição, esclarecendo que a Igreja apenas voltaria a conversar sobre aquilo caso Galileu apresentasse uma prova definitiva do modelo de Copérnico. Galileu pensou que a sua teoria das marés fosse a prova definitiva do movimento da Terra, convencendo o cardeal Alessandro Orsini a apresentá-la ao papa Paulo. Os argumentos de Galileu não foram conclusivos e deixaram Paulo furioso com ele. No final, a proposição de que o Sol é o centro do cosmo foi declarada "tola e absurda, filosófica e formalmente herética, já que contradiz expressamente a doutrina das escrituras sagradas em várias passagens" enquanto que a proposição de que a Terra orbita o Sol foi declarada "filosoficamente errada, estando, com relação ao seu valor teológico, pelo menos em contradição com a fé".² O livro de Foscarini foi proibido e o de Copérnico suspenso até que fosse corrigido (a fim de que apresentasse o heliocentrismo como hipótese). Já Galileu somente foi advertido oralmente por Bellarmino que

    "ele abandonasse essas opiniões; e que, caso ele recusasse, o comissário deveria ordenar-lhe, perante um notário e testemunhas, que jamais lecionasse ou defendesse essa opinião e mesmo a discutisse; e que, caso ele mesmo assim não obedecesse, ele deveria ser aprisionado."³

    Devido a rumores de que Galileu estivesse sido torturado e obrigado a abjurar, a pedido de Galileu, Bellarmino escreveu uma carta onde esclareceu que Galileu não foi nem torturado nem obrigado a abjurar, tendo sido somente notificado do conteúdo da declaração de 1616 da Congregação do Índice.
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  3. Galileu não escreveu nada até 1623, quando publicou "Il saggiatore", "O ensaiador", envolvendo-se em um novo conflito, dessa vez com o padre jesuíta Orazio Grassi, cujo pseudônimo era Lotario Sarsi. O livro foi dedicado ao seu amigo Maffeo Barberini, agora papa Urbano VIII. Como Barberini havia intercedido em favor de Galileu em 1616, este decidiu pedir àquele uma autorização para escrever um livro onde oporia os sistemas ptolomaico e copernicano. Tendo Galileu argumentado de que a sua teoria sobre o fluxo e o refluxo das marés era a prova definitiva do movimento da Terra, segundo uma carta do padre Niccolò Riccardi a Galileu, datada de 24 de maio de 1623,

    "é intenção de Sua Santidade que o título e conteúdo não sejam sobre o fluxo e refluxo mas apenas sobre a consideração matemática da posição de Copérnico com relação ao movimento da Terra, de modo a provar que, exceto através da revelação divina e da Santa Doutrina, seria possível salvar os fenômenos com essa posição, resolvendo todas as críticas que tanto a experiência como a filosofia peripatética poderiam avançar. Mas a verdade absoluta jamais pode ser associada a essa posição, que deve ser considerada apenas como hipótese, e sem a inclusão das escrituras sagradas no argumento."

    "Diálogos sobre os dois sistemas principais do mundo, ptolomaico e copernicano" é uma narrativa de um debate entre três personagens, Simplício (o aristotélico), Sagredo (o intermediador) e Salviati (o galileano). Simplício argumenta que,

    "Tendo sempre em mente a mais sólida doutrina que ouvi de uma pessoa eminente e sábia, e perante quem devemos nos calar, sei que se eu houvesse perguntado a vocês dois se Deus em seu poder e sabedoria infinita poderia impor à massa de água seus movimentos diários sem mover seu vaso contenedor, vocês dois me responderiam que Ele poderia, e que Ele o faria de modos que nossas mentes jamais poderiam imaginar. Portanto, concluo que seria muita arrogância limitar e restringir o poder e sabedoria divina à imaginação particular de um indivíduo qualquer."

    Salviati sarcasticamente contra-argumenta que já que,

    "devemos introduzir um milagre para explicar o ir-e-vir dos oceanos, por que não fazer com que a Terra se mova milagrosamente de modo a causar o movimento dos oceanos? Essa operação seria sem dúvida, dentre os possíveis milagres, muito mais simples e natural, já que é mais fácil fazer com que um globo gire [...] do que fazer uma imensa quantidade de água mover-se para a frente e para trás."

    "Diálogos" foi publicado em fevereiro e proibido em agosto de 1632, culminando, em outubro, com a convocação de Galileu para comparecer à Inquisição, em Roma. O restante dessa história deixo ao meu oponente, congratulando-o por ter aceitado debater o referido tema comigo.

    ¹Citado em Koestler, p. 454.

    ²Citado em Koestler, p. 462.

    ³Citado em Koestler, p. 468.
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  4. Agradeço muito o convite de participar deste debate. Vamos lá. Patrick termina de contar boa parte dos fatos relacionado à Galileu até 1623, dois quais não discordo muito. Estes fatos não estão em questão ou contestáveis.
    Lembremos que a regra para entender o caso Galileu é analisá-lo DENTRO dos parâmetros históricos e complexos da época (Reforma, Contra-Reforma, etc.) e não num simples achatamento de “ciência X religião”. Assim, continuemos.
    Antes de iniciarmos, também, é preciso salientar um importante dado omitido pelos críticos da Igreja e mitólogos do caso Galileu. Apesar de hostilidade contra o cristianismo durante o Iluminismo, não foi até o século XIX, quando a hipótese de conflito surgiu. Muitas das falsas informações e mitos (aos quais chamo de "Hipótese de Conflitos") sobre Galileu advêm de livros de dois autores do séc. XIX: "História do Conflito entre Religião e Ciência", de John William Draper e "História da Guerra da Ciência com a Teologia na Cristandade", de Andrew Dickson White. Isto foi dito para esclarecermos alguns pontos do contexto histórico, religioso e científico da época, pois só assim podemos entender o caso Galileu em sua plenitude.
    O que precisamos salientar aqui é que dois focos na vida de Galileu são alvos dos críticos: os processos dos anos 1616 e 1633 e é em torno desses que vou me concentrar já que meu objetivo é esclarecer e desmistificar conceitos errôneos e tendenciosos na história de Galileu.
    A idade moderna da ciência começou em 1543, quando Nicolau Copérnico, um cônego polonês, publicou o Sobre a revolução dos Corpos Celestes. A visão popular é que Copérnico "descobriu" que a Terra gira em torno do sol. Na verdade, a ideia é pelo menos tão antiga quanto os gregos antigos. Mas a teoria geocêntrica, aprovada por Aristóteles e dada como plausibilidade matemática por Ptolomeu, foi o modelo vigente até Copérnico. Foi dada a maior credibilidade por algumas passagens das Escrituras, que parecia afirmar a mobilidade do sol e da fixidez da terra. Os Pais da Igreja simplesmente o tinham como certo, mas eles não estavam realmente interessados em explicações de pesquisas científicas sobre o cosmo. Como Santo Ambrósio escreveu: “Discutir a natureza e a posição da terra não nos ajuda em nossa esperança da vida futura.”
    O sistema heliocêntrico não era contrário à doutrina da Igreja Católica. Durante toda a Idade Média, houve quem propusesse a alternativa heliocêntrica e Igreja nunca entrou em conflito com isto (1). Ela nunca propôs, e ela não pode propor qualquer sistema de ciência meramente física como uma questão de fé. Certamente, se qualquer sistema contradiz os seus ensinamentos ela exerce o seu direito de condená-la. A maioria dos clérigos do início do século XVII, muito naturalmente seguidores das teorias científicas em geral, recebidas de seus dias, rejeitou a ideia de um movimento da Terra em torno do sol, mas a Igreja não os forçou a tal rejeição. O sistema heliocêntrico já era permitido a ser ensinado nas universidades desde que Copérnico dedicou o seu "Revoluções dos Corpos Celestes" ao Papa Paulo III e Calcagnini, que morreu em 1540, não teria ensinado publicamente em Ferrara que “os céus permanecem, mas a terra se move.” (2)
    Depois de 1611, os oficiais da Igreja estavam dispostos a que o heliocentrismo fosse ensinado como uma hipótese (não um fato) e discutido nos círculos científicos, para que a fé das pessoas comuns fosse salvaguardada. Mas Galileu começou a ensinar sua teoria de modo muito estridente e gritante, insistindo que era fato comprovado. Mas ainda não era comprovada e não havia dados suficientes para provar que o heliocentrismo era correto. De fato, à época, para a ciência, havia o mesmo peso para se acreditar tanto no geocentrismo quanto no heliocentrismo.
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  5. Em 19 de fevereiro de 1616 duas proposições de Galileu foram apresentadas pelo Tribunal de Justiça da Inquisição do Santo Ofício, no Vaticano, para orientação quanto à ortodoxia: 1. "O sol é o centro do mundo e, portanto, imóvel de movimento local" e 2. "A Terra não é o centro do mundo, nem imóvel, mas se move de acordo com o todo de si mesma." Em 24 de fevereiro, os teólogos do Santo Ofício declararam que a primeira proposição era "tola, absurda, filosófica e formalmente herética...” e a segunda “para receber a mesma reprovação na filosofia e, no que respeita a verdade teológica, para ser pelo menos errônea na fé”.
    Foi essa falta de provas sobre sua FORMA de defender o heliocentrismo (e não sobre o ensino do heliocentrismo em si, que há era permitido pela Igreja), juntamente com sua própria personalidade abrasiva, que precipitou seus problemas com a Igreja. Galileu era conhecido por sua arrogância, e durante sua carreira, havia um grande número de pessoas a quem ele tinha desprezado, insultado, ou de alguma forma transformado em inimigos. Em 1615 alguns deles viram uma chance de atacar a Galileu acusando-o de heresia por sua afirmação de que o heliocentrismo era fato comprovado. E foi assim que a Igreja solicitou a perguntar se Galileu estava defendendo pontos de vista contrários às Escrituras.
    Em 1616, a pedido de Galileu, o cardeal Roberto Belarmino, um jesuíta e um dos mais importantes teólogos católicos da época- emitiu um certificado que, embora proibisse Galileu de manter ou defender a teoria heliocêntrica, não o impediu de conjecturar sobre ele. Quando Galileu reuniu-se com o novo papa, Urbano VIII, em 1623, ele recebeu permissão de seu amigo de longa data para escrever uma obra sobre o heliocentrismo, mas o novo pontífice advertiu-lhe que não defendesse a nova posição e apenas apresentasse argumentos a favor e contra.
    Quando alguns sacerdotes se queixaram de que seu ensinamento contrário as Escrituras, ele respondeu que a Escritura deve ser reinterpretada à luz de sua teoria. Como a Igreja estava passando pelo delicado e complexo momento da Contra-Reforma e a interpretação particular foi um dos principais itens de controvérsia com os protestantes, isso não poderia ser uma maneira mais rápida de ganhar o desagrado oficial do que ir contra os pontos teológicos da Igreja sobre como interpretar as Escrituras.
    O pe. Grienberger, chefe do Colégio Romano, escreveu que ele nunca teria sido condenado e julgado se não tivesse ofendido os jesuítas (3).
    Quero salientar aqui o extremo e importante papel do cardeal Belarmino nas relações com Galileu. Ele esteve diretamente envolvido na polêmica e deixou claro que o heliocentrismo não foi condenado de forma irreversível, e também que apesar de ainda ser uma teoria não comprovada, não era um fato inatacável. Na verdade, Belarmino efetivamente teve uma compreensão superior da natureza de uma hipótese científica do que Galileu.
    Assim, de 1616, Galileu não foi condenado, mas o cardeal Roberto Belarmino foi convidado a transmitir a notícia a Galileu e lhe aconselhar da decisão, e aconselha-lo que deixasse de defender suas teorias como fato. Ele também lhe pediu para evitar novas incursões de discussão na interpretação bíblica. Galileu concordou.
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  6. Quando Galileu escreveu o “Diálogo sobre os Dois Sistemas do Mundo” (1632), ele usou um argumento que o papa tinha oferecido, e colocou-o na boca do seu personagem Simplício. Galileu, talvez inadvertidamente, fez piada com o papa, um resultado que só poderia ter consequências desastrosas. Urbano sentiu-se ridicularizado e não podia acreditar como seu amigo poderia desgraça-lo publicamente. Galileu havia ridicularizado a própria pessoa que precisava como um benfeitor. Ele também alienado seus apoiantes de longa data, os jesuítas, com ataques a um de seus astrônomos. A Igreja Católica à época não via com bons olhos o fato de um cientista (e ainda rejeitado por muitos de seus colegas cientistas), publicando obras sobre interpretação bíblica e teologia, sendo esta considerada como uma interferência nos assuntos da Igreja. Um ano depois da sua publicação, o livro foi proibido. O resultado foi o infame julgamento, que ainda é anunciado como a separação definitiva entre ciência e religião. (4)
    A Inquisição decidiu contra ele nos dois pontos. Ela declarou-o “veementemente suspeito de heresia”, na medida em que ele havia realizado e acreditava que uma doutrina “falsa e contrária à Sagrada Escritura”. (5) Fizeram-no ler e assinar um ato de abjuração em que ele declarou-se justamente suspeito de heresia, pois eles proibiram a publicação do “Diálogo”, o condenou à prisão do Santo Ofício, e impuseram como penitência sete Salmos Penitenciais a serem ditos uma vez por semana, durante três anos.
    Nenhum estudioso atualmente acredita na fábula que Galileu nesta reunião bateu com os pés com raiva, e gritou: "E pur si muove" – ("mas ela se move”). Os registros do julgamento provam que ele foi submisso e estava ansioso para bajular com seus juízes. Esta afirmação ridícula foi inicialmente atribuída a Galileu pelo abade Irailh (Paris, 1761). (6)
    Assim, os decretos de 1616 e 1633 relativos a Galileu não foram "decretos papais". Foram emitidos por congregações romanas. Um decreto papal e um decreto da parte de uma congregação romana são duas coisas diferentes. Na verdade, como mostra a Enciclopédia Católica, o decreto de 1633: "não recebeu a assinatura do papa". (7)
    A Igreja nunca condenou o sistema de Copérnico e os tribunais não foram ecumênicos e infalíveis da Igreja. (8) A defesa de Galileu, neste processo, foi tão patentemente desonesta que teria perdido o caso em qualquer tribunal (9)
    A realidade histórica não era a de que Galileu foi condenado porque ele não podia provar cientificamente uma teoria que parecia violar a Bíblia, mas sim que ele apresentou a teoria como um fato em seus escritos públicos. Além disso, ele desafiou as autoridades da Igreja publicamente sobre o verdadeiro significado das Escrituras. (10)
    Em 1638, em sua “prisão domiciliar”, Galileu produziu sua melhor e mais influente obra “Diálogo das duas novas ciências”, que são a Resistência dos Materiais e a Mecânica Raciona, básicas para vários ramos da engenharia. (11)


    1. Dinesh D’Souza, “A verdade sobre o cristianismo”, Thomas Nelson Brasil, 2007, pg. 127.
    2. Rev. Reuben Parsons ,D.D., “Some Lies and Errors of History”, Notre Dame, Indiana: The Ave Maria, 1893; pp. 97.
    3. Arthur Koestler, “Os Sonâmbulos”, p.477
    4. James Reston, “Galileo: A life”. New York: Harper Collins Publishers, 1994, 195.
    5. Relatório do julgamento de Galileu: http://migre.me/a4nhW.
    6. Rosenblum, "They Never Said It," American Mercury, 494.
    7. http://www.newadvent.org/cathen/06342b.htm
    8. VON GEBLER, “Galileo Galilei und die romische Curie” (tr., London, 1879)
    9. Arthur Koestler, “O homem e o universo”, IBRASA, 485.
    10. D’Souza, 131.
    11. Felipe Aquino, “Para entender a Inquisição”, Cleófas, 236.
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  7. Eu concordo com o meu oponente. De fato, embora o conflito entre Igreja e Galileu seja usado como símbolo do conflito entre ciência e religião, fé e razão, uma análise honesta da história nos leva a outra conclusão. Sobre isso, destaco as observações seguintes:

    1) De fato, como o meu oponente argumentou, a Igreja, até então, não tinha um modelo celeste oficial. Ocorre que os clérigos estavam mais inclinados a acreditar no geocentrismo em razão da combatibilidade dele com as escrituras sagradas. Mas essa não era uma posição oficial nem da Igreja, nem dos clérigos, tanto que, em face da observação de Galileu das fases de Vênus, que refutava o modelo geocêntrico de Ptolomeu, alguns clérigos decidiram adotar o modelo geocêntrico de Tycho Brahe, onde a Terra (no centro) é orbitada pelo Sol (orbitado pelos demais planetas). Isso refuta a afirmação (derivada do senso comum) de que a Igreja adotava oficialmente o modelo geocêntrico (seja o de Ptolomeu, seja o de Tycho). Mesmo durante o período sombrio da Reforma e Contra-Reforma, a Igreja nunca se opôs ao ensino do modelo heliocêntrico de Copérnico, desde que ele fosse tratado como hipótese.

    2) Galileu errou ao tratar o copernicanismo como fato (e não como hipótese). Por quê? Porque Galileu nunca apresentou uma prova definitiva do movimento da Terra. O princípio da inércia, que ele defendeu em "Diálogos", apenas provava que a Terra poderia estar em movimento, mas não provava que ela, de fato, estava, uma vez que o princípio da inércia tanto é válido para a Terra em movimento como para a Terra em repouso. A teoria sobre o fluxo e o refluxo das marés, que ele também defendeu em "Diálogos", por outro lado, era errada. Mas o maior erro de Galileu, em minha opinião, foi ter escrito uma obra de literatura. "Diálogos" não é uma obra científica. "Diálogos" é uma obra de literatura. Atualmente, caso alguém que se propõe a escrever uma obra científica publicasse uma obra similar a "Diálogos", seria veementemente ridicularizada pela comunidade científica. E eis que Galileu supera a si próprio e a sua soberba. Não bastando ter tratado o copernicanismo como fato, apresentado uma prova errada do movimento da Terra e escrito uma obra de literatura, ele ainda (em uma clara demonstração de desprezo até pelos seus amigos) coloca na boca de um tolo aristotélico os argumentos do papa Urbano VIII, seu amigo pessoal.

    3) Conforme o meu oponente disse em suas considerações iniciais, pouca gente discorre sobre o humor e o caráter de Galileu. Galileu era extremamente ganancioso, tanto que, quando apresentou o seu telescópio ao Senado de Veneza, mentiu sobre quantas vezes o seu telescópio realmente aumentava o que observava, tudo para ganhar mais dinheiro. Galileu também era extremamente arrogante, petulante, orgulhoso e impiedoso com os seus opositores. Envolveu-se em sérios conflitos com alguns padres jesuítas, tendo, inclusive, escrito alguns livros para atacá-los. Em "Istoria e Dimostrazioni Intorno Alle Macchie Solari", de 1613, ataca o padre jesuíta Christoph Scheiner, argumentando (corretamente) que as manchas solares estão sobre o Sol - e não são corpos celestes orbitando o Sol (como defendia Scheiner). Nesse caso, a Igreja não tomou partido, uma vez que a tese defendida por Galileu não entrava em conflito com as escrituras sagradas, mas apenas com o aristotelismo, que dizia que o Sol, sendo constituído de éter, seria perfeito, não podendo, portanto, apresentar manchas em sua superfície. Já em "Il saggiatore", de 1623, atacou o padre jesuíta Orazio Grassi, cujo pseudônimo era Lotario Sarsi, contrariando a opinião deste sobre a queda dos corpos e o aquecimento deles em razão do atrito do ar. Mesmo tendo recebido uma denúncia anônima contra "Il saggiatore" (Pagano, 245-248; Finocchiaro, 202-204), a Igreja, novamente, não tomou partido, pois "Il saggiatore" também não contradizia a interpretação oficial das escrituras sagradas.
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  8. Gostaria aqui de ratificar o dito de meu oponente com relação às importantes observações, muitas vezes esquecidas e anuladas proposital ou inconscientemente em publicações que espalham os mitos sobre Galileu e a Igreja. Vamos acrescentar mais dados.

    Os teólogos não estavam preparados para aceitar a teoria heliocêntrica com base na interpretação de um leigo. No entanto, Galileu insistiu em deslocar o debate para uma esfera teológica. Há pouca dúvida de que, se Galileu tivesse mantido a discussão dentro dos limites aceitos da astronomia (ou seja, prever os movimentos planetários) e não tivesse afirmado a verdade física para a teoria heliocêntrica, a questão não teria escalado para o ponto que chegou. Afinal, ele não tinha provado a nova teoria para além de qualquer dúvida razoável.
    Mas, enquanto Copérnico foi autorizado a ensinar sua teoria, Galileu foi indiretamente censurado no dia 24 de fevereiro de 1616, pelo Santo Ofício. Nenhum livro de Galileu foi condenado nesta censura pronunciada pelo Santo Ofício, mas a doutrina de Copérnico no que diz respeito à mobilidade da terra e da imobilidade do sol foi declarada como filosoficamente falsa, contrária aos ensinamentos da Santa Escritura, e formalmente herética.
    Galileu não tinha provas astronômicas para oferecer, em parte porque suas próprias observações não se alinhavam corretamente com a sua teoria. Ele insistiu que os planetas se moviam em círculos perfeitos (com base em hipóteses de Aristóteles) e rejeitou as teorias de Johannes Kepler, que propôs em sua “Nova Astronomia” (1609) de que as órbitas planetárias são elípticas. Em vez disso, Galileu propôs como prova uma teoria falha e pouco convincente de que as marés eram evidências de rotação da Terra (e, incidentalmente, negou que a atração lunar estava envolvida).
    A Igreja viu o “Diálogo” como um desafio público e direto ao edital de 1616. Como Galileu, Urbano era um homem vaidoso e irascível. Depois de ouvir os argumentos de Galileu durante anos, ele declarou que as possíveis formas de organizar o universo eram tão numerosas que era impertinente para os mortais a alegação de que tinham descoberto a verdade única. Ele insistia que Galileu incluísse a alternativa aristotélica em suas apresentações do universo.
    Uma nota importante aqui sobre o envolvimento da palavra “heresia” no caso Galileu: a descrição de "heresia" no caso é muito infeliz porque, mais uma vez, o caso Galileu não tratou com nenhuma doutrina da fé católica, apenas com um princípio filosófico / científico (então classificados dentro da aceitável cosmologia aristotélica, que acabou por estar errada neste ponto). É um caso clássico de considerar algo como um dogma algo que não tinha nada a ver com dogma (este tribunal "não proclamou" nenhum dogma, porque não tinha autoridade para fazê-lo). Os papas anteriores não viam nada de "herético" no copernicanismo, o que era simplesmente uma diversão estúpida temporária do pensamento sólido por um grupo de reacionários filosóficos.
    O resultado do julgamento nunca esteve em dúvida e, porque ele se recusou a usar Sistema Kepler, Galileu chegou a perder o argumento científico.
    Em 1632, a Inquisição, finalmente, assumiu o caso, e em quatro interrogatórios - 12 de março, 30 de abril, 10 de Maio e 21 de junho, questionou Galileu tanto o fato e intenção: 1. Se ele tivesse ensinado no Diálogo a teoria condenada? 2. Se ele tivesse realizada a teoria condenado como verdade?
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  9. Quanto ao segundo julgamento em 1633, este não se preocupou tanto com a doutrina como com a pessoa de Galileu, e sua violação manifesta do contrato em não abster-se da propaganda ativa das doutrinas de Copérnico. A sentença passou em cima dele, em consequência, claramente implicava uma condenação do copernicanismo, mas não fez decreto formal sobre o assunto, e não recebeu a assinatura do papa.
    Em 21 de junho, no quarto e último interrogatório, Galileu foi questionado quanto à sua intenção no "Diálogo" em relação ao sistema de Copérnico. Em resposta, ele só admitiu que, valorizando a sua hipótese e sentindo-se orgulhoso dos argumentos apresentados por ele antes de 1616, ele havia dado no "Diálogo" mais força para o Copérnico do que a outra opinião. Recusando-se, portanto, a confessar a intenção imputada, ele foi ameaçado de tortura. Então ele respondeu: "Eu não apoio o sistema de Copérnico já que fui condenado a abandoná-lo [dezessete anos antes]. Mas eu estou em suas mãos. Faça de mim o quiserem”. Esta recusa em reconhecer a intenção imputada havia sido previsto pelo Papa Urbano e, como ele havia previsto a contingência, o tribunal não cumpriu a ameaça de tortura, mas procedeu-se ao ato de abjuração. Quanto à expressão "análise rigorosa", utilizado na sentença, não implica necessariamente que a tortura tinha sido infligida, pois eles podem facilmente se referir à ameaça pronunciada no quarto interrogatório.
    Outra questão importante de frisar é que a Infalibilidade papal não entra na questão. De acordo com o Vaticano, o Papa é infalível quando fala ex cathedra, isto é, como supremo mestre da Igreja Universal, quando ele define uma doutrina, quando ele trata de fé ou moral, ou verdades filosóficas ou fatos filosóficos essenciais para a preservação da o conteúdo da revelação, quando ele manifesta claramente a sua intenção de vincular a Igreja Universal.
    No caso Galileu nenhuma dessas quatro condições foram verificadas. Os decretos de 1616 e 1633 foram disciplinares: o primeiro ordenava que Galileu não defendesse a teoria de Copérnico e o segundo o condenou por ter quebrado a promessa feita ao cardeal Belarmino. É verdade, que as razões que levaram o Papa e os cardeais para atuar em ambos os casos foram doutrinais, mas estas razões não fazem parte integrante do decreto. Mesmo em uma decisão infalível elas podem ser consideradas errôneas.
    Devemos lembrar que a condenação do copernicanismo e de Galileu ocorreu num momento particularmente difícil na história da Igreja Católica. Em resposta a ênfase protestante da particular interpretação das Escrituras, a Igreja Católica teve dificuldade em se mover além de uma leitura literal da Bíblia por medo de ser acusada pelos protestantes de abandonar as Escrituras. (1)
    Em 1633 Galileu foi "preso" no palácio de Niccolini, embaixador para o Vaticano da Toscana, que admirava muito, passou cinco meses com o arcebispo Piccolomini em Siena, e depois viveu em ambientes confortáveis com os amigos para o resto de sua vida (embora tecnicamente sob "prisão domiciliar"). Não existe evidência para provar que ele foi realmente submetido a tortura ou ficou deliberadamente cego (ele perdeu a visão em 1637).
    No entanto, o Papa Urbano (cardeal Barberini foi eleito Papa Urbano VIII, eleito papa em 1623) também acreditava que a teoria de Copérnico nunca poderia ser provada e ele só estava disposto a permitir a Galileu o direito de discuti-lo como hipótese. Galileu foi encorajado, no entanto, e começou a escrever um "diálogo" sobre a teoria de Copérnico, que publicou em fevereiro de 1632. O livro foi recebido com protestos em massa, principalmente por seus colegas cientistas.

    1. The Western Heritage, pg. 469
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  10. É lamentável que a Igreja Católica perseguiu injustamente Galileu. Mas este incidente não fornece nenhum pouco de evidência "oficial" da acusação de que a Igreja Católica não é o que ela diz ser. Como o Papa João Paulo II admitiu publicamente, a Igreja Católica cometeu erros neste incidente. Mas a igreja nunca fez "oficialmente" uma reclamação contra Galileu (tanto os julgamentos de 1616 e 1633 não foram “oficiais” e nem foram assinados pelo papa) que não era verdade o que ele ensinava, nem ela "oficialmente" proclamou algo falso como sendo verdadeiro. Os erros foram limitados a erros de julgamento, por não se fazer escolhas sábias, e não ter compaixão.
    Além disso, a sentença em si teve as assinaturas de sete dos dez juízes. O papa, em outras palavras, não endossou oficialmente a decisão (não houve, é claro, nenhuma razão para que ele deveria, pois o Tribunal estava simplesmente exercendo as suas atribuições normais). Não foi um caso oficial da Igreja “declarando o heliocentrismo heresia”, pois nunca foi. A Igreja nunca proclamou o geocentrismo como dogma e nem anatemizou como herético o heliocentrismo. Eram tempos difíceis e o caso não foi tão simples de julgar, dado os tempos e as atitudes e temperamento irascível e tempestuoso de Galileu, que teimava em proclamar como fato algo que era uma teoria. Alguns na Igreja podem ter sido culpados de “pegarem pesado” com Galileu, mas como demonstrei, em nenhum momento a Igreja “dogmatizou” o geocentrismo e “anatemizou” o heliocentrismo. Ambos eram teorias não provadas na época e tinha o mesmo peso de dúvida.
    A declaração de que as proposições de Galileu eram heréticas nunca foram publicadas como um ensinamento da Igreja, e nunca foi a intenção de ser. Pretendia-se que fosse tomada como conselhos de alguns especialistas teológicos que trabalharam no Santo Ofício, de valor no caso legal, mas dificilmente uma norma de fé para a Igreja como um todo. (2)

    2. Jeffrey A. Myirus, “Galileo and the Magisterium: a Second Look”

10 comentários:

  1. O Mensageiro das Estrelas

    Galileu Galilei nasceu em Pisa em 1564. Em 1574, mudou-se para Florença, sendo educado no mosteiro de Camaldolese, Vallombrosa, município vizinho. Em 1581, voltou a Pisa para estudar medicina na universidade homônima, tendo abandonado o curso para se dedicar ao que mais lhe interessava: matemática. Reza uma lenda que Galileu, em 1582, observou um grande candelabro preso a uma corrente se movendo, como um pêndulo, no alto da Catedral de Pisa. Com um relógio de bolso, marcou o intervalo de tempo que o candelabro levava para ir de um lado para outro, isto é, o período de oscilação. Para a sua surpresa, verificou que embora o candelabro se movesse cada vez menos o período de oscilação permanecia inalterado. Em sua casa, com uma pedra presa a uma corda, também observou que embora fosse diretamente proporcional ao comprimento da corda o período de oscilação era independente do peso da pedra, contrariando a previsão de Aristóteles de que uma pedra mais pesada teria um período de oscilação menor, isto é, de que um corpo mais pesado cairia mais rapidamente do que um mais leve. Foi devido a esse episódio que Galileu teria concluído que a filosofia natural de Aristóteles possuía determinados problemas.

    Galileu somente voltaria a estudar o movimento dos corpos no final de sua vida, quando em prisão domiciliar. Com a invenção do telescópio em 1608, a partir de 1609, dedicou-se apenas à observação do céu. Antes, aumentou o alcance do telescópio, tendo impressionado o Senado de Veneza, que aumentou o seu salário de professor de matemática na Universidade de Pádua e o efetivou no emprego. Com o telescópio, observou que a superfície da Lua era irregular como a da Terra, apresentando montanhas e vales. Também observou que assim como a Lua ilumina a Terra com a sua luz secundária, a Terra ilumina a Lua com a sua luz secundária. Tudo isso mostrou que ao contrário do que predizia o aristotelismo, a Terra não era tão diferente dos demais astros. Mas a descoberta mais importante foram as quatro luas de Júpiter (ou satélites, como denominou Kepler). Com o fim de obter o apoio e a proteção do grão-duque da Toscana, Cosimo II de Médici, Galileu denominou as luas de Júpiter de "estrelas medicianas". Depois de uma carta de Kepler, Cosimo nomeou Galileu o seu filósofo e matemático principais e o novo professor de matemática da Universidade de Pisa. Galileu publicou as suas descobertas no livro "Sidereus Nuncius", "O Mensageiro das Estrelas", em 1610. O livro foi um sucesso e, devido a ele, Galileu caiu nas graças da corte toscana. Foi admitido pela Accademia dei Lincei e homenageado com um banquete pelo Collegio Romano, cujo reitor era o inquisidor e cardeal Roberto Bellarmino. Foi homenageado também pelo papa Paulo V.

    Os problemas de Galileu com a Igreja começaram quando ele começou a defender publicamente o modelo copernicano em detrimento do modelo ptolomaico. A grã-duquesa da Toscana, Cristina de Lorena, em um encontro com o padre Benedetto Castelli, um dos pupilos de Galileu, disse que estava preocupada com o fato de que o modelo copernicano contrariava as escrituras sagradas em várias passagens, como a Batalha de Gibeão, no Livro dos Romanos. Em uma famosa carta a Cristina (e a Castelli), Galileu argumentou que o modelo copernicano contrariaria as escrituras sagradas apenas caso estas fossem interpretadas da forma errada. Ocorre que a forma errada a que Galileu se referiu é a interpretação das escrituras sagradas (oficial) do Concílio de Trento! Foi o suficiente para em 1615 o padre dominicano Niccolò Lorini denunciar Galileu à Inquisição. Em 1616, Paolo Foscarini escreveu uma carta (em favor do modelo copernicano) ao cardeal Bellarmino, que aproveitou a situação para responder a Foscarini e a Galileu com outra carta.

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  2. Bellarmino escreveu a sua carta sob três contra-argumentos. Primeiro, afirmar que a Terra orbita o Sol, escreveu Bellarmino, "é uma coisa muito perigosa, não apenas capaz de irritar todos os filósofos e teólogos escolásticos, mas também de causar dano à Santa Fé, tornando falsas as escrituras sagradas". Segundo, "como vocês sabem, o Concílio de Trento proíbe qualquer interpretação das escrituras sagradas que contrarie a interpretação sancionada pelas autoridades eclesiásticas". Terceiro,

    "quando fosse verdadeira a demonstração de que o Sol está no centro do cosmo e a Terra está no terceiro céu, e de que o Sol não circunda a Terra, mas a Terra circunda o Sol, então seria preciso tentar com muito cuidado explicar as escrituras que parecem contrárias e dizer que não as entendemos ao invés de dizer que seja falso aquilo que se demonstra. Mas eu não acredito que essa prova exista, pois ela ainda não me foi mostrada."¹

    A carta de Bellarmino a Galileu (e uma carta de Maffeo Barberini) foi uma maneira de protegê-lo da Inquisição, esclarecendo que a Igreja apenas voltaria a conversar sobre aquilo caso Galileu apresentasse uma prova definitiva do modelo de Copérnico. Galileu pensou que a sua teoria das marés fosse a prova definitiva do movimento da Terra, convencendo o cardeal Alessandro Orsini a apresentá-la ao papa Paulo. Os argumentos de Galileu não foram conclusivos e deixaram Paulo furioso com ele. No final, a proposição de que o Sol é o centro do cosmo foi declarada "tola e absurda, filosófica e formalmente herética, já que contradiz expressamente a doutrina das escrituras sagradas em várias passagens" enquanto que a proposição de que a Terra orbita o Sol foi declarada "filosoficamente errada, estando, com relação ao seu valor teológico, pelo menos em contradição com a fé".² O livro de Foscarini foi proibido e o de Copérnico suspenso até que fosse corrigido (a fim de que apresentasse o heliocentrismo como hipótese). Já Galileu somente foi advertido oralmente por Bellarmino que

    "ele abandonasse essas opiniões; e que, caso ele recusasse, o comissário deveria ordenar-lhe, perante um notário e testemunhas, que jamais lecionasse ou defendesse essa opinião e mesmo a discutisse; e que, caso ele mesmo assim não obedecesse, ele deveria ser aprisionado."³

    Devido a rumores de que Galileu estivesse sido torturado e obrigado a abjurar, a pedido de Galileu, Bellarmino escreveu uma carta onde esclareceu que Galileu não foi nem torturado nem obrigado a abjurar, tendo sido somente notificado do conteúdo da declaração de 1616 da Congregação do Índice.

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  3. Galileu não escreveu nada até 1623, quando publicou "Il saggiatore", "O ensaiador", envolvendo-se em um novo conflito, dessa vez com o padre jesuíta Orazio Grassi, cujo pseudônimo era Lotario Sarsi. O livro foi dedicado ao seu amigo Maffeo Barberini, agora papa Urbano VIII. Como Barberini havia intercedido em favor de Galileu em 1616, este decidiu pedir àquele uma autorização para escrever um livro onde oporia os sistemas ptolomaico e copernicano. Tendo Galileu argumentado de que a sua teoria sobre o fluxo e o refluxo das marés era a prova definitiva do movimento da Terra, segundo uma carta do padre Niccolò Riccardi a Galileu, datada de 24 de maio de 1623,

    "é intenção de Sua Santidade que o título e conteúdo não sejam sobre o fluxo e refluxo mas apenas sobre a consideração matemática da posição de Copérnico com relação ao movimento da Terra, de modo a provar que, exceto através da revelação divina e da Santa Doutrina, seria possível salvar os fenômenos com essa posição, resolvendo todas as críticas que tanto a experiência como a filosofia peripatética poderiam avançar. Mas a verdade absoluta jamais pode ser associada a essa posição, que deve ser considerada apenas como hipótese, e sem a inclusão das escrituras sagradas no argumento."

    "Diálogos sobre os dois sistemas principais do mundo, ptolomaico e copernicano" é uma narrativa de um debate entre três personagens, Simplício (o aristotélico), Sagredo (o intermediador) e Salviati (o galileano). Simplício argumenta que,

    "Tendo sempre em mente a mais sólida doutrina que ouvi de uma pessoa eminente e sábia, e perante quem devemos nos calar, sei que se eu houvesse perguntado a vocês dois se Deus em seu poder e sabedoria infinita poderia impor à massa de água seus movimentos diários sem mover seu vaso contenedor, vocês dois me responderiam que Ele poderia, e que Ele o faria de modos que nossas mentes jamais poderiam imaginar. Portanto, concluo que seria muita arrogância limitar e restringir o poder e sabedoria divina à imaginação particular de um indivíduo qualquer."

    Salviati sarcasticamente contra-argumenta que já que,

    "devemos introduzir um milagre para explicar o ir-e-vir dos oceanos, por que não fazer com que a Terra se mova milagrosamente de modo a causar o movimento dos oceanos? Essa operação seria sem dúvida, dentre os possíveis milagres, muito mais simples e natural, já que é mais fácil fazer com que um globo gire [...] do que fazer uma imensa quantidade de água mover-se para a frente e para trás."

    "Diálogos" foi publicado em fevereiro e proibido em agosto de 1632, culminando, em outubro, com a convocação de Galileu para comparecer à Inquisição, em Roma. O restante dessa história deixo ao meu oponente, congratulando-o por ter aceitado debater o referido tema comigo.

    ¹Citado em Koestler, p. 454.

    ²Citado em Koestler, p. 462.

    ³Citado em Koestler, p. 468.

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  4. Agradeço muito o convite de participar deste debate. Vamos lá. Patrick termina de contar boa parte dos fatos relacionado à Galileu até 1623, dois quais não discordo muito. Estes fatos não estão em questão ou contestáveis.
    Lembremos que a regra para entender o caso Galileu é analisá-lo DENTRO dos parâmetros históricos e complexos da época (Reforma, Contra-Reforma, etc.) e não num simples achatamento de “ciência X religião”. Assim, continuemos.
    Antes de iniciarmos, também, é preciso salientar um importante dado omitido pelos críticos da Igreja e mitólogos do caso Galileu. Apesar de hostilidade contra o cristianismo durante o Iluminismo, não foi até o século XIX, quando a hipótese de conflito surgiu. Muitas das falsas informações e mitos (aos quais chamo de "Hipótese de Conflitos") sobre Galileu advêm de livros de dois autores do séc. XIX: "História do Conflito entre Religião e Ciência", de John William Draper e "História da Guerra da Ciência com a Teologia na Cristandade", de Andrew Dickson White. Isto foi dito para esclarecermos alguns pontos do contexto histórico, religioso e científico da época, pois só assim podemos entender o caso Galileu em sua plenitude.
    O que precisamos salientar aqui é que dois focos na vida de Galileu são alvos dos críticos: os processos dos anos 1616 e 1633 e é em torno desses que vou me concentrar já que meu objetivo é esclarecer e desmistificar conceitos errôneos e tendenciosos na história de Galileu.
    A idade moderna da ciência começou em 1543, quando Nicolau Copérnico, um cônego polonês, publicou o Sobre a revolução dos Corpos Celestes. A visão popular é que Copérnico "descobriu" que a Terra gira em torno do sol. Na verdade, a ideia é pelo menos tão antiga quanto os gregos antigos. Mas a teoria geocêntrica, aprovada por Aristóteles e dada como plausibilidade matemática por Ptolomeu, foi o modelo vigente até Copérnico. Foi dada a maior credibilidade por algumas passagens das Escrituras, que parecia afirmar a mobilidade do sol e da fixidez da terra. Os Pais da Igreja simplesmente o tinham como certo, mas eles não estavam realmente interessados em explicações de pesquisas científicas sobre o cosmo. Como Santo Ambrósio escreveu: “Discutir a natureza e a posição da terra não nos ajuda em nossa esperança da vida futura.”
    O sistema heliocêntrico não era contrário à doutrina da Igreja Católica. Durante toda a Idade Média, houve quem propusesse a alternativa heliocêntrica e Igreja nunca entrou em conflito com isto (1). Ela nunca propôs, e ela não pode propor qualquer sistema de ciência meramente física como uma questão de fé. Certamente, se qualquer sistema contradiz os seus ensinamentos ela exerce o seu direito de condená-la. A maioria dos clérigos do início do século XVII, muito naturalmente seguidores das teorias científicas em geral, recebidas de seus dias, rejeitou a ideia de um movimento da Terra em torno do sol, mas a Igreja não os forçou a tal rejeição. O sistema heliocêntrico já era permitido a ser ensinado nas universidades desde que Copérnico dedicou o seu "Revoluções dos Corpos Celestes" ao Papa Paulo III e Calcagnini, que morreu em 1540, não teria ensinado publicamente em Ferrara que “os céus permanecem, mas a terra se move.” (2)
    Depois de 1611, os oficiais da Igreja estavam dispostos a que o heliocentrismo fosse ensinado como uma hipótese (não um fato) e discutido nos círculos científicos, para que a fé das pessoas comuns fosse salvaguardada. Mas Galileu começou a ensinar sua teoria de modo muito estridente e gritante, insistindo que era fato comprovado. Mas ainda não era comprovada e não havia dados suficientes para provar que o heliocentrismo era correto. De fato, à época, para a ciência, havia o mesmo peso para se acreditar tanto no geocentrismo quanto no heliocentrismo.

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  5. Em 19 de fevereiro de 1616 duas proposições de Galileu foram apresentadas pelo Tribunal de Justiça da Inquisição do Santo Ofício, no Vaticano, para orientação quanto à ortodoxia: 1. "O sol é o centro do mundo e, portanto, imóvel de movimento local" e 2. "A Terra não é o centro do mundo, nem imóvel, mas se move de acordo com o todo de si mesma." Em 24 de fevereiro, os teólogos do Santo Ofício declararam que a primeira proposição era "tola, absurda, filosófica e formalmente herética...” e a segunda “para receber a mesma reprovação na filosofia e, no que respeita a verdade teológica, para ser pelo menos errônea na fé”.
    Foi essa falta de provas sobre sua FORMA de defender o heliocentrismo (e não sobre o ensino do heliocentrismo em si, que há era permitido pela Igreja), juntamente com sua própria personalidade abrasiva, que precipitou seus problemas com a Igreja. Galileu era conhecido por sua arrogância, e durante sua carreira, havia um grande número de pessoas a quem ele tinha desprezado, insultado, ou de alguma forma transformado em inimigos. Em 1615 alguns deles viram uma chance de atacar a Galileu acusando-o de heresia por sua afirmação de que o heliocentrismo era fato comprovado. E foi assim que a Igreja solicitou a perguntar se Galileu estava defendendo pontos de vista contrários às Escrituras.
    Em 1616, a pedido de Galileu, o cardeal Roberto Belarmino, um jesuíta e um dos mais importantes teólogos católicos da época- emitiu um certificado que, embora proibisse Galileu de manter ou defender a teoria heliocêntrica, não o impediu de conjecturar sobre ele. Quando Galileu reuniu-se com o novo papa, Urbano VIII, em 1623, ele recebeu permissão de seu amigo de longa data para escrever uma obra sobre o heliocentrismo, mas o novo pontífice advertiu-lhe que não defendesse a nova posição e apenas apresentasse argumentos a favor e contra.
    Quando alguns sacerdotes se queixaram de que seu ensinamento contrário as Escrituras, ele respondeu que a Escritura deve ser reinterpretada à luz de sua teoria. Como a Igreja estava passando pelo delicado e complexo momento da Contra-Reforma e a interpretação particular foi um dos principais itens de controvérsia com os protestantes, isso não poderia ser uma maneira mais rápida de ganhar o desagrado oficial do que ir contra os pontos teológicos da Igreja sobre como interpretar as Escrituras.
    O pe. Grienberger, chefe do Colégio Romano, escreveu que ele nunca teria sido condenado e julgado se não tivesse ofendido os jesuítas (3).
    Quero salientar aqui o extremo e importante papel do cardeal Belarmino nas relações com Galileu. Ele esteve diretamente envolvido na polêmica e deixou claro que o heliocentrismo não foi condenado de forma irreversível, e também que apesar de ainda ser uma teoria não comprovada, não era um fato inatacável. Na verdade, Belarmino efetivamente teve uma compreensão superior da natureza de uma hipótese científica do que Galileu.
    Assim, de 1616, Galileu não foi condenado, mas o cardeal Roberto Belarmino foi convidado a transmitir a notícia a Galileu e lhe aconselhar da decisão, e aconselha-lo que deixasse de defender suas teorias como fato. Ele também lhe pediu para evitar novas incursões de discussão na interpretação bíblica. Galileu concordou.

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  6. Quando Galileu escreveu o “Diálogo sobre os Dois Sistemas do Mundo” (1632), ele usou um argumento que o papa tinha oferecido, e colocou-o na boca do seu personagem Simplício. Galileu, talvez inadvertidamente, fez piada com o papa, um resultado que só poderia ter consequências desastrosas. Urbano sentiu-se ridicularizado e não podia acreditar como seu amigo poderia desgraça-lo publicamente. Galileu havia ridicularizado a própria pessoa que precisava como um benfeitor. Ele também alienado seus apoiantes de longa data, os jesuítas, com ataques a um de seus astrônomos. A Igreja Católica à época não via com bons olhos o fato de um cientista (e ainda rejeitado por muitos de seus colegas cientistas), publicando obras sobre interpretação bíblica e teologia, sendo esta considerada como uma interferência nos assuntos da Igreja. Um ano depois da sua publicação, o livro foi proibido. O resultado foi o infame julgamento, que ainda é anunciado como a separação definitiva entre ciência e religião. (4)
    A Inquisição decidiu contra ele nos dois pontos. Ela declarou-o “veementemente suspeito de heresia”, na medida em que ele havia realizado e acreditava que uma doutrina “falsa e contrária à Sagrada Escritura”. (5) Fizeram-no ler e assinar um ato de abjuração em que ele declarou-se justamente suspeito de heresia, pois eles proibiram a publicação do “Diálogo”, o condenou à prisão do Santo Ofício, e impuseram como penitência sete Salmos Penitenciais a serem ditos uma vez por semana, durante três anos.
    Nenhum estudioso atualmente acredita na fábula que Galileu nesta reunião bateu com os pés com raiva, e gritou: "E pur si muove" – ("mas ela se move”). Os registros do julgamento provam que ele foi submisso e estava ansioso para bajular com seus juízes. Esta afirmação ridícula foi inicialmente atribuída a Galileu pelo abade Irailh (Paris, 1761). (6)
    Assim, os decretos de 1616 e 1633 relativos a Galileu não foram "decretos papais". Foram emitidos por congregações romanas. Um decreto papal e um decreto da parte de uma congregação romana são duas coisas diferentes. Na verdade, como mostra a Enciclopédia Católica, o decreto de 1633: "não recebeu a assinatura do papa". (7)
    A Igreja nunca condenou o sistema de Copérnico e os tribunais não foram ecumênicos e infalíveis da Igreja. (8) A defesa de Galileu, neste processo, foi tão patentemente desonesta que teria perdido o caso em qualquer tribunal (9)
    A realidade histórica não era a de que Galileu foi condenado porque ele não podia provar cientificamente uma teoria que parecia violar a Bíblia, mas sim que ele apresentou a teoria como um fato em seus escritos públicos. Além disso, ele desafiou as autoridades da Igreja publicamente sobre o verdadeiro significado das Escrituras. (10)
    Em 1638, em sua “prisão domiciliar”, Galileu produziu sua melhor e mais influente obra “Diálogo das duas novas ciências”, que são a Resistência dos Materiais e a Mecânica Raciona, básicas para vários ramos da engenharia. (11)


    1. Dinesh D’Souza, “A verdade sobre o cristianismo”, Thomas Nelson Brasil, 2007, pg. 127.
    2. Rev. Reuben Parsons ,D.D., “Some Lies and Errors of History”, Notre Dame, Indiana: The Ave Maria, 1893; pp. 97.
    3. Arthur Koestler, “Os Sonâmbulos”, p.477
    4. James Reston, “Galileo: A life”. New York: Harper Collins Publishers, 1994, 195.
    5. Relatório do julgamento de Galileu: http://migre.me/a4nhW.
    6. Rosenblum, "They Never Said It," American Mercury, 494.
    7. http://www.newadvent.org/cathen/06342b.htm
    8. VON GEBLER, “Galileo Galilei und die romische Curie” (tr., London, 1879)
    9. Arthur Koestler, “O homem e o universo”, IBRASA, 485.
    10. D’Souza, 131.
    11. Felipe Aquino, “Para entender a Inquisição”, Cleófas, 236.

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  7. Eu concordo com o meu oponente. De fato, embora o conflito entre Igreja e Galileu seja usado como símbolo do conflito entre ciência e religião, fé e razão, uma análise honesta da história nos leva a outra conclusão. Sobre isso, destaco as observações seguintes:

    1) De fato, como o meu oponente argumentou, a Igreja, até então, não tinha um modelo celeste oficial. Ocorre que os clérigos estavam mais inclinados a acreditar no geocentrismo em razão da combatibilidade dele com as escrituras sagradas. Mas essa não era uma posição oficial nem da Igreja, nem dos clérigos, tanto que, em face da observação de Galileu das fases de Vênus, que refutava o modelo geocêntrico de Ptolomeu, alguns clérigos decidiram adotar o modelo geocêntrico de Tycho Brahe, onde a Terra (no centro) é orbitada pelo Sol (orbitado pelos demais planetas). Isso refuta a afirmação (derivada do senso comum) de que a Igreja adotava oficialmente o modelo geocêntrico (seja o de Ptolomeu, seja o de Tycho). Mesmo durante o período sombrio da Reforma e Contra-Reforma, a Igreja nunca se opôs ao ensino do modelo heliocêntrico de Copérnico, desde que ele fosse tratado como hipótese.

    2) Galileu errou ao tratar o copernicanismo como fato (e não como hipótese). Por quê? Porque Galileu nunca apresentou uma prova definitiva do movimento da Terra. O princípio da inércia, que ele defendeu em "Diálogos", apenas provava que a Terra poderia estar em movimento, mas não provava que ela, de fato, estava, uma vez que o princípio da inércia tanto é válido para a Terra em movimento como para a Terra em repouso. A teoria sobre o fluxo e o refluxo das marés, que ele também defendeu em "Diálogos", por outro lado, era errada. Mas o maior erro de Galileu, em minha opinião, foi ter escrito uma obra de literatura. "Diálogos" não é uma obra científica. "Diálogos" é uma obra de literatura. Atualmente, caso alguém que se propõe a escrever uma obra científica publicasse uma obra similar a "Diálogos", seria veementemente ridicularizada pela comunidade científica. E eis que Galileu supera a si próprio e a sua soberba. Não bastando ter tratado o copernicanismo como fato, apresentado uma prova errada do movimento da Terra e escrito uma obra de literatura, ele ainda (em uma clara demonstração de desprezo até pelos seus amigos) coloca na boca de um tolo aristotélico os argumentos do papa Urbano VIII, seu amigo pessoal.

    3) Conforme o meu oponente disse em suas considerações iniciais, pouca gente discorre sobre o humor e o caráter de Galileu. Galileu era extremamente ganancioso, tanto que, quando apresentou o seu telescópio ao Senado de Veneza, mentiu sobre quantas vezes o seu telescópio realmente aumentava o que observava, tudo para ganhar mais dinheiro. Galileu também era extremamente arrogante, petulante, orgulhoso e impiedoso com os seus opositores. Envolveu-se em sérios conflitos com alguns padres jesuítas, tendo, inclusive, escrito alguns livros para atacá-los. Em "Istoria e Dimostrazioni Intorno Alle Macchie Solari", de 1613, ataca o padre jesuíta Christoph Scheiner, argumentando (corretamente) que as manchas solares estão sobre o Sol - e não são corpos celestes orbitando o Sol (como defendia Scheiner). Nesse caso, a Igreja não tomou partido, uma vez que a tese defendida por Galileu não entrava em conflito com as escrituras sagradas, mas apenas com o aristotelismo, que dizia que o Sol, sendo constituído de éter, seria perfeito, não podendo, portanto, apresentar manchas em sua superfície. Já em "Il saggiatore", de 1623, atacou o padre jesuíta Orazio Grassi, cujo pseudônimo era Lotario Sarsi, contrariando a opinião deste sobre a queda dos corpos e o aquecimento deles em razão do atrito do ar. Mesmo tendo recebido uma denúncia anônima contra "Il saggiatore" (Pagano, 245-248; Finocchiaro, 202-204), a Igreja, novamente, não tomou partido, pois "Il saggiatore" também não contradizia a interpretação oficial das escrituras sagradas.

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  8. Gostaria aqui de ratificar o dito de meu oponente com relação às importantes observações, muitas vezes esquecidas e anuladas proposital ou inconscientemente em publicações que espalham os mitos sobre Galileu e a Igreja. Vamos acrescentar mais dados.

    Os teólogos não estavam preparados para aceitar a teoria heliocêntrica com base na interpretação de um leigo. No entanto, Galileu insistiu em deslocar o debate para uma esfera teológica. Há pouca dúvida de que, se Galileu tivesse mantido a discussão dentro dos limites aceitos da astronomia (ou seja, prever os movimentos planetários) e não tivesse afirmado a verdade física para a teoria heliocêntrica, a questão não teria escalado para o ponto que chegou. Afinal, ele não tinha provado a nova teoria para além de qualquer dúvida razoável.
    Mas, enquanto Copérnico foi autorizado a ensinar sua teoria, Galileu foi indiretamente censurado no dia 24 de fevereiro de 1616, pelo Santo Ofício. Nenhum livro de Galileu foi condenado nesta censura pronunciada pelo Santo Ofício, mas a doutrina de Copérnico no que diz respeito à mobilidade da terra e da imobilidade do sol foi declarada como filosoficamente falsa, contrária aos ensinamentos da Santa Escritura, e formalmente herética.
    Galileu não tinha provas astronômicas para oferecer, em parte porque suas próprias observações não se alinhavam corretamente com a sua teoria. Ele insistiu que os planetas se moviam em círculos perfeitos (com base em hipóteses de Aristóteles) e rejeitou as teorias de Johannes Kepler, que propôs em sua “Nova Astronomia” (1609) de que as órbitas planetárias são elípticas. Em vez disso, Galileu propôs como prova uma teoria falha e pouco convincente de que as marés eram evidências de rotação da Terra (e, incidentalmente, negou que a atração lunar estava envolvida).
    A Igreja viu o “Diálogo” como um desafio público e direto ao edital de 1616. Como Galileu, Urbano era um homem vaidoso e irascível. Depois de ouvir os argumentos de Galileu durante anos, ele declarou que as possíveis formas de organizar o universo eram tão numerosas que era impertinente para os mortais a alegação de que tinham descoberto a verdade única. Ele insistia que Galileu incluísse a alternativa aristotélica em suas apresentações do universo.
    Uma nota importante aqui sobre o envolvimento da palavra “heresia” no caso Galileu: a descrição de "heresia" no caso é muito infeliz porque, mais uma vez, o caso Galileu não tratou com nenhuma doutrina da fé católica, apenas com um princípio filosófico / científico (então classificados dentro da aceitável cosmologia aristotélica, que acabou por estar errada neste ponto). É um caso clássico de considerar algo como um dogma algo que não tinha nada a ver com dogma (este tribunal "não proclamou" nenhum dogma, porque não tinha autoridade para fazê-lo). Os papas anteriores não viam nada de "herético" no copernicanismo, o que era simplesmente uma diversão estúpida temporária do pensamento sólido por um grupo de reacionários filosóficos.
    O resultado do julgamento nunca esteve em dúvida e, porque ele se recusou a usar Sistema Kepler, Galileu chegou a perder o argumento científico.
    Em 1632, a Inquisição, finalmente, assumiu o caso, e em quatro interrogatórios - 12 de março, 30 de abril, 10 de Maio e 21 de junho, questionou Galileu tanto o fato e intenção: 1. Se ele tivesse ensinado no Diálogo a teoria condenada? 2. Se ele tivesse realizada a teoria condenado como verdade?

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  9. Quanto ao segundo julgamento em 1633, este não se preocupou tanto com a doutrina como com a pessoa de Galileu, e sua violação manifesta do contrato em não abster-se da propaganda ativa das doutrinas de Copérnico. A sentença passou em cima dele, em consequência, claramente implicava uma condenação do copernicanismo, mas não fez decreto formal sobre o assunto, e não recebeu a assinatura do papa.
    Em 21 de junho, no quarto e último interrogatório, Galileu foi questionado quanto à sua intenção no "Diálogo" em relação ao sistema de Copérnico. Em resposta, ele só admitiu que, valorizando a sua hipótese e sentindo-se orgulhoso dos argumentos apresentados por ele antes de 1616, ele havia dado no "Diálogo" mais força para o Copérnico do que a outra opinião. Recusando-se, portanto, a confessar a intenção imputada, ele foi ameaçado de tortura. Então ele respondeu: "Eu não apoio o sistema de Copérnico já que fui condenado a abandoná-lo [dezessete anos antes]. Mas eu estou em suas mãos. Faça de mim o quiserem”. Esta recusa em reconhecer a intenção imputada havia sido previsto pelo Papa Urbano e, como ele havia previsto a contingência, o tribunal não cumpriu a ameaça de tortura, mas procedeu-se ao ato de abjuração. Quanto à expressão "análise rigorosa", utilizado na sentença, não implica necessariamente que a tortura tinha sido infligida, pois eles podem facilmente se referir à ameaça pronunciada no quarto interrogatório.
    Outra questão importante de frisar é que a Infalibilidade papal não entra na questão. De acordo com o Vaticano, o Papa é infalível quando fala ex cathedra, isto é, como supremo mestre da Igreja Universal, quando ele define uma doutrina, quando ele trata de fé ou moral, ou verdades filosóficas ou fatos filosóficos essenciais para a preservação da o conteúdo da revelação, quando ele manifesta claramente a sua intenção de vincular a Igreja Universal.
    No caso Galileu nenhuma dessas quatro condições foram verificadas. Os decretos de 1616 e 1633 foram disciplinares: o primeiro ordenava que Galileu não defendesse a teoria de Copérnico e o segundo o condenou por ter quebrado a promessa feita ao cardeal Belarmino. É verdade, que as razões que levaram o Papa e os cardeais para atuar em ambos os casos foram doutrinais, mas estas razões não fazem parte integrante do decreto. Mesmo em uma decisão infalível elas podem ser consideradas errôneas.
    Devemos lembrar que a condenação do copernicanismo e de Galileu ocorreu num momento particularmente difícil na história da Igreja Católica. Em resposta a ênfase protestante da particular interpretação das Escrituras, a Igreja Católica teve dificuldade em se mover além de uma leitura literal da Bíblia por medo de ser acusada pelos protestantes de abandonar as Escrituras. (1)
    Em 1633 Galileu foi "preso" no palácio de Niccolini, embaixador para o Vaticano da Toscana, que admirava muito, passou cinco meses com o arcebispo Piccolomini em Siena, e depois viveu em ambientes confortáveis com os amigos para o resto de sua vida (embora tecnicamente sob "prisão domiciliar"). Não existe evidência para provar que ele foi realmente submetido a tortura ou ficou deliberadamente cego (ele perdeu a visão em 1637).
    No entanto, o Papa Urbano (cardeal Barberini foi eleito Papa Urbano VIII, eleito papa em 1623) também acreditava que a teoria de Copérnico nunca poderia ser provada e ele só estava disposto a permitir a Galileu o direito de discuti-lo como hipótese. Galileu foi encorajado, no entanto, e começou a escrever um "diálogo" sobre a teoria de Copérnico, que publicou em fevereiro de 1632. O livro foi recebido com protestos em massa, principalmente por seus colegas cientistas.

    1. The Western Heritage, pg. 469

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  10. É lamentável que a Igreja Católica perseguiu injustamente Galileu. Mas este incidente não fornece nenhum pouco de evidência "oficial" da acusação de que a Igreja Católica não é o que ela diz ser. Como o Papa João Paulo II admitiu publicamente, a Igreja Católica cometeu erros neste incidente. Mas a igreja nunca fez "oficialmente" uma reclamação contra Galileu (tanto os julgamentos de 1616 e 1633 não foram “oficiais” e nem foram assinados pelo papa) que não era verdade o que ele ensinava, nem ela "oficialmente" proclamou algo falso como sendo verdadeiro. Os erros foram limitados a erros de julgamento, por não se fazer escolhas sábias, e não ter compaixão.
    Além disso, a sentença em si teve as assinaturas de sete dos dez juízes. O papa, em outras palavras, não endossou oficialmente a decisão (não houve, é claro, nenhuma razão para que ele deveria, pois o Tribunal estava simplesmente exercendo as suas atribuições normais). Não foi um caso oficial da Igreja “declarando o heliocentrismo heresia”, pois nunca foi. A Igreja nunca proclamou o geocentrismo como dogma e nem anatemizou como herético o heliocentrismo. Eram tempos difíceis e o caso não foi tão simples de julgar, dado os tempos e as atitudes e temperamento irascível e tempestuoso de Galileu, que teimava em proclamar como fato algo que era uma teoria. Alguns na Igreja podem ter sido culpados de “pegarem pesado” com Galileu, mas como demonstrei, em nenhum momento a Igreja “dogmatizou” o geocentrismo e “anatemizou” o heliocentrismo. Ambos eram teorias não provadas na época e tinha o mesmo peso de dúvida.
    A declaração de que as proposições de Galileu eram heréticas nunca foram publicadas como um ensinamento da Igreja, e nunca foi a intenção de ser. Pretendia-se que fosse tomada como conselhos de alguns especialistas teológicos que trabalharam no Santo Ofício, de valor no caso legal, mas dificilmente uma norma de fé para a Igreja como um todo. (2)

    2. Jeffrey A. Myirus, “Galileo and the Magisterium: a Second Look”

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