quarta-feira, 27 de junho de 2012

Chico Sofista X Jadiel Fioravante - Relativismo Moral - DUELO DOS CAMPEÕES




Saudações Jadi Jackson, rei dos passinhos de funk das praias cariocas!

Corrija-me se eu estiver errado, mas pelo que entendi dos seus outros debates, você é um biólogo que acredita na evolução, mas se diz “Deísta” católico e partidário da noção de valores morais absolutos, sendo que o “Relativismo Moral” seria algo prejudicial para a sociedade e para a qualidade de vida das pessoas. Além disso, você acha que o ceticismo é algo que deveria ficar no laboratório e quando questões fundamentais relacionadas a como devemos viver nossas vidas são levantadas, devemos recorrer à Metafísica como fonte de respostas para aquilo que devemos fazer.

Nossos colegas estão discutindo filosofia positivista em outro tópico e eu acho que seria muito importante se fizéssemos um paralelo com um conceito muito importante que eles estão abordando, que é o de Falseabilidade Popperiana. Segundo este princípio, é seguro ter o conhecimento da realidade, se a teoria que serve para descrever o fato que se está analisando, puder ser, de alguma forma, provada ERRADA, em experimentos futuros. Segundo este princípio, qualquer que seja uma explicação, ela só me fará sentido se você mesmo considerar a priori, a possibilidade de sua hipótese também estar errada, e MAIS, propor meios que poderiam provar que você está errado. Se ninguém conseguir fazer isso, aí sim podemos dizer que o que você está defendendo é um conhecimento seguro.

Pelo que entendi, para você, só faz sentido aplicar esta visão para experimentos em laboratórios, mas não para a vida prática e eu gostaria muito que você nos explicasse por que.

1- É possível ter respostas objetivas acerca de dilemas morais humanos?

Quando eu digo que é possível obter-se conhecimento SEGURO a respeito da realidade, estou querendo dizer que a previsão de alguns fenômenos é possível a partir de uma série de leis, que parecem se manifestar repetidamente em sistemas analisados isoladamente e comparados entre si.

Este conhecimento pode ser SEGURO, mas nunca ABSOLUTO. Pois para ser seguro, ele deve ser NECESSARIAMENTE RELATIVO, passível de refutação e dependente de inúmeras análises, sob vários pontos de vista e onde TUDO está sujeito ao debate, pois TODOS admitem que não se pode conhecer verdades irrefutáveis sobre a realidade, pois se a história da humanidade nos provou algo até hoje, foi o fato de que somos especialistas em nos enganarmos.

2- O que é fato e o que é mentira???

Imagine que tudo o que você sabe sobre a realidade seja mentira. Foram apenas estímulos químicos gerando percepções em sua mente de coisas que nunca existiram. Como em um esquizofrênico. Como é que você prova para um esquizofrênico que as percepções dele não sã verdadeiras? Acaso a “verdade” dele não é baseada em evidências? E por que é que apenas evidências obtidas apenas da forma que VOCÊ resolveu confiar (as fontes certas, ditas pelas autoridades certas) são tidas como evidências e tudo o que os outros resolvem apostar, por estarem seguros de seus atos, não são evidências?

A nossa percepção sensorial da realidade ocorre através do efeito de uma série de reações químicas é, que nada mais é que uma forma de tentar encontrar nas melhores mentiras, algo para se apoiar, pois não é possível de se conhecer a realidade, a ÚNICA COISA QUE VOCÊ tem acesso é à sua PRÓPRIA PERCEPÇÃO DA REALIDADE.

É com ela que vai nascer e morrer. E como um sistema nunca pode provar a si mesmo como verdadeiro, por uma questão de postulado lógico, você JAMAIS poderá sugerir um sistema que apresente uma solução definitiva para o enigma da realidade, pois qualquer que seja a forma como você tenha resolvido analisar a realidade, você nunca estará analisando a realidade em si, apenas os próprios circuitos do seu cérebro, que jamais poderão ser reproduzidos, de maneira idêntica, em outro indivíduo que não seja você, no exato momento em que está se analisando.
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3- A ciência nos dá algum conhecimento “absoluto” a respeito da realidade?

O conhecimento científico só é seguro JUSTAMENTE por que admite que a explicação da realidade é relativa e deve ser posta à prova da contradição de forma exaustiva e sistemática, para que possamos conhecer melhor o POUCO que sabemos, baseados em nossos LIMITADOS sentidos e equipamentos disponíveis para se analisar a natureza.

Mas a ciência trabalha com aproximações. Estatísticas. Tendências. Sem contar o fato que tudo isso pode ser manipulado para servir a interesses econômicos, políticos e ideológicos, como absolutamente toda invenção humana. Por isso, nós só podemos conhecer nossas mentiras, não existe nenhuma verdade.

Isso não quer dizer que não podemos conhecer nossas mentiras e que isso pode ser MUITO ÚTIL. O problema todo está relacionado, no fim das contas, na utilidade da opinião. É óbvio que algumas opiniões são mais certeiras que outras, dependendo do assunto.

O ser humano não possui “conhecimento absoluto” sobre absolutamente NADA que existe. Usando o princípio da falseabilidade, para destruir essa minha teoria, bastaria me mostrar PELO MENOS uma coisa sobre a qual o ser humano tenha conhecimento ABSOLUTO. Mas não é possível saber TUDO sobre nada, mesmo por que nossas perguntas só podem ir até onde nossos sentidos nos permitem.

Você, como ser humano, possui uma visão um pouquinho mais desenvolvida que os outros mamíferos, mas comparado com um número absurdamente gigantesco de artrópodes, somos praticamente cegos. Abelhas são capazes de perceber desenhos extraordinários em flores que só podemos perceber usando equipamentos que identificam freqüências extremamente baixas. Morcegos possuem sistemas de orientação espacial sofisticadíssimos, invejados pelos maiores estudiosos de engenharia. Esses animais percebem o mundo de formas como só podemos imaginar, pois está muito além daquilo que nossos sentidos nos permitem. E isso sem considerar a possibilidade de vida fora da Terra, e duvido que você duvide que as possibilidades para a forma como estes seres experimentam a realidade serem inexplicáveis para a atual cognição humana.

4- A busca incansável por absolutos invioláveis

Durante toda a história da humanidade, os seres humanos têm procurado padrões infalíveis em suas observações da natureza, principalmente na intenção de procurar algum plano arquitetônico absoluto, registrado em tudo o que existe. Ou então para justificar nossas mais íntimas intenções de sermos sabedores de tudo que existe. De forma a separar o joio do trigo do conhecimento humano, a filosofia surgiu para tentar dar ao homem respostas mais satisfatórias para suas perguntas, de forma que este conhecimento pudesse ser útil

Mas todo cientista sabe que o conhecimento humano está sempre se reformando e novas formas de se analisar a realidade estão sempre sendo propostas. E é óbvio que milagres e mitos podem ser colocados à prova pelo crivo da ciência. As explicações que podemos desenvolver utilizando apenas nossas ferramentas sensíveis, entretanto, são completamente diferentes das originais, que foram criadas a partir do desenvolvimento de “postulados” que não devem ser questionados, para que a “verdade” possa fazer sentido.

Faz parte da natureza humana especular sobre as coisas que ele não conhece, mesmo por que, imaginar respostas para as coisas faz parte do processo que vai um dia levar à verdadeira resposta. Mas também faz parte da natureza humana aceitar essas respostas, ainda que incompletas ou sem evidências que as sustentem. Em alguns casos, são capazes de morrer por essas ideias formadas, sem nenhuma comprovação de que elas são, de fato, reais.

Da mesma forma que o espírito investigativo parece fazer parte da natureza humana, também parece existir uma tendência de que as pessoas continuem firmes acreditando nas mesmas coisas pelo resto de suas vidas.

5- Moralidade absoluta

As ideias que são colocadas nas mentes das pessoas durante os primeiros momentos de suas vidas são extremamente importantes para a formação do caráter das pessoas. Mesmo assim, no mundo moderno, é perfeitamente aceitável que alguém doutrine seus filhos na mais segregatória das atividades humanas. Ninguém vê com maus olhos o fato de que suas crianças serão submetidas a um processo de lavagem cerebral que acabará as tornando zumbis incapazes de questionar sobre as coisas, pois terão aprendido que o caminho para a salvação é a obediência, não a investigação. Este tipo de abuso não é só permitido, como é incentivado. Dinheiro público é gasto com este tipo de coisa. E ninguém percebe que este tipo de conduta causa muito mais mal para a sociedade que qualquer tipo de droga, ou de qualquer tipo de mal para o meio ambiente que as pessoas possam infligir. No oriente médio, gente com este tipo de mentalidade domina armamentos de destruição em massa. Por isso, em minha opinião, aceitar o fato de que livros antigos cheios de superstição são fontes de moral objetiva e absoluta é uma péssima ideia, quando se quer resolver conflitos de cunho moral, usando a razão e a honestidade intelectual.

6- Então, como podemos avaliar questões morais de forma objetiva?

Quando debatemos sobre algum assunto, nós avaliamos as razões uns dos outros. Pensamos, comparamos, criticamos, enfim, pensamos nas diversas formas de se resolver uma questão. Se suas razões são boas o suficiente para defender o que você defende, eu ficarei sem meios lógicos de discordar de você e não terei opções, a não ser acreditar no que você acredita. A razão é contagiosa e é possível reconhecê-la na discussão aberta e honesta de ideias. E é mostrando para as pessoas onde o raciocínio delas está errado que se muda o mundo, pouco a pouco.

O mundo encontra-se em guerra de dogmas incompatíveis: Cristãos X Muçulmanos X Judeus. Eu não vejo nenhuma razão para que sobrevivamos aos nossos conflitos religiosos indefinidamente e por isso eu acho que é extremamente importante este tipo de debate, principalmente onde ele ainda não é permitido. E justamente pelo fato da ideia de que “crenças devem ser respeitadas”, que estamos construindo uma sociedade baseada na ignorância. O número de evangélicos cresce no Brasil e com eles o número de pessoas que é a favor do ensino de criacionismo nas escolas ao invés de evolucionismo. Acreditar por exemplo, que o Deus Bíblico literalmente prometeu a terra de Israel ao judeus traz inúmeras consequências geopolíticas. Não é algo que podemos fechar os olhos e dizer “cada um que acredite naquilo que achar melhor”. Mostrar, através da razão, o que é coerente, independentemente das suas opiniões prévias a respeito do assunto.

Você poderia argumentar que o problema todo é educacional e não religioso. Mas grande parte das pessoas que se opõe à pesquisa com células tronco, por exemplo, são pessoas muito bem instruídas. Muitos fundamentalistas religiosos envolvidos em ataques terroristas são engenheiros ou arquitetos. É por causa desta visão medieval de que a alma entra no corpo a partir da concepção, que para eles é a fecundação, que um monte de células em uma placa de Petri merecem o mesmo tipo de preocupação moral que uma menina de seis anos com diabetes, ou um homem de 40 com Parkinson.

Os religiosos fundamentalistas, ao contrário da maioria dos moderados, REALMENTE leram as escrituras e interpretaram certo. Esses livros são, de fato, segregatórios e intolerantes, como defendem os fundamentalistas. Uma vez que alguém ache legítima a afirmação de que esses livros são mais importantes que quaisquer outros livros e representam o que há de melhor em termos morais para serem seguidos por uma nação, nós nos tornamos reféns de seus conteúdos.

Até a próxima!
Chico Mefisto.



Jadiel Fioravante

Depois de muito tempo estou aqui novamente em duelo e vou fazer possível para que as ideias fiquem claras tanto para meu oponente quanto para os leitores. Antes de iniciar quero esclarecer alguns pontos sobre o que penso e que foram levantados pelo Chico no primeiro parágrafo, como se fosse uma síntese daquele que acredito. Na verdade, aquilo que sabemos um sobre o outro está transparecido nos comentários ou no próprio debate de cada um, ou seja, nas ações que temos dentro do grupo e talvez essa limitação faça com que nós tiremos uma conclusão não totalmente certa a respeito de todos os conceitos que a pessoa acredita. Por exemplo, eu aceito a evolução biológica e não vejo que este processo seja contrário a existência de Deus, por isso sou deísta. Quanto as passagens bíblicas, principalmente o início de Gênesis que tratam da criação, eu me valho da interpretação poética do modo de criação, que é uma linguagem literária empregada na descrição de mitos de origem nos mais diversos povos. Bom, não vou me estender no assunto porque não é esse o nosso tema. Quanto ao ceticismo e a metafísica, deixarei para mostrar meu pensamento ao longo do debate e verás que não é bem isso o que você descreveu sobre o que penso a respeito.

O tema central do debate é a moral como conceito absoluto, sendo Moral um conjunto de regras que induzem o indivíduo a praticarem determinadas ações que são atribuídos valores como certo ou errado, bom ou mal, ético ou não, porém esse conjunto de regras não está limitada APENAS a moral absoluta, podendo incluir novas regras elaboradas pela dinâmica social, de acordo com o tempo e a cultura da sociedade. Então temos um conjunto que abrange Moral absoluta e Moral relativa. Explicarei abaixo melhor o que quero dizer.
O termo “Absoluto” é definido como algo fundamental independente de outro algo. Vem do latim e quer dizer “em si e por si”. Eu defendo a ideia de que o indivíduo nasce com um conjunto de regras de caráter moral, ou seja, regras inatas, e é neste sentido que emprego o termo absoluto. Uma moral absoluta que existe em si e por si, que não depende da educação, não depende do ambiente e não depende do meio social. Porém, a moralidade NÃO se limita apenas aos conceitos inatos, mas inclui os conceitos aprendidos, estes sim são relativos e fazem parte da Moralidade Relativa. Agora, quais são os conceitos inatos (absolutos) e quais os aprendidos? Responderei ao longo do debate.
Não podemos confundir durante o debate os conceitos de “absoluto” e “dogmatismo”. Embora um dogma seja absoluto, não quer dizer que algo absoluto seja um dogma. O dogma da Imaculada Conceição proclamado pelo Papa Pio IX em 1854 é absoluto por ser considerada uma verdade, está aí um exemplo de dogmatismo teológico. Agora um exemplo de algo absoluto mas que não é um dogma, nem teológico e muito menos pelo conceito kantiano de dogmatismo, a existência do sol. O sol existe, é algo absoluto, não quer dizer porque o dia está nublado que o sol não seja absoluto; que não exista. O sol não DEPENDE de um dia sem nuvens pesadas para existir. O simples fato da existência do sol em si é um conceito absoluto, porém não é um dogma nem teológico e nem kantiano, porque é um conceito sujeito a revisão e crítica. Então quando eu digo que a moral tem uma parte inata, algo absoluto, e que pode sim ser investigada pelo método científico, é justamente por não ser um dogma teológico e nem kantiano.
Você citou o exercício da dialética como análise das questões morais de forma objetiva. Pode ser que a dialética sirva para a criação das leis e regulamentos, ou seja, a moral objetiva, mas a dialética nunca irá contra a nossa própria natureza. É impossível acreditar por exemplo que de uma discussão racional e crítica, como você fala, possa surgir uma lei que permita o estupro, caso o número de mulheres seja superior ao números de homens, e que pela reprodução os homens podem procriar à força. Mesmo sendo um argumento LÓGICO E RACIONAL, isso vai contra o senso moral inato, princípio absoluto, moral subjetiva, que fundamenta a discussão dialética. Portanto, meu caro, os argumentos podem ser lógicos e racionais, mas não morais.

Os termos da filosofia sempre foram passados adiante com alguma mudança de significado dependendo do estilo da nova escola, na metafisica, o absoluto é confundido com a verdade, os metafísicos se baseavam em afirmações, enquanto que no pragmatismo, o termo se tornou algo que não pode ser refutado e são baseados na observação.

1- É possível ter respostas objetivas acerca de dilemas morais humanos?

O Chico confundi um pouco os conceitos e a minha introdução irá ajudá-lo. Primeiro, meu caro, a filosofia pragmática, no qual faz parte Popper, não descarta a existência de algo Absoluto, tanto os pragmáticos quanto os analíticos buscaram uma conceituação nova para o termo filosófico e passaram aceitar uma ideia de absoluto que fosse mais próximo da realidade cotidiana e fugir de qualquer caráter metafisico. O Absoluto no sentido pragmático seria algo que mesmo passando pela análise de refutabilidade ainda sim se mantém irrefutável. É um “objeto” que é passível de análise e crítica mas que se mostra absoluto não conseguindo refutar. Você está pensando o termo Absoluto como os metafísicos e quase esbarrando no dogmatismo teológico. Um dogma, como o citado da Imaculada Conceição, seria o caso de absoluto metafísico que importa apenas a afirmação e não a observação, e um assunto que nem chega perto da mente de um pragmático ou um analítico, como o Popper, por ser um “objeto” que não tem uma conclusão e nem se dá ao luxo da refutabilidade. Não tem como!

Então, o absoluto existe no pragmatismo DESDE QUE ele se mantenha irrefutável pela análise ou método de refutabilidade. Um exemplo de absoluto pragmático seria a partícula indivisível ou a famosa partícula de Deus, que os cientistas do CERN tanto procuram no acelerador. Desde os atomistas na Grécia, Demócrito e Leucipo, se procura o famoso “átomo” (do grego, indivisível), mas sabemos que não é o átomo a menor partícula, depois descobrimos os elétrons, prótons, nêutrons, quárks, neutrinos, hádrons, porém, a menor partícula, aquela que não pode mais ser dividida seria algo absoluto e mesmo que em um futuro distante, com um novo acelerador, essa partícula se manteria indivisível. Apesar de ser algo que pode ser refutado, a partícula indivisível continuará absoluta no seu conceito.

“...pois TODOS admitem que não se pode conhecer verdades irrefutáveis sobre a realidade,...”

A verdade científica é diferente da verdade filosófica. Uma verdade científica é aquela que não se altera pelo crivo da análise do método científico, pelo contrário é sempre confirmada. Por isso, a ação da amoxicilina contra bactérias é uma verdade científica e usada em remédios como confirmação de um fato ou verdade científica. Já a verdade filosófica é um mistério, algo constantemente perseguido e um conceito difícil de se afirmar. Então o absoluto pragmático é aquele que mesmo sendo objeto de refutação, se mantém irrefutável ao longo dos séculos.

É possível sim ter respostas objetivas para os dilemas morais humanos, caso contrário não existiram a ciência do Direito. As leis fazem parte da moral objetiva que regula a moral subjetiva que TODOS os seres humanos possuem. Os indivíduos já nascem com a repulsa de matar um semelhante, isto é o princípio, ou seja, não estou considerando a legítima defesa e nem matar por necessidade. O “não matarás” é inato e faz parte da nossa moral subjetiva, mas cabe a lei regular para que essa moral não se perca na subjetividade, a lei seria a moral objetiva. É ela (a lei) que regula o matar em legítima defesa e no caso de necessidade extrema, mas o princípio de não matar um indivíduo é absoluto a todos.

2- O que é fato e o que é mentira???

Na sua primeira pergunta, eu já mostrei que o conceito de absoluto também é aceito pelos pragmáticos, usando o método científico. E é com esse mesmo método que se confirma um fato e se aproxima da realidade. Existe uma diferença entre ser exato e ser preciso. A realidade científica é exata, próxima a realidade mas pode falhar na precisão, ou seja, o quanto consegue apreender e compreender a realidade. Um esquizofrênico vive sensações próprias, cria uma realidade própria que não são compartilhadas pelas demais pessoas.

Por isso, quanto mais um resultado ou uma conclusão se aproximar do racional e deixar de lado o sensorial, ela se mostra mais provável em ser a realidade. E conceitos morais inatos possuem essa característica, a repulsa por não matar e pelo incesto são partilhados por todos os seres humanos, e não uma imposição social. A consciência já condena o próprio ato como sendo algo MAU, como se fosse um instinto.

3- A ciência nos dá algum conhecimento “absoluto” a respeito da realidade?

Acho que já respondi. O termo absoluto passa a ser considerado algo de difícil refutação ou aquele que se mantém inalterado pela análise crítica a partir dos filósofos pragmaticistas. Ao contrário do que você disse, o conhecimento científico é seguro porque possui um método de verificação de todas as suas afirmações, e não porque “admite que a explicação da realidade seja relativa”, independe se é relativo ou absoluto, mas sim se é verificado, testado ou examinado.

3.1.“O ser humano não possui “conhecimento absoluto” sobre absolutamente NADA que existe.”

Aqui o termo absoluto está empregado na forma metafisica. Como se conhecimento absoluto fosse sinônimo de verdade inatingível.

3.2. “ Usando o princípio da falseabilidade, para destruir essa minha teoria, bastaria me mostrar PELO MENOS uma coisa sobre a qual o ser humano tenha conhecimento ABSOLUTO.”

Parece simples, é assim mesmo para explicar o conceito. Já citei o fato da existência do sol ser algo absoluto e a partícula indivisível, mas parece que você está falando em conhecimento absoluto no sentido de se conhecer tudo até mesmo de conhecimento de tudo que envolva apenas um tema. Eu já falo não de uma sabedoria de tudo sobre todas as coisas, mas de algo que seja um princípio, como a partícula indivisível que seria o princípio da matéria, a partícula absoluta que não depende de nenhuma outra partícula para se formar.

3.3. “ Mas não é possível saber TUDO sobre nada, mesmo por que nossas perguntas só podem ir até onde nossos sentidos nos permitem.”

Corrigindo sua frase: nossas perguntas só podem ir até onde nossos PENSAMENTOS nos permitem.

Sobre o fato das limitações humanas em comparação com alguns sistemas de outros animais, somos compensados pela inteligência, podemos chegar ao conceito de partícula absoluta através de equipamentos como o acelerador, graças a nossa inteligência e isso não é demérito nenhum, pelo contrário.

5.Moralidade Absoluta

Quando falo sobre a parte inata, ou absoluta, da moral, não digo que a fonte seja de “livros antigos cheios de superstição”, mas da observação científica. Falei sobre a moral subjetiva e a objetiva, e não descarto a ideia de que estes livros, preconceituosamente chamados de supersticiosos, tenham o caráter de regular a moral, como fazem as leis no Direito. Os dez mandamentos bíblicos seriam a moral objetiva para o povo judeu no deserto, por exemplo.

Para afirmar minha ideia, citarei o trabalho do antropólogo Claude Lévi-Strauss, um dos pesquisadores na área de humanas que mais admiro, o trabalho dele consistiu em observar a cultura de povos afastados da civilização, como os aborígenes e os povos ameríndios e estudar as relações culturais das tribos. Bom, ele notou que as culturas desses povos separados por continentes e desprovidos de desenvolvimento científico apresentavam “estruturas” semelhantes, como os tabus por exemplo.

Os povos proibiam o incesto, criando uma cultura e leis que condenassem tal prática. Os laços de parentesco eram respeitados e definidos em todos os povos. O Estruturalismo, como ficou conhecido, ganhou força na antropologia com a ideia de que existem estruturas já prontas na mente humana a partir do qual favorecem uma cultura que reforça esses conceitos inatos. O incesto passa a ser considerado algo mau pelos povos. O caso do estupro também é algo como tabu ou proibição pelos povos. Na maioria dos casos que se compromete o sexo e a perpetuação da espécie tende a ser um assunto tabu, como se a mente já estivesse moldada para garantir uma reprodução mais sujeita ao sucesso de transmitir os seus genes. Esses conceitos são vistos como parte da moral absoluta, sujeita a análise crítica mas de difícil refutação.

Outro pesquisador que estudou sobre valores inatos e absolutos no ser humano foi o psicanalista Carl Jung que criou a imagem dos arquétipos universais, conceitos que povoam a mente de toda a humanidade; é um arcabouço inato que confere ao ser humano representar conceitos de figuras universais, como o herói, o salvador, a mãe, personagens que habitam o inconsciente coletivo. Essas figuras absolutas independem para existir.

1- Então, como podemos avaliar questões morais de forma objetiva?

Bom, até aqui espero ter ficado claro que o ser humano possui certos atributos inatos que lhe confere moralidade. Existe uma consciência moral que avisa ao homem, de maneira inteiramente pessoal e forçosamente perceptível, o que ele deve fazer ou omitir, que emite seu juízo antes da ação como voz avisadora, proibitória, cheia de preceitos ou permissória, e como força incentivadora ou condenatória (remorso), uma vez cumprida a ação. Uma evidência impressionante do poder da consciência é o arrependimento moral , pelo qual o homem detesta, com pesar, sua má ação, e que não raro o faz confessar externamente sua culpa. A forma de avaliação objetividade da conduta de certo e errado é feita segundo as leis do Direito, que tendem a respeitar a moral subjetiva. E o Direito respeita a Natureza do ser humano. Nunca houve por exemplo uma lei que permitisse o casamento consangüíneo e embora não aja lei condenando, a reprovação vem da própria sociedade.

Esses valores absolutos intrínsecos à mente humana, que fazem surgir estruturas idênticas em culturas distantes, como observados por C. Lévi-Strauss, ou que a humanidade crie as mesmas figuras-símbolos como os arquétipos de Jung, foram moldados através do processo evolutivo ao longo de milhões de anos. É como se fosse nosso instinto. São princípios fundamentais que estão dentro de nós e que de certa forma nos guiam.

Como sou Deísta e evolucionista, acredito que Deus tenha se utilizado do processo evolutivo para nos formar como seres morais e sociais, por isso essa universalidade de conceitos que independem da cultura que foi vivida ou da época, mas isso, deixando claro, é uma convicção pessoal. Por exemplo, quando Deus colocou nas tábuas dos 10 mandamentos o NÃO MATARÁS, Ele estaria colocando ordem na moral subjetiva, é como as leis modernas que regulam alguns de nossos comportamentos, e realmente os 10 mandamentos são um dos primeiros códigos de conduta, junto com o código de Hamurabi.

Termino minha primeira participação.



Chico Sofista
Saudações, Jadiel.

Desculpe-me se não respondi imediatamente, mas como eu te disse, tive vários problemas e, além disso, você colocou o debate de uma forma totalmente diferente e tive um pouco de dificuldade para tentar destravá-lo.

1- O QUE SIGNIFICA O TERMO “ABSOLUTO”?

Segundo sua própria definição, “Absoluto” é definido como algo fundamental independente de outro algo. Vem do latim e quer dizer “em si e por si”. Ora, para ser independente de outro algo não pode ser algo que foi sujeito de transformação. Para que algo se transforme, precisa ser dependente de sua antiga forma. LOGO, nada que é produto de transformação pode ser absoluto. Pelo menos não pela própria definição da palavra que você usou. Mas foi isso que você fez durante toda a sua introdução.

O uso deste termo por religiosos dogmáticos não está errado, por que eles acreditam que os valores morais vêm de algo que transcende o homem e não pode ser mudados, são por isso IMUTÁVEIS sendo portanto, ABSOLUTOS. Não se pode dizer que algo é mutável e absoluto simplesmente por que isso não faz absolutamente nenhum sentido lógico. Nenhum filósofo da ciência jamais usaria esse termo com essa conotação e foi por isso que fiquei muitíssimo intrigado com a sua afirmação que Popper teria pensado desse jeito, o que eu tenho certeza que ele jamais faria. Por isso, essa sua tentativa de desvincular verdades absolutas de dogmas, me pareceu algo fadado á frustração, pelo simples fato de que você não pode usar o termo absoluto para se referir a algo mutável, e portanto, relativo.

A maioria das pessoas prefere se contentar com as respostas mais convenientes, por não admitir viver sem respostas, sejam elas quais forem. Aquilo que você acredita define aquilo que você é. Guia todas as suas ações. E quando as pessoas preferem acreditar em coisas que não são reais em detrimento àquelas que são, estão vivendo uma ilusão em massa que pode ter resultados extremamente nefastos para a raça humana.

A ciência busca objetividade para suas análises, considerando que qualquer que seja a resposta que ela encontre (pode vigorar até mesmo por décadas), não é absoluta, JUSTAMENTE por que é passível de verificação, como eu já havia dito em minha introdução. Mas se você postar algum texto do Popper dizendo que a ciência revela verdades absolutas, eu desisto do debate na hora, pois isso vai contra absolutamente tudo o que eu sei sobre filosofia da ciência. Fica aberto o desafio.

Certeza absoluta é uma droga que controla a vida das pessoas, mais que qualquer outro vício. Ela toma o lugar na mente que antes estaria ocupado pelo senso crítico e leva as pessoas a contaminarem o mundo com seus princípios invioláveis. Isso é totalmente contrário à filosofia e apenas quem vive sua vida pautada em ideologias corre o risco de adquirir esse vício. Mas existe alguma coisa fundamental na qual podemos basear nossa objetividade, a fim de tomarmos boas decisões em problemas envolvendo moralidade?

Eu acredito que sim. E acredito também que esses princípios não podem ser absolutos se o que se almeja são bons fundamentos de moralidade. Para ser racional, ela precisa estar sempre aberta ao debate e a transformações e se é aberta a transformações, não é absoluta. Mas para evitar essas intransponíveis barreiras linguísticas que parecem ter se formado em nossas formas de pensar, devido ao significado que demos a algumas palavras, vou tentar contorná-los usando outros termos. Espero que ao fazer isso, deixe mais claro os pontos principais que estou tentando discutir e também saber mais a respeito de sua opinião a respeito deles.

2- COMO ANALISAR QUESTÕES MORAIS DE FORMA OBJETIVA?

Diz-se que um relativista é aquele que acredita que não existem respostas objetivas para questões de moralidade. Entretanto, tal definição cria em si mesma um paradoxo absurdo. Afirmar que não existem respostas objetivas, em si, é um critério, o que não faz sentido se você não acredita em critérios.

Sócrates dizia que deveria existir uma forma de se chegar a conclusões mais concretas sobre assuntos envolvendo moralidade que independessem das opiniões dos envolvidos, mas apenas da análise lógica e racional dos fatos. O objetivo dos diálogos Socráticos era tentar chegar à verdade sobre algum assunto (dialética). Embora muita gente seja incapaz de mudar de ideia, a forma como a conversa é conduzida pode mostrar a lógica de várias possíveis argumentações, fazendo com que as pessoas reflitam melhor sobre suas próprias convicções iniciais. O que Sócrates estava tentando dizer é que deve existir uma forma imparcial de se analisar questões morais e que não dependem apenas das opiniões das partes envolvidas. Mas ao invés de dizer que existem seres invisíveis nos ditando o que é certo ou errado, Sócrates disse que a partir da lógica e da razão, é possível chegar a conclusões racionais e imparciais sobre esses assuntos.

Com o início das grandes navegações, o ser humano começou a perceber que indivíduos que viveram suas vidas em outra parte do mundo, com valores totalmente diferentes podiam ser tão ou mais lógicos e inteligentes que seus conterrâneos. Será que existe um jeito de se avaliar questões morais de forma que existam soluções para todos os envolvidos, quaisquer que sejam suas culturas?

Uma análise global mostra que a religião não pode ser a única resposta. Mesmo as autoridades religiosas mudam muito ao longo do tempo suas formas de responder a questões morais, o que mostra que mesmo quem acredita em princípios morais absolutos e transcendentais, tende a mudar seus critérios ao longo do tempo e do lugar analisado. A grande igreja, mãe de todos e detentora de todas as respostas perdeu quase todo seu imenso poder quando o homem descobriu que o método que ela utiliza não é adequado para se responder questões do mundo natural.

Mas se você acredita que somos frutos da seleção natural, então admite que a própria natureza é capaz de se transformar e fazer o que não havia antes começar a existir, fruto de combinações dos átomos que respeitam as leis do sistema da realidade onde estão inseridos. Se você disser que isso (e só isso) é Deus, então eu tenho que dizer que acreditamos na mesma coisa e apenas damos nomes diferentes a elas. Se isto é algo que você considera absoluto, a realidade em si, não apenas aquilo que experimentamos, eu vou dizer que acho que isso existe, assim como sei que não é possível de se conhecer aquilo que está além da nossa própria percepção, então tudo o que é racional mas não pode ser experimentado pertence ao incognoscível, ou seja, faz parte daquilo que podemos apenas supor sobre as coisas, já que por definição, não podem ser conhecidas.

O que vai acontecer com a sua consciência após a sua morte é um exemplo bem prático de verdade incognoscível. Você pode me dar inúmeras soluções extremamente lógicas para o problema, mas nada do que você disser poderá ser experimentado, então será apenas suposição. Em um terreno como este, é muito comum acreditar que qualquer opinião tem o mesmo valor. Se ninguém pode conhecer a resposta, tanto faz a suposição que você faça, assim como as outras, ninguém conhecerá a resposta para poder te provar se você estava ou não errado.

3- O QUE É “MORAL” E O QUE É “IMORAL”?

O estímulo à capacidade apurada de fazer perguntas do ser humano é uma atividade extremamente recente na cultura humana. Para manter-se, vai ter que competir com outras ideias muitas vezes antagônicas e também muito difundidas e rapidamente assimiladas, como as que existem nos slogans políticos e religiosos. A ideia de que obedecer sem fazer questões é uma virtude é extensamente difundida nos textos bíblicos, assim como a ideia de pobreza e tolerância a maus tratos de superiores. Daí a César o que é de César! Assuma passivamente a invasão de sua nação. Ao longo dos anos, este tipo de ideia ajudou a sustentar os pilares políticos da nossa civilização, onde a moral do servo, ignorante e obediente, tinha que ser vista como virtude pelo mesmo, para o bem da estrutura social vigente.

Mas toda opinião humana é resultado subjetivo de reflexão individual, e mesmo assim, é possível de se reconhecer quando uma opinião é baseada em evidências concretas ou em crenças ingênuas em fenômenos sobrenaturais, dos quais não se tem evidência da existência. Para mim, algo que parece sempre funcionar é me perguntar se a pessoa está dizendo o que é realmente possível saber ou se está apenas fingindo conhecer alguma coisa que é impossível de se conhecer. Todas as ideias geradas pelos seres humanos estão em constante guerra para permanecerem existindo e algumas são mais úteis ou se reproduzem mais rapidamente e por isso acabam se tornando mais marcantes. Outras acabam sendo ultrapassadas e acabam sendo deletadas pela história, não sem antes ficar por um bom tempo beliscando e torturando a memória da civilização.

Se você acha que a Bíblia é fonte de literatura e não corresponde a uma visão literal da realidade, então deve concordar que nada imutável pode surgir de um livro sujeito a tantas interpretações diferentes sobre os mesmos assuntos. Alguns séculos atrás a ideia de que alguém poderia ser dono de outra pessoa era plenamente aceita como legítima e não existe nenhum mandamento condenando a escravidão ou maus tratos com as mulheres. Será que Deus nunca pensou que talvez fosse importante dizer isso? Mesmo depois da abolição dos escravos, muita gente teve que lutar e morrer para mudar a ideia de que negros são inferiores a brancos. Foi necessário criminalizar o racismo para que os efeitos nefastos deste tipo de ideia na sociedade pudessem diminuir, ao ponto que existe hoje. E mesmo sendo crime, a ideia da inferioridade do negro está implantada no subconsciente de muita gente, mesmo a biologia tendo mostrado o contrário, repetidas vezes. Será que se existisse algum trecho na Bíblia condenando especificamente essas coisas, não teria ajudado?

Quando é que as pessoas serão capazes de perceber a imensa contradição que existe em se aceitar a ideia de que somos criaturas de um ser que se apresentava como vingativo e cruel e, de repente, faz o sacrifício de seu próprio filho em forma humana, como forma de mostrar que esta representação foi um favor para a humanidade (?). Qual é o sentido de se acreditar que Jesus morreu por meus pecados se eu não tinha sequer nascido? Ainda assim, a ideia de que somos culpados pela morte do filho do altíssimo é amplamente difundida entre as pessoas. Se todas as pessoas de fé achassem que a religião é uma criação humana, e como tal, passível de erros, eu acho que não haveria problemas em se inspirar apenas no que é bom das religiões. Mas é JUSTAMENTE pelo fato dessa ideia ter sido tão exageradamente negligenciada, que acho que este é um dos assuntos mais importantes para se discutir em um debate sobre ideias que podem ser boas para a sociedade. Colocando o debate nestes termos, acho que vai ficar mais fácil de falarmos a mesma língua. Até a próxima!

Chico Mefisto.




Saudações Chico. Bom, primeiro não aceito você jogar a culpa em mim quando fala que “eu coloquei o debate de uma forma totalmente diferente”, minha proposta sempre foi discutir a moralidade como algo intrínseco ao ser humano, um valor absoluto, talvez a dificuldade partiu de dois motivos, primeiro a minha falta de clareza para explicar melhor a proposta, fiz isso pensando em não adiantar meus argumentos e segundo, a sua ideia sobre mim como algum crente fanático que sempre diz que quem está errado e distorce a realidade são os outros, ou seja, aqueles que tem “mente aberta”. Porém, independente do desenvolvimento do tema ter-lhe surpreendido, a capacidade argumentativa deveria se sobressair frente ao inesperado.

1- O QUE SIGNIFICA O TERMO “ABSOLUTO”?

Os valores morais inatos do ser humano são consequências do longo processo evolutivo da nossa espécie. Os racionalistas acreditavam que a moral era algo imposto pelo meio social, o homem nasceria livre de conceitos, a sua mente seria como uma “tábula rasa”, uma folha de papel em branco (John Locke;empirismo e o behaviorismo clássico) e os dogmas religiosos sobre pecado e moral seriam apenas criações humanas castradoras (Sigmund Freud), porém em base de observações e estudos de grupos culturais como os feitos por C. Lévi-Strauss e o surgimento de um ramo da psicologia que estuda o comportamento humano dentro da evolução, chamada de psicologia evolutiva, notou-se que conceitos de ordem moral estão presentes em todos os humanos desde o nascimento. Esses conceitos morais são dados como absolutos porque justamente NÃO sofrem transformações sociais, mas agem como princípios para os sistemas humanos, como no caso da repulsa ao incesto = valor moral inato absoluto, que serviu de fundamento para alicerçar toda a cultura das tribos aborígenes e ameríndios, observadas por Lévi-Strauss, o conceito moral inato absoluto de bem e mal, essa dicotomia, não sofreu transformações na sociedade, porém age como princípios para criação de arquétipos universais, como a figura-símbolo, do inimigo e do herói, estudadas pela psicanálise de Jung. Os valores morais inatos são produtos da evolução, são intrínsecos ao ser humano por está em nosso DNA, e para serem mudados precisaria do tempo evolutivo que é da ordem de milhões de anos e sofrer pressão evolutiva, o mesmo tempo que precisou para fazer parte da nossa natureza. Mesmo que uma cultura imponha alguma regra que seja contra esses princípios natos, o ser humano estaria apenas reprimindo a sua natureza e o resultado seria conflito e abandono.

A discussão NÃO é semântica, o termo absoluto tomado em sua raiz do latim, em si e por si, já resolve essa problemática sobre o uso do termo. Os filósofos pragmaticistas, como o Popper por exemplo, empregam o termo absoluto em seus artigos, quando falam por exemplo, dos estudos dos gases em volume e pressão [absoluta], no estudo da termologia, quando tratam a questão da temperatura [absoluta] ou no estudo da relatividade, quando tratam da velocidade da luz no vácuo como a velocidade limite do universo [absoluta], veja meu caro, que não é o valor de 300.000 km/s o “objeto” absoluto, mas sim a “velocidade” da luz. Enfim, esses exemplos foram para sepultar de uma vez por todas a questão da terminologia, estou indo na raiz latina do termo, sem me alongar nos inúmeros conceitos que este termo teve ao longo da filosofia. Enquanto os filósofos dogmáticos conceituavam absoluto como a verdade imutável apenas pela afirmação, os filósofos pragmaticistas empregam o termo absoluto como algo “em si e por si”, são bem práticos no sentido de APESAR da verificação empírica o “objeto” se mostra constante, como as características dos gases, da temperatura, da velocidade da luz no vácuo, da partícula elementar do átomo,...

Por favor, não vamos ficar discutindo o termo e esquecer do tema que é MORALIDADE RELATIVA. Eu já disse na minha longa Consideração Inicial que verdade científica é diferente de verdade filosófica ou teológica. Uma verdade teológica, como o exemplo citado da Imaculada Conceição é absoluta, ou seja, existe por si e por si (ok!), mas NÃO é passível de verificação experimental, justamente porque para os dogmáticos sejam eles teológicos ou filosóficos, o que importa é a afirmação e não a experimentação. Agora, para os filósofos pragmaticistas, ou pragmáticos, ou analíticos, a verdade científica deve ser amparada pela experimentação e seguir o método científico, e enquanto se mantiver constante e ir se confirmando, aquele conceito se manterá absoluto. Enquanto a velocidade da luz no vácuo for o limite das velocidades no Universo, ela é um conceito absoluto para a ciência. O valor da velocidade pode até sofrer mudanças, seja ela 300 mil ou 301 mil, ou 400 mil, mas ainda sim será a velocidade da luz a velocidade absoluta do Universo.

“Mas existe alguma coisa fundamental na qual podemos basear nossa objetividade, a fim de tomarmos boas decisões em problemas envolvendo moralidade?

“Eu acredito que sim. E acredito também que esses princípios não podem ser absolutos se o que se almeja são bons fundamentos de moralidade. Para ser racional, ela precisa estar sempre aberta ao debate e a transformações e se é aberta a transformações, não é absoluta.”

Aqui, Chico, concordamos em partes e tentarei explorar porque, agora sim , entramos no tema Moralidade.
Concordamos no sentido de que existe uma forma FUNDAMENTAL para basearmos nossa objetividade na moral, porém discordamos quando você diz que esses “princípios” ou “fundamentos” não podem ser absolutos. Como já mostrei, alguns valores morais já nascem com o ser humano, como o valor moral de preservar a vida de um semelhante, ou a condenação de não se reproduzir com pares consangüíneos, ou o repúdio natural do estupro, que é condenado em todas as sociedades tribais ou civilizadas. Essa moral inata, fundamenta alguns princípios absolutos, o Direito apenas regulamenta esses princípios. Nossa natureza representa a moral subjetiva enquanto o Direito a moral objetiva. Portanto, é nossa própria Natureza, nosso DNA, e não as religiões ou qualquer lei humana que objetiva as questões morais (algumas), elas apenas regulamentam. Já nascemos com valores morais, é isso que quero provar NESTE debate. Valores absolutos que servem de princípios.

2- COMO ANALISAR QUESTÕES MORAIS DE FORMA OBJETIVA?

Os valores morais inscritos em nosso DNA são produtos do processo evolutivo. A Igreja e o Direito apenas regulamentam essa nossa moral subjetiva criando LEIS. Porém, eu não sou panteísta, ou seja, eu NÃO acredito que Deus seja a natureza, mas isso é uma convicção pessoal que NÃO está em debate. Para mim DEUS usou o processo evolutivo para criar o ser humano, mas repito É UMA CONVICÇÃO PESSOAL que NÃO está no debate. Só falei isso para deixar claro a minha posição e isso foi questionado pelo meu oponente, então nós Não pensamos do mesmo modo.

A bíblia ou a Igreja, apenas regulamentam a moral que está em nosso DNA. Quando falei sobre as regras dos 10 mandamentos como um código de leis, uma das mais antigas, assim como o Código de Hamurabi, foi para ressaltar que as leis apenas codificam o que já é inato. O mandamento de não matar se encaixa com o princípio moral inato ao ser humano em não querer matar um da mesma espécie, salvo em situações de legítima defesa ou fato extremo, e mesmo quando acontece sentimos remorso ou até mesmo culpa. Você poderia questionar, e acho que foi o que você quis dizer, por que então Deus não colocou um 11° mandamento para não escravizar? Como falei, as leis seriam o regulamento e no caso da escravidão era um ato praticado por todos os povos guerreiros da época, e diferente da forma que se tomou na modernidade, quem eram escravos eram os guerreiros inimigos, independente da cor de sua pele. A escravidão para o soldado inimigo era visto até como um ato de clemência porque poupava a vida da pessoa. O repúdio a escravidão de qualquer forma, seja pela raça ou como punição da nação vencedora de uma guerra, veio com o desenvolvimento e considerações sobre os direitos humanos e isso corrobora para o que eu falei nas minhas considerações iniciais de que a moralidade possui uma parte inata [absoluta] e uma parte relativa, que surge e muda de acordo com a época. Antigamente, a escravidão não era algo imoral, mas totalmente aceita, mas o estupro e o incesto SEMPRE foram tabus e condenados por qualquer sociedade e em qualquer tempo. Essa é a diferença da moral absoluta e da relativa.

Vou ilustrar um pouco meus argumentos com este experimento no mínimo interessante com cerca de 50 bebês de apenas 15 MESES de idade na Universidade de Washington, em Seattle, que mostrou que os pequenos ficam "chocados" quando presenciam uma divisão desigual de guloseimas revelando ter um senso rudimentar de justiça. Esse experimento se junta a uma série de trabalhos recentes que indicam a existência de um instinto moral aguçado nos filhotes da nossa espécie. Aliás, o estudo atual é o que revela evidências de comportamento "ético" mais cedo no desenvolvimento humano, os trabalhos anteriores só tinham demonstrado isso em meninos e meninas de dois anos de idade.

“Sempre no colo de um dos pais, para ficarem relaxados, os bebês primeiro assistiam a vídeos que mostravam a divisão igualitária ou desigual de comida (biscoitos ou leite) entre dois adultos. Como os talentos linguísticos das crianças dessa idade ainda são limitados, os psicólogos usavam algo mais simples para saber o que os bebês tinham achado dos vídeos: o tempo que eles gastavam olhando para a tela. Trata-se de uma ferramenta já estabelecida em outros estudos do tipo. Em geral, quanto mais uma situação surpreende os bebês, mais tempo eles ficam olhando para a cena. E, nesse caso, em média, a cena em que a divisão é desigual surpreendeu bem mais os pequenos. Depois, os mesmos bebês podiam escolher entre dois brinquedos, ambos ofertados por um pesquisador que eles já conheciam. O cientista esperava a criança escolher seu brinquedo favorito e, depois, deixava os dois com ela.

Entrava então em cena um outro pesquisador, que a criança ainda não tinha visto. O sujeito perguntava: "Posso pegar um [dos brinquedos]?". A maioria dos bebês dava um dos brinquedos para a pessoa, e um terço deles emprestava até o brinquedo considerado o preferido. Aliás, havia uma correlação: as crianças mais "chocadas" com a divisão injusta do leite ou dos biscoitos eram justamente as que tinham mais tendência a compartilhar seus brinquedos com os estranhos, sugerindo que tendências parecidas explicam os comportamentos.(Publicada na revista científica de acesso livre "PLoS One", autores da pesquisa psicólogos Marco Schmidt e Jessica Sommerville). Retirado de: Folha de São Paulo [Reinaldo J Lopes, 11 out 11]



Chico Sofista

Jadiel, eu não achava que você fosse um crente fanático, mas quando você disse que acreditava em Moralidade Absoluta, eu achei que você pensasse diferente. Eu posso estar enganado, e se estiver, gostaria que me refutasse em sua resposta. Lendo o que você escreveu até agora, o que fui capaz de concluir, dentro de minhas próprias limitações cognitivas, é a tese que irei defender nesta minha tréplica:

TESE: OU O JADIEL NÃO SABE O QUE É MORALIDADE ABSOLUTA OU ELE É UM RELATIVISTA HEREGE.

1- MORALIDADE ABSOLUTA

Nesta tréplica tentarei mostrar por que acredito que ou você não entendeu por que o conceito de absoluto não pode ser utilizado na definição de moralidade que você está usando, ou você é um relativista e até mesmo um herege, no ponto de vista da moral absoluta da igreja católica.

Também tentarei mostrar por que é que os exemplos que você usou não podem ser empregados para defender a ideia de moralidade absoluta e esperarei ansioso pela sua resposta.

Corrija-me se eu estiver errado, mas pelo que entendi, a sua tese é a de que a moral inata, que é fruto da seleção natural, um processo guiado por Deus, é fonte de moral absoluta.

Em outras palavras, estaria escrito em nossos genes o que é “ser bom” ou “ser mal” e cada um seria capaz de sentir esses preceitos universais, que por coincidência ou plano divino, concordariam exatamente com o que diz a igreja a respeito desses assuntos. E você sustenta isso dando os exemplos do assassinato, do estupro e do incesto, em sua réplica.

Hipótese 1: O Jadiel não entendeu que, se a moralidade inata é fruto da seleção natural, é objeto E sujeito de transformação e EXATAMENTE POR ISSO, não pode ser ABSOLUTA, pelos critérios que ele mesmo definiu a palavra. Sendo assim, para quem acredita em Moral Absoluta, o Jadiel é um relativista, por que acredita que a moralidade humana inata é absoluta. Só que ele mesmo sabe que a moralidade humana pode se transformar pelo processo de seleção natural, então, se é mutável, não pode ser absoluta.

Hipótese 2: Ao dizer que a moralidade absoluta é inerente ao indivíduo, Jadiel afirma que o ser humano não precisa de religião como fonte de moralidade, uma vez que já possui esses preceitos de forma inata, o que é uma visão considerada herege por muitos religiosos.

Dizer que a temperatura ou a velocidade possuem valores absolutos é uma coisa, dizer que a moralidade é absoluta é outra. Por isso, reafirmo e amplio aqui aquele desafio que fiz na réplica. Se você me mostrar qualquer coisa escrita ou por Popper, ou por Jung ou por Lévi-Strauss que diga que qualquer um deles acreditava em moralidade absoluta, ou qualquer texto que suporte essa sua ideia de que os “pragmaticistas” apoiavam a ideia de moralidade absoluta, até eu mesmo voto pra você neste duelo.

Mas como você é biólogo e gosta de psicologia evolucionista, que é um tema que eu gosto muito também, deve saber que cooperativismo é um comportamento amplamente desenvolvidos em outros animais, sendo que existem vários estudos com resultados bem concretos nesta área (http://www.youtube.com/watch?v=GcJxRqTs5nk). Isso mostra que é verdade o que você diz, existem aspectos inatos de moralidade que são transmitidos entre as gerações e que estão presentes em vários animais, incluindo humanos.

Em humanos, entretanto, a seleção darwiniana vai muito mais longe. “O gene Egoísta”, Richard Dawkins fala a respeito de sua teoria dos Memes, que nada mais é do que a aplicação da seleção natural para as ideias que são difundidas pela cultura humana. Da mesma forma que nossos genes precisam competir entre si e com as limitações do meio para permanecerem existindo por mais tempo, da mesma forma as ideias humanas competem entre si.

As transformações a que está sujeita a cultura humana ocorrem pelo mesmo processo lógico que atua sobre a seleção de seres vivos. Sendo assim, é natural supor que o que sabemos de moralidade hoje é diferente do que sabia nossos ancestrais nômades e provavelmente vai ser bem diferente do que saberão nossos descendentes.

2- MORALIDADE INATA

Se a moralidade DEPENDE da espécie em que se manifesta, assim como da etapa de transformação cultural em que se manifesta, só pode ser relativa, não pode ser absoluta. Se é absoluta não DEPENDE de mais nada, é “em si, por si só”, como você mesmo definiu.

Além disso, considerar que a moralidade inata é fonte de moral absoluta vai contra os principais preceitos da igreja católica, a instituição que você diz seguir, mesmo se dizendo Deísta. Eu acredito que o Raoni Cozzi, o João Cirilo e o Big John, que são cristãos e acreditam em valores absolutos de moralidade vão concordar comigo que, se não fosse a religião, o homem estaria perdido por confiar apenas nos princípios inatos de moralidade, por que, ao contrário do que meu oponente parece acreditar, o ser humano não é naturalmente bom e é corrompido pela sociedade. Essa ideia do Rosseau, de que os bons valores de moralidade estariam ligados ao “bom selvagem” (sem influência da cultura) foi extensivamente refutada por vários filósofos ao longo da história da filosofia, mas para expor essa contradição de uma forma bem simples, basta nos lembrarmos dos nossos amigos na época do colégio.

Será que o Patrick, o Octávio e o Lucas, que foram vítimas de Bullying irão concordar com a ideia de que crianças são seres morais que são corrompidos pela sociedade? Ou será que a sociedade destina-se a civilizar as pessoas e impedir que elas façam barbaridades umas com as outras? Como o Roger e o Big John também discutiram o tema “Maldade” recentemente, acredito que muita gente está fazendo essas reflexões. Será que a “maldade”, assim como a “bondade” não são transmitidos geneticamente pelos mesmos processos de seleção a que são submetidos todos os comportamentos, Jadiel? Se a “boa moralidade” ou a “absoluta” como você quer chamar é inata e a “má” ou “relativa” é fruto do meio, então como é que você explica que na maioria das vezes temos que ser ensinados a ser “bons” para que não saiamos prejudicando os próximos para saciar nossos desejos egoístas?

Eu acredito que até os teístas do grupo perceberam esta sua contradição e espero que você possa responder essas questões em sua tréplica.

Discordando frontalmente com o ponto de vista do Jadiel, Tomas Hobbes dizia que “O Homem é o lobo do homem”, ou seja, o homem é responsável pela sua própria corrupção. Já para quem, ao contrário do Jadiel, não acha que a Bíblia é apenas fonte de Literatura, o seres humanos são condenados por um pecado capital, que é resultado da desobediência à vontade divina. Por não termos obedecido a Deus perdemos a imortalidade e nos tornamos maliciosos e corruptos. O Deus do Velho Testamento é um Deus para o qual eram feitos sacrifícios de animais e o Cristianismo é uma religião que celebra como efetivo o sacrifício de uma única pessoa, o próprio filho de Deus, no qual temos que nos batizar, sobre a ritualística da santíssima igreja católica, para poder conhecer a salvação. O sacrifício é um símbolo de uma dívida que possuímos para com o plano divino. Serve para constantemente nos lembrar que não devemos agir como bem entendermos, mas sim seguir os princípios do altíssimo, que manifesta sua verdade absoluta revelada nas escrituras.

Todas as religiões se fundamentam no fato de que o ser humano precisa de uma régua moral em sua vida e de que se dependesse apenas de sua moralidade inata, estaria sujeito à imoralidade. E é exatamente por se colocarem arbitrariamente na posição de juízes morais das pessoas que as religiões exercem tanto impacto sobre a cultura, a ponto de William Lane Craig defender que a mera necessidade de um código moral absoluto para a humanidade já é prova de que a moralidade absoluta existe, e dessa forma, Deus que é a fonte da mesma, também tem que existir.


3- MORALIDADE CRISTÃ

Eu sei que você está tentando evitar discutir religião neste duelo, mas perceba que é algo inevitável quando se discute a diferença entre moralidade relativa e moralidade absoluta, do contrário, alguém pode acabar chegando a conclusões como as suas, que a ciência revela verdades absolutas quando demonstra que valores morais inatos são fundamentos imutáveis, enquanto que a sociedade é que é fonte valores mutáveis.

Se um casal de irmãos se conhece e não sabe que são irmãos e se casam, isso é imoral? Por que é imoral? Por que é um princípio inato a ideia que eles podem ter filhos deformados? Mas e se eles forem estéreis? Então talvez seja por que as pessoas acham que isso é imoral. Mas e se ninguém souber? Aí você, assim como o Raoni, vai dizer que a Bíblia condena isso, mas é mentira! Onde é que isso está escrito na Bíblia? Ao contrário, a Bíblia nos deixa um enorme quebra-cabeça moral quando conta a história dos primeiros seres humanos no planeta, sendo que só havia Adão e Eva. Como é que os filhos deles fariam se o incesto era imoral? Ah, mas eles tem a desculpa da inevitabilidade, já que possuem a exaustiva missão de povoar o planeta, não é? Então qual a desculpa de Abraão? Você sabia que a tribo de Israel é fruto do matrimônio dele com Sarah, sua irmã, não sabe?

Se você considerar a vida a que são submetidas as mulheres que são obrigadas a casar por motivos culturais vai ver que o que acontece com elas não é muito diferente de estupro. Durante a maior parte da história as mulheres foram obrigadas a casar sem poder escolher e em vários casos o sexo era uma imposição do marido. Além disso, o estupro é recorrente entre primatas e vários biólogos evolucionistas teorizam que o fato do macho ser maior que a fêmea é uma ferramenta para facilitar o coito, e desta forma garantir a procriação mesmo quando a fêmea não sente vontade.

E o assassinato? É errado matar em qualquer situação? Em Exodus 20:13 Deus diz que sim e faz disso uma verdade dogmática absoluta quando torna isso um mandamento, desdizendo-se logo em seguida em Exodus 21:12 Quando diz. “Quem ferir a um homem, de modo que este morra, certamente será morto”. Além disso, Deus mesmo causa a morte de várias pessoas em várias ocasiões ou incentiva que seus servos o façam, sob a bandeira do senhor dos exércitos. E a moral inata? Ela nos diz que é errado matar em todas as situações? Não. O homicídio é frequente entre tribos primitivas por vários motivos que são justificados pelo código moral de cada tribo. Entre os animais, é comum o infanticídio e até o canibalismo (que também ocorre em humanos), mostrando que a ideia de que matar é errado não é algo que está escrito de forma absoluta em nossos genes.

Mas como você, eu acredito que em alguns casos é necessário que sejam tomadas medidas intervencionistas em culturas que firam princípios universais (e não absolutos) de moralidade humana e você fez bem em citar a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ninguém deveria ter o direito de divulgar ideias discriminatórias que levam à incitação à marginalização de um grupo de pessoas e isso deveria ser inviolável. O grande problema em ser tolerante demais é justamente ser omisso em relação ao intolerável. É como ver uma mulher sendo estuprada e não fazer nada, para respeitar o “direito” do estuprador de acreditar que ele pode fazer o que quiser. E se o motivo do estupro fosse religioso? E se o estuprador alegasse que um anjo do céu apareceu para ele dizendo para ter à força a primeira mulher que encontrasse, pois dali seria gerada sua tribo sagrada, que seria eternamente protegida por Deus? Como é que alguém contrariaria suas crenças sem parecer um “ditador”?

Desta forma, termino minha tréplica e espero sua resposta para encerrar minha participação.

Chico Mefisto.




Jadiel Fioravante

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Definição 1. Fonte: Dicionário Moderno da Língua Portuguesa Michaelis

absoluto
ab.so.lu.to

adj (lat absolutu) 1 Que subsiste por si próprio. 2 Que não tem limites, que não sofre restrição: "Para, em absoluto sossego, levar o enterro de si mesmo" (Cassiano Ricardo). 3 Que enuncia um sentido completo. 4 Autoritário, despótico, imperioso, soberano, tirano. 5 Incondicional. 6 Incontestável. 7Quím Diz-se de algumas substâncias completamente puras:Álcool absoluto. 8 Álg Diz-se do valor de uma quantidade, sem a preocupação de saber se deve ser somada ou subtraída. 9Mec Diz-se do movimento de um ponto em relação a um ponto fixo. 10 Bot Diz-se da flor bissexuada, que tem estames e pistilos nos seus tegumentos. 11 Gram Diz-se do superlativo que exprime o mais alto grau, sem comparação definida. sm 1Filos O que é em si, e por si, independentemente de qualquer condição. 2 Idéia ou verdade primária, em que se baseiam todas as outras. 3 Alq Pedra filosofal.

Definição 2 . Fonte: http://www.priberam.pt/dlpo/

absoluto
(latim absolutus, -a, -um)
adj.
1. Que não é relativo.
2. [Por extensão] Independente, único.
3. Que não tem peias nem restrições.
4. Que é único ou forma sozinho um elemento.
5. Imperioso.
s. m.
6. O que existe independente.

1°) Deixo claro que uso o termo absoluto no seu sentido etimológico e como os senhores podem notar existem várias conotações para a palavra. Notem na significação 1 e 2 da definição (1) e a de número 2 e 4 da definição (2). É neste sentido que uso o termo tão controverso “absoluto”.

2°) O sentido de absoluto como algo imutável ou irrefutável pertence aos filósofos gregos e faz parte da teologia dogmática como sendo a Verdade pura, irrefutável e clara por si só.

Será que a ciência NÃO usa o termo absoluto?

Sabemos que os termos mudam de significado ou ganham novos sentidos. Na física se emprega o termo absoluto em pelo menos nestas 6 ocasiões:

1.Temperatura;
2.Volume;
3.Pressão;
4.Velocidade;
5.Tempo;
6.Espaço;

7.Fonte; 1. O conceito de tempo absoluto proposto por Newton em “Philosophiae Naturalis Principia Mathematica” e retomado por Leibniz, Euler, Kant, e outros.

2.Estudo dos gases e termodinâmica, usam os termos absoluto para qualificar temperatura, pressão e volume.

Mais uma vez o sentido da palavra se refere a algo existente por si mesmo e não uma verdade dogmática que nunca pode ser refutada. Mesmo que as pesquisas mais recentes, como as mostradas pelo Patrick (ajudante do Chico no debate) invalidem a ideia de algo existente por si mesmo, ainda se usa o termo “absoluto” mesmo que seja como tradição. É neste mesmo sentido que emprego a palavra absoluto para a moralidade. Em muitos dos casos “absoluto” quer dizer Universal, como se fosse um princípio, adotado por Newton em seus Princípios da Matemática, por exemplo. Para acalmar os ânimos posso trocar pelo sinônimo de uma moralidade universal inata.

Moralidade Absoluta e Inata

Immanuel Kant (Considerado como o último grande filósofo dos princípios da era moderna)

" A boa vontade não é boa por aquilo que promove ou realiza, pela aptidão para alcançar qualquer finalidade proposta, mas tão-somente pelo querer, isto é, EM SIM MESMA, é considerada EM SIM MESMA,..."

“ Há contudo nesta ideia do VALOR ABSOLUTO da simples vontade, ...”

"Todas as ações que o homem tem de realizar para o propósito da felicidade, bem como toda a regra do seu comportamento, lhe seriam indicadas com muito maior exatidão pelo INSTINTO, e aquela finalidade obteria por meio dele muito maior segurança do que pela razão."

“..., a natureza teria não somente chamado a si a escolha dos fins, mas também a dos meios, e teria com sábia prudência confiado ambas as coisas [o plano da felicidade e dos meios de a alcançar] simplesmente ao INSTINTO.”

“Portanto, se a razão não é apta para guiar com segurança a vontade no que respeita aos seus objetos e à satisfação de todas as nossas necessidades (que ela mesma-a razão- em parte multiplica), visto que um INSTINTO NATURAL INATO levaria com muito maior certeza a este fim, ….

Fonte: Immanuel Kant- (Fundamentação da Metafísica dos Costumes, Primeira Seção, págs, 204-205)

Kant desenvolveu o que se chamou de moralidade absoluta, criando os IMPERATIVOS CATEGÓRICOS, que tem a máxima de “aja conforme sua ação possa ser uma lei universal”. Para ele não é razão que indica a boa conduta moral, mas o instinto do homem que guarda esses imperativos. Só não explicou de onde vem esses princípios inatos, fazendo com que seus críticos o achassem religioso demais.

Fonte: Google, tags: Kant, ética kantiana, moralidade absoluta, imperativos categóricos.

Kant usa o termo absoluto no sentido de “em si e por si” e não no sentido dogmático. Ele adota uma posição absoluta e apriorista, “os valores não se criam nem se transformam; se descobrem ou se ignoram”. A ética dá, então, condições ao homem para afinar-se com esses valores, descobrindo-os; ele não os cria. Seria moral aquilo que dá ao homem a sensação de sentir-se bem após determinada ação. Como se ele tivesse uma bússola natural que o guiasse ao discernimento entre o certo e o errado.

Comportamentos morais inatos

Steven Pinker apresenta, em seu livro The Blank Slate, ou A tábula rasa, uma lista de características humanas que seriam universais. Compilada pelo antropólogo Donald E. Brown, da Universidade da Califórnia, Estados Unidos, ela foi publicada pela primeita vez no livro Human Universals (Universais Humanos, de 1991. Citarei apenas a que fazem parte do comportamento moral.

Estupro (e sua proibição), Incesto ( entre filho e mãe considerado tabu), Machos mais agressivos e com maior tendência a praticar formas letais de violência em comparação às fêmeas, Nepotismo (predileção por filhos ou parentes).

O componente genético associado aos estímulos do ambiente promovem determinado comportamento, mas é inegável que existam componentes genéticos. Se esses comportamentos são tidos como universais, ou seja, foram constatados em todos os grupos humanos de todo o tempo, não podem ser apenas uma influência parcial da genética, mas algo imperativo. A interação gene-ambiente apenas fortalece a nossa predisposição para tal comportamento.

Fonte: The Blank Slate- The Modern Denial of Human Nature, Steven Pinker
Lifelines: Biology Beyond Determinism, Steven Rose
Sociobiologia, Edward O Wilson

Termino minha participação com as citações e fontes pedidas pelos senhores.

Infelizmente NÃO tenho mais espaço para refutar o meu oponente sobre as hipóteses que ele levantou sobre o incesto na bíblia e a religião. Se eu exceder mais uma postagem perderei mais 1 ponto. Tentei refutar aquilo que o ajudante Patrick argumentou das minhas palavras, que estão em outro debate para todos lerem, e parte do que meu oponente disse em sua tréplica. A outra parte fica nas minhas considerações finais, caso eu consiga responder sem perder mais pontos dentro das 3 postagens limites.

Estão ai!



CONSIDERAÇÕES FINAIS

Infelizmente, esta será a última participação do duelo. Meu adversário ficou indignado após uma discussão paralela ao debate onde muita gente mostrou que não concordava com a definição de absoluto que ele estava usando, levou para o lado pessoal, acabou ofendendo todo mundo, apagando suas postagens e saindo do grupo. É lamentável que isto tenha acontecido, mas para que todos possam concluir por conta própria sobre o que ocorreu, basta lerem o duelo, pois as postagens paralelas onde ele ofendia todo mundo, ele já apagou.

Antes de começar o duelo, através de mensagens privadas, eu já alertava meu oponente a tomar cuidado para que esta não se tornasse uma discussão semântica. Aconselhei-o a consultar a bibliografia do assunto, para que pudéssemos ao menos falar a mesma língua, ou trazer a discussão para um campo mais interessante do que ficarmos o tempo inteiro tentando refutar um ao outro.

Fiz uma introdução bem ampla do tema, que permitia uma discussão bastante profunda da questão, mas meu oponente preferiu tentar me refutar, dizendo que eu estava confundindo os conceitos de absoluto usados na idade média e na idade moderna. Para me certificar se eu não estava mesmo errado, por MP e também no grupo, pedi para ele algumas referências bibliográficas para sustentar isso, ao que ele rejeitou. Procurei em tudo quanto é lugar da internet, e nada. Só poderia me parecer que quem estava confundindo não era eu.

A partir de então, passei a ler com mais desconfiança o que ele havia escrito e percebi que ele fazia uma confusão tremenda quanto a forma de pensar de absolutamente TODOS os autores que ele estava citando. Obviamente, não tinha lido nenhum deles. Talvez alguma resenha em alguma revista popular, ou alguma citação em algum blog. Mas nada indicava que o que ele estava dizendo poderia ter sido dito por qualquer um daqueles autores que ele estava citando.

Outras pessoas do grupo também pediram referências para ele, por que provavelmente também nunca viram nada disso em lugar nenhum, e como ele não tem, por que sabe que inventou tudo isso, passou a ficar muito irritado, escrevendo em caixa alta e ofendendo uma série de pessoas, numa nítida demonstração de desequilíbrio emocional.

Infelizmente, esta sucessão de eventos mostra que a tese que apresentei em minha tréplica, “OU O JADIEL NÃO SABE O QUE É MORALIDADE ABSOLUTA OU É UM RELATIVISTA HEREGE” estava errada. Na verdade o Jadiel não sabe o que significa a palavra “absoluto”, não tem a mínima noção do que é moralidade e além disso é um relativista herege que jura por Deus que é católico. Além disso, não tem a mínima paciência para uma discussão racional, principalmente quando provam pra ele que ele está errado.

Começou sua tréplica postando a definição de “absoluto” do Michaelis. É interessante notar que em nenhuma das possíveis interpretações da palavra está dizendo que absoluto é algo que pode se transformar, que varia, que depende, que é mutável. Ainda assim, ele postou aquilo lá achando que estaria provando que fui eu quem não entendeu o significado do termo. Disse que eram apenas os filósofos gregos que usavam a palavra para se referir a algo imutável ou irrefutável e que a teologia dogmática havia incorporado isso.

Depois ele faz uma salada de conceitos mostrando que não entendeu nada do que eu, nem o Patrick e nem o Kauê dissemos para ele sobre filosofia da ciência. Ainda acha que a ciência serve para revelar absolutos e que os estudos de sociobiologia são capazes de postular dogmas a respeito do comportamento humano, dizendo como devemos agir em um contexto universal, onde a imutabilidade sagrada dos genes nos confere objetividade infalível para avaliarmos questões morais, exatamente como faz a religião.

Não parece entrar na cabeça do Jadiel que apesar de existir a noção de que existem valores matemáticos absolutos (imutáveis) que podem ser analisados na natureza, quando estamos falando a respeito de moralidade, a questão é absurdamente subjetiva, por mais objetividade que se tente conseguir nas análises.

Os estudos de sociobiologia servem para tentar compreender como é que nós, assim como outros animais usamos nossas tendências genéticas para interferir no meio, enquanto recebemos influência do mesmo para moldar nosso próprio comportamento. Dizer que a moralidade inata é absoluta é negar totalmente todo o valor da cultura. É negar, por exemplo, que a religião serve de régua moral para as pessoas, pois existem fatores positivos e negativos ligados à moralidade inata. Por isso eu disse que ser católico e dizer isso é uma heresia. Acredito que todos os teístas do grupo irão concordar comigo nesta colocação.

Como eu não sou católico e nem me importo que pensem que eu sou um herege, consigo ver aspectos positivos na moralidade inata e também na moralidade adquirida pela cultura, inclusive a religião. Não nego que vários princípios defendidos pelas religiões podem ser extremamente úteis para o bom convívio das sociedades e afirmo até que foi fundamental em vários momentos históricos da civilização. Entretanto, eu acredito que o desenvolvimento da moralidade secular, pautada pela filosofia de filósofos pós iluministas contribui muito mais para que pessoas se respeitem, no mundo contemporâneo.

Várias conquistas morais são bastante recentes, como o fim da escravidão, direito das mulheres, respeito com os animais e nada disso faz parte da moralidade inata e nem está escrito em nenhum livro sagrado. Isso aconteceu justamente em uma época em que o ser humano passou a duvidar mais das coisas e começou a pautar sua forma de ver o mundo em uma visão cética, que enxerga a moralidade como algo relativo, mas de onde podem se tomar conclusões objetivas a fim de se respeitar o bem estar do maior número de pessoas possível.

Quem quiser estudar um pouco mais sobre o assunto, pesquise depois sobre as diferenças que existem entre conceitos UNIVERSAIS de moralidade e conceitos ABSOLUTOS de moralidade. Vão perceber que não existe tradição nenhuma de se confundir os termos e dizer que eles são a mesma coisa, como quis dizer meu adversário em sua tréplica.

Para justificar o uso da palavra por algum outro filósofo, Jadiel teve que recorrer ao único Filósofo pré-moderno que ainda acreditava em valores absolutos de moralidade, Immanuel Kant. Mas todos que já estudaram um pouquinho mais de filosofia sabem que a moralidade Kantiana, além de dogmática (que é algo que ele está tentando fugir desde a introdução), é uma “verdade por definição”, uma tautologia, ou seja, a famosa petição de princípio. E ela nos deixa alguns quebra cabeças muito interessantes quando diz, por exemplo, que mentir é imoral e errado em absolutamente todas as situações.

Então, se você estiver escondendo várias famílias de judeus no fundo da sua casa e um soldado nazista aparecer perguntando se você viu algum judeu, seria imoral mentir, então o certo seria entregar todas essas pessoas à morte. Perfeito.

Imagine que você está em um trem desgovernado que vai atropelar 10 crianças. Você pode puxar a manivela e evitar a morte dessas crianças, mas do outro lado está passando um estuprador assassino que vai te matar quando parar o trem. Segundo a visão Kantiana, você não pode puxar a manivela, pois estaria agindo diretamente sobre a morte do sujeito. Teria que ficar quieto e ver 10 crianças morrerem, deixando o fdp vivo. Extremamente coerente esta visão, não é?

Ainda assim, em sua última apelação para poder continuar usando o termo absoluto, este foi o exemplo que o Jadiel conseguiu nos mostrar. E percebam que ele nada tem a ver com alguma moral absoluta que já nascemos conhecendo. Ela é verdade por definição, mas para isso alguém precisa definir e não é você mesmo, ao seu bel prazer, como tentou fazer o Jadiel com o termo “absoluto”.

Mais próxima à visão menos dogmática que ele parecia estar procurando está a visão de moralidade de David Hume que dizia que não existe objetividade na moralidade, simplesmente por que é algo que é sentido, e só pode ser expresso de forma abstrata, além de variar de pessoa para pessoa.

Mas ele cita “The Blak Slate”, do Stephen Pinker, que provavelmente também não leu e deu azar de debater com alguém que leu. O livro é uma resposta à ideia de John Locke que o ser humano é como uma “tabula rasa”, ou uma folha de papel em branco e que toda nossa personalidade seria moldada a partir do zero, quando nascemos. Pinker mostra que não, que existe uma tendência do organismo reagir diferentemente com o meio, que é criada a partir da ação dos nossos genes. Na verdade ele faz isso fazendo uma revisão de conceitos darwinistas, que o próprio Darwin ou o Dawkins já haviam dito em obras anteriores, admitindo sempre, claro, que estes fatores estariam sempre sujeitos a transformações e, por isso, jamais poderiam ser absolutos.

Eu refutei os exemplos do estupro, do incesto e do assassinato em minha tréplica, mas meu adversário fingiu que não leu. Espero que o mesmo não aconteça com os outros leitores.

A primeira forma que temos de conhecer o mundo, e também a mais tosca é o conhecimento vulgar, ou senso comum, que é a herança da influência social que é exercida sobre nós desde o dia em que nascemos. Ao longo da vida, receberemos influência social que fará parte do nosso aprendizado que será responsável por formar nossa própria versão da realidade. E cada um possui sua própria versão da realidade, com suas próprias respostas para os dilemas mais complicados, que garante que alguém consiga viver sua vida, seguro de suas próprias ideias e fundamentado naquilo que ele próprio escolheu para definir a si mesmo.

Mas a história e também a filosofia tem nos mostrado que o ser humano é um excelente especialista na arte de equivocar-se. Inúmeras grandes convicções humanas foram quebradas ao longo dos séculos para formar arquivos de conhecimento que contrariam a experiência empírica e são anti-intuitivos, mostrando que existe uma outra realidade além daquela que podemos conhecer quando fundamentamos nossas ideias apenas naquilo que nos é dito por nossas autoridades ou pelas pessoas com quem convivemos.
Culturas inteiras se enganam em relação a questões fundamentais da existência humana. O que é considerado um absurdo por uma cultura pode ser considerado essencial para outra. Mas se existe uma verdade transcendental, ela deve estar além das culturas e estar ligada a alguma característica que é inerente a todos os seres humanos.

Todos possuem em determinado nível algum juízo preconcebido que pode ser manifestado em forma de atitudes discriminatórias perante outras pessoas, lugares ou tradições considerados diferentes ou “estranhos” aos seus. Existem coisas toleráveis e coisas que não conseguimos tolerar, sendo que a maioria das nossas intolerâncias são aprendidas por influência social, oriunda do senso comum.

Por vezes, vemos um grupo social indicar desconhecimento pejorativo de alguém ou de algum grupo social, que lhe é diferente. Qualquer atitude que, de alguma forma, gere algum desconforto psicológico instintivamente ativa esta resposta comportamental.

Quando não pensamos na possibilidade da nossa ideia estar errada, formamos conceitos baseados em estereótipos incorruptíveis que jamais poderiam representar verdades filosóficas, uma vez que são formados por argumentos circulares que se auto suportam e criam um ciclo de sofismas irrefutáveis que dão a ilusão de que podemos ter certeza de alguma coisa.

A coisa mais importante nas reflexões de alguém guiado pela honestidade intelectual é a dúvida. Se você aceitar um dogma ou um postulado como fundamento, nunca poderá provar-se errado. E se não puder perceber que está errado, jamais poderá perceber a verdade que existe além daquilo que você já aprendeu.

E é por isso que certezas absolutas são tão perigosas.

Chico Mefisto.

Marco Lisboa X Roger D'André - Comunismo - Psicopatologia na América Latina?


  1. A tese explica a virulência da psico-patologia dos comunistas latino americanos pelas diferenças culturais e históricas. Enquanto os europeus conheciam de perto as questões ideológicas abordadas por Marx e Engels, nós fomos influenciados “por políticas externas e pela infiltração de artigos e livros pró marxistas.”
    Há que se concordar em parte. Nosso continente é recente na História. Democracia representativa, divisão de poderes, direitos humanos, são institutos trazidos de fora para a realidade latino-americana. Logo uma origem externa, por si só, não seria um sintoma de patologia.
    A própria história da América Latina tratou de fornecer os seus inimigos externos: os colonizadores. Jefferson, Bolívar, José Marti e outros lideraram movimentos que não poderiam ser acusado de psicopatológicos, antes de mais nada, porque combatiam inimigos reais.
    Seria o imperialismo americano um inimigo real ou um arquétipo do inimigo vilão, sem base na realidade? Ora, o neocolonialismo e a relação de dependência e exploração entre Estados Unidos e América Latina é um dado histórico.
    Pode-se dizer, portanto, que não foi criado um inimigo a partir de um mecanismo de reflexo condicionado. Seria mais justo dizer que para realizar seu programa político os comunistas precisavam derrotar um inimigo real.
    “A partir destes sintomas [a criação de inimigos arquetípicos], surge o ponto culminante da doença: a criação de uma personalidade alternativa e a perda do contato com a realidade: o "Complexo de Che Guevara" Este complexo ... é ... o que precede o complexo de superioridade, latente em quase todo comunista.”
    Aqui temos duas generalizações perigosas: a primeira – os comunistas, em geral, se julgam iguais ao Che; a segunda – em quase todo comunista há um complexo de superioridade latente.
    Não pretendo negar que existam comunistas que se julguem iguais ao Che. Da mesma maneira, é inegável que existam comunistas com um complexo de superioridade latente (não é necessário citar exemplos).
    Infelizmente, a verificação da tese depende da comprovação da veracidade dessas duas afirmações, pois é a partir delas que se conclui que o comunismo é uma psicopatologia social. A base das afirmativas parece ser um raciocínio indutivo. Provavelmente, o autor conhece vários comunistas, a maioria deles apresenta esses sintomas, logo eles são comuns à maioria dos comunistas da América Latina.
    Popper e outros autores já demonstraram os perigos do raciocínio indutivo. Um exemplo clássico: todos os cisnes que vi eram brancos, logo não existem cisnes negros. Nesse caso, bastaria a apresentação de um cisne negro para demonstrar a falsidade da afirmação. No caso em questão, para demonstrar a falsidade da tese, eu teria que provar que a maioria ou pelo menos uma boa parte dos comunistas não se enquadra nessa tipologia.
    Eu poderia argumentar com a minha experiência pessoal: militei durante 14 anos no PC do B e a maioria absoluta dos comunistas que conheci não se enquadrava nesses tipos. Não pretendo insistir nessa linha, porque pecaria pelo mesmo defeito da tese: estaria usando um raciocínio meramente indutivo. Além do mais, não tenho como extrapolar essa experiência para toda América Latina.
    O método científico se baseia numa cadeia indutiva-dedutiva. A partir de várias experiências generalizamos uma hipótese que explica esses fenômenos e a testamos. Caso ela resista à prova, teremos, pelo menos provisoriamente, uma teoria explicativa. Uma teoria assim busca uma explicação causal.
    A tese, para explicar a causa dos complexos citados se apóia no reflexo condicionado. Ela falha ao apontar um agente externo que não seria real, o imperialismo americano, que sabemos sê-lo. Falha também ao não apontar quais seriam os estímulos reais que condicionariam os comunistas a reagir a um inimigo imaginário.
    Portanto, ela se reduz a um argumento de autoridade: o conhecimento qualificado dos comunistas latino-americanos pelo autor. Nesse caso, é justo pedir que ele explicite suas credenciais, no caso que detalhe esse conhecimento.
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  2. Boa, Marco,

    Talvez você tenha visto isso nos tópicos, mas mesmo assim irei reforçar. Ao elaborar esta tese eu deixei três falhas estruturais. Duas delas foram propositais, pois eu queria que o interlocutor as localiza-se no texto e entrasse exatamente neste ponto para formar a antítese. E meus parabéns. Você localizou uma delas.

    A terceira falha, porém, não foi proposital mas é também inevitável ao se elaborar uma tese como esta. Você localizou este ponto e terei dificuldades com isso.

    1ª Falha: "Seria o imperialismo americano um inimigo real ou um arquétipo do inimigo vilão, sem base na realidade?"

    Respondo que não. O imperialismo em si existiu. Mas, veja, existiu. No que tange à América Latina, há muito tempo não há imperialismo. O que acontece por aqui é que desde que nos tornamos uma república democrática sofremos, justamente, com políticas social-democratas, que tem raízes no socialismo, e que engessaram as leis. Além disso, sofremos com um problema latente no que diz respeito à fiscalização de fronteiras.

    Se você for ver, a ilha do Norte não nos agride atualmente. Por outro lado, os países "pobres", nossos vizinhos, estes sim utilizam nossas fronteiras para contrabando e exploram nossa mata amazônica e mata atlântica.

    O Imperialismo na América Latina é um inimigo morto há tempos. E até mesmo essa mania de perseguição constante de parte dos comunistas é emprestada dos nacionalistas mais radicais, que querem fechar fronteiras a todo custo e dificultar a importação ou exportação de produtos.

    Por ser um inimigo morto, a referência ao Imperialismo como algo atuante em nossas vidas hoje é uma patologia, como se o inimigo ainda estivesse vivo. Na verdade, é a falácia do espantalho. Ataca-se um inimigo distorcido. Quando acusam os USA de imperialismo na américa latina, estão na realidade distorcendo aquilo que os USA realmente faz.

    Agora, justificando a menção ao reflexo condicionado, explica-se justamente por que houve um estímulo real no passado que criou o reflexo. Agora, o reflexo atua sem o estímulo real, com base apenas naquele estímulo do passado. Igual ao cão que salivava ao ver o pedaço de carne, e depois salivava com o mero toque da campainha, no experimento de Pavlov.

    Penso ter justificado este ponto. Caso ainda encontre falhas, aponte.

    2ª Falha: Generalização.

    De fato, não há como escapar desta falha, que não é necessariamente uma falha mas que invalida no sentido científico este raciocínio.

    Não há como eu provar para você nem para ninguém o que eu digo. Quando afirmo que os comunistas se comportam assim, mesmo admitindo exceções estou afirmando que a maioria deles se enquadra na patologia que apresento. Isso foge totalmente de minhas mãos.

    No meu outro debate, o interlocutor foi ingênuo e caiu exatamente dentro da armadilha da tese, pois ele optou por defender o socialismo quando este nem mesmo estava sendo atacado. Você, talvez por ter mais entendimento do assunto ou por ter compreendido a tese em si, não caiu. Então, não me resta muita coisa, a não ser admitir minha incapacidade de provar que estou certo neste ponto. Só posso, contar, então com a experiência dos leitores com relação a outros comunistas que eles próprios conheçam, para ver se de fato estas afirmações servem para uma maioria.

    A única coisa que sustenta cientificamente minha afirmação genérica é o reflexo condicionado. Este já foi justificado na primeira falha. Mas a segunda falha é isso mesmo, uma falha estrutural que não está ao meu alcance solucionar.

    Só que isso ainda não invalida a tese. Ou invalida?
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  3. Em relação à generalização sobre os sintomas patológicos dos comunistas, Roger reconheceu que é uma opinião cuja veracidade deverá ser aferida pelos leitores, baseados também em suas opiniões pessoais. Nós julgamos o tempo todo baseados em opiniões e elas são legítimas, embora não possam ser usadas como suporte para uma teoria que se pretenda científica. Como ela é uma premissa essencial na sua cadeia de raciocínio, penso que sua tese fica seriamente prejudicada.
    À guisa de informação, no Brasil, o Partidão, defendia a transição pacífica e se opunha à luta armada. De outro lado, o PC do B, embora defendesse a luta armada, tinha uma concepção diferente, mais calcada na experiência chinesa. Ambos partidos faziam críticas ao modelo cubano. Embora as organizações guevaristas tivessem maior visibilidade, elas não eram majoritárias.
    Segundo Roger, sua tese se sustentaria através do reflexo condicionado. O imperialismo seria o estímulo real, que existia no passado e que teria criado o reflexo condicionado que faz os comunistas salivarem à simples menção de um inimigo que não existe mais.
    Relembrando a analogia usada, o cão saliva quando vê carne, um estímulo real. Ele passa a associar a carne a uma campainha. Mais tarde, ele saliva só de ouvir a campainha, mesmo sem a presença da carne. Há duas questões a se considerar. A primeira, que abordarei agora, é que, mesmo que a carne não exista, o comportamento do cão não é patológico. Transportando a analogia para a tese, mesmo que o imperialismo não seja mais uma ameaça real, não fica provado que o comportamento dos comunistas ao considerá-lo como inimigo seja patológico e não simplesmente um erro de julgamento. Paradigmas são difíceis de serem mudados, como mostrou Thomas Kuhn. A segunda questão, se o imperialismo é ou não um inimigo real será abordada noutra postagem.
    O imperialismo é um fenômeno complexo e dinâmico. As formas de exploração e de controle evoluíram. Será que a percepção dos comunistas também evoluiu?
    Manifesto Programa do PC do B em 62:

    “Por que tudo isso ocorre num país tão imenso e rico, habitado por um povo laborioso? Isso se verifica devido à espoliação do país pelo imperialismo, em particular o norte-americano, ao monopólio da terra e à crescente concentração de riquezas nas mãos de uma minoria de grandes capitalistas.
    Os imperialistas dominam importantes setores da economia nacional. São donos das indústrias de automóveis, pneumáticos, vidro plano, produtos farmacêuticos, frigoríficos, etc., e controlam quase toda a produção e distribuição de energia elétrica, bem como o comércio de petróleo.
    Os monopólios ianques ocupam posição destacada no comércio exterior do Brasil, impõem preços cada vez mais baixos aos produtos brasileiros de exportação e elevam constantemente os dos bens que o país importa.”

    Programa Socialista para o Brasil, de 2009:
    “A nova luta pelo socialismo se dá num mundo em mudanças nas suas relações de poder no século XXI. Está em curso uma transição do quadro de dominação unipolar que marcou o imediato pós-Guerra Fria, com a intensificação de tendências à multipolarização e à instabilidade no sistema internacional. Transição cuja essência é marcada pelo declínio relativo e progressivo dos EUA e pela rápida ascensão da China socialista. Essas tendências são fomentadas e alimentadas pela dinâmica de desenvolvimento desigual do capitalismo que tende a se intensificar com a crise internacional desse sistema. ... a crise econômica atual tende a agravar o declínio da hegemonia dos Estados Unidos, embora estes ainda preservem ampla supremacia de poderio militar. ...”
    A evolução na maneira de encarar o imperialismo americano é um forte indício de que, pelo menos para o PC do B, sua atuação não pode ser assimilada a um reflexo condicionado, onde a reação é sempre igual e não corresponde a um estímulo real. O PC do B tem mais de 300.000 membros e um papel de destaque na América Latina, podendo ser tomado como representativo da posição dos comunistas da região.
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  4. Vamos lá,

    A generalização é inevitável. Mas, pense que eu poderia ter mentido. Eu poderia dizer que fiz um estudo de caso a caso, e que fiz pesquisas de campo entrevistando comunistas por aí, e que tenho provas estatísticas. Se eu dissesse isso, fundamentaria minha tese e ninguém teria como provar que estou errado. Mas o fato é que é uma generalização com base nos comunistas que conheço e também com base nos comunistas que outras pessoas próximas a mim também conhecem. De qualquer forma, você tem razão ao dizer que isso prejudica a tese. De fato, prejudica mesmo.

    Vejamos o seguinte: O reflexo condicionado não é necessariamente patológico. Na verdade, reflexo condicionado é comum no dia-a-dia. Isso deve ficar claro. O cão salivar por um pedaço de carne não é patológico, pois na memória dele, mesmo que a carne não esteja mais ali, ele ainda se lembra dela. Esse estímulo é natural, pois nós salivamos ao simplesmente pensar em um pedaço de carne. Se eu não deixei isso claro na tese, estou deixando agora. A patologia começa a partir do comportamento que se tem com base em um reflexo condicionado.

    Atacar o imperialismo, no passado, era normal. E seria normal que este reflexo se mantivesse após algum tempo, mesmo sem a existência do inimigo. Mas, para o reflexo condicionado se manter, segundo Pavlov, é preciso que seja reforçado de tempo em tempo, pois com o passar dos tempos ele se perde aos poucos. Só que os comunistas, em geral, ainda hoje trabalham contra este inimigo que está morto há décadas. Não houve um reforço para o reflexo, ele simplesmente se manteve em um impulso de massa, virou um vício. Aí, se tornou patológico.

    Quanto ao PC do B, não posso afirmar muita coisa. Não foi neste partido que eu militei. Em minha região, o PC do B não tem influência quase nenhuma, nem conheço ninguém deste partido aqui da região. Mas, sabe o que os comunistas de outro partido falam sobre o PC do B? Dizem que não é um partido genuinamente comunista. Se é ou não, eu não sei. O que sei é que eles dizem isso de qualquer partido que não seja o deles.

    Sugiro que dê uma olhada no site da Esquerda Marxista no Brasil. Lá você verá um ataque diário ao Imperialismo, nos mesmos moldes antigos. O site é: http://www.marxismo.org.br/

    Aliás, eu devia ter usado este site para sustentar minha tese. Seria menos generalizada. rs

    Mas, vendo que você defende, por exemplo, que a existência de empresas estrangeiras explorando a mão de obra nacional é uma prática imperialista, fico receoso. Acho esta análise tendenciosa demais, é uma distorção da realidade.

    Se empresas estrangeiras se instalam no país para explorar mão de obra, isso não é porque elas são más, e sim porque nosso governo é incompetente e não investe nas áreas produtivas, deixando esta brecha enorme na economia que, portanto, alguém tem que tapar. Além disso, pensando pelo lado da classe trabalhadora, são justamente estas empresas que criam vagas de emprego em massa. Não fossem elas, qual medida o governo tomaria para resolver o desemprego? Provavelmente teriam que criar programas de bolsa-esmola, uma vez que assistencialismo traz votos é a é mais fácil do que investir na economia.

    Não vejo, portanto, como empresas de fora no país possam ser uma atitude imperialista. Muito pelo contrário, é uma atitude quase altruísta. Vir com uma empresa, uma fábrica, para um país com a carga tributária do Brasil, enquanto poderiam ir para qualquer outro lugar com uma tributação menor, é um ato de solidariedade com o trabalhador e com o governo brasileiro. Se eu fosse empresário, passaria bem longe daqui.
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  5. Meu caro Roger,
    Em momento algum eu duvidei da sua honestidade. Reconheço que eu mesmo travei conhecimento com alguns tipos afetados dos complexo de Che e de superioridade. O mal, como você mesmo reconheceu, foi a generalização. Weber trabalhava com tipos ideais, baseados em características individuais, para criar por indução um tipo que auxiliara na análise sociológica. Eu poderia aceitar esse comunista que você criou como um tipo ao estilo Weberiano, não fosse o fato de você o ter tomado como representativo de todos os comunistas da América Latina.
    Citei o PC do B como um contra-exemplo, porque é o partido comunista com maior militância, representação no parlamento e participação no governo. Não entro no mérito de ele ser o mais ortodoxo e nem avalizei a correção de suas propostas. Usei os textos de 62 e de 2009 para mostrar que para esse partido, pelo menos, houve uma evolução muito grande na maneira como seus militantes percebem o imperialismo americano.
    Em relação a presença de empresas estrangeiras, eu apenas expus a posição que os comunistas do PC do B mantinham em 62. Penso que, numa economia globalizada como a atual, como alternativa imediata de crescimento, pode ser interessante contar com o investimento direto estrangeiro, desde que ele não monopolize áreas estratégicas da economia. É uma maneira de contar com a poupança externa para crescer. A China, que é o modelo atual do PC do B, fez isso.
    Citando novamente o programa de 2009:
    “Por surgir das entranhas do modo de produção capitalista e das suas instituições, a transição para a nova sociedade ainda terá uma economia mista, heterogênea, com múltiplas formas de propriedade estatal, pública, privada, mista, incluindo vários tipos de empreendimentos, como as cooperativas. Poderá contar com a existência de formas de capitalismo de Estado, e com o mercado, regulados pelo novo Poder. Todavia, progressivamente devem prevalecer as formas de propriedade social sobre os principais meios de produção.”
    O site que você citou, da esquerda marxista, é de inspiração trotsquista. Só para ilustrar como é difícil criar um tipo ideal que represente toda a esquerda marxista, os trotsquistas e os comunistas mais ortodoxos se acusaram mutuamente durante a recente revolta líbia contra Kadafi. Para os segundos, os primeiros seriam cúmplices do imperialismo, por não apoiarem o ditador deposto. É justo acrescentar que mesmo entre as organizações trotsquistas há uma diferenciação muito grande.
    Sem a pretensão de esgotar o tema, eu dividiria assim a esquerda marxista: reformistas, trotstquistas, maoístas, populistas, stalinistas, neostalinistas, ecléticos. Os primeiros, inspirados pelo eurocomunismo, estariam representados no PPS. Os trotsquistas apresentam inúmeras divisões e cisões. O PSTU seria seu principal representante. Há ainda inúmeros movimentos que reivindicam o maoísmo, principalmente na América Latina. As FARC poderiam representá-los. Os populistas seriam a esquerda que não é ligada aos partidos comunistas mais tradicionais. Tem Chávez e Cuba como referência ideológica. Como stalinistas, teríamos o PCB como tendência mais representativa. Eu colocaria o PC do B como neo-stalinista. E finalmente há uma esquerda eclética, muito influenciada pelos indignados e os novos movimentos. Com certeza, muitas posições ficaram de fora, já que não tive a pretensão de ser exaustivo. O PSOL, por exemplo, abriga uma esquerda muito diversificada.
    Uns apóiam o Governo Dilma, outros não; uns ainda apostam na luta armada, outros privilegiam a via eleitoral; uns apóiam Chávez, outros não; novas bandeiras como as questões de gênero e a sustentabilidade foram incorporadas. A própria linguagem da esquerda marxista já abriga novas categorias como inclusão, precarização, etc.
    Toda essa diversidade, a meu ver, torna impossível a tarefa de analisá-la a partir de um mecanismo único, o reflexo condicionado.
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  6. Bem, Marco...

    Na hora em que eu li sua tréplica ontem eu não havia notado uma coisa importante que notei agora.

    De fato, quando li achei que você tivesse me dado um xeque mate e talvez se eu tivesse te respondido ontem eu tivesse aceitado sua posição como certa. Mas, agora lendo novamente percebi algo que me ajudará muito nesta questão.

    É notório que seu conhecimento político da questão é maior que o meu. Talvez pela idade, pelas experiências que tem ou porque pode ter lido mais do assunto do que eu. Mas o fato que encontrei eu seu conhecimento uma brecha que ajuda a reforçar minha tese.

    Na tréplica você apresentou uma diferenciação entre vários tipos de comunistas, vários tipos de esquerdistas, e até mesmo fez um breve resumo do assunto. Ao final, você conclui que não se pode colocar todos em uma mesma avaliação, já que seriam diferentes entre si. Mas eu te digo que é possível, ainda e talvez agora mais do que antes, avaliar todos sob o mesmo escopo.

    - Reparei que entre todos os tipos que você citou, há UMA coisa que não muda em nenhum deles: O Arquétipo do Inimigo.

    Todos os diferentes grupos que você citou, embora discordem e até se acusem ideologicamente, ainda assim têm como inimigo comum o Imperialismo e os Estados Unidos.

    Trotskistas, stalinistas, comunistas ortodoxos, enfim, todos os tipos que você citou se comportam do mesmo modo diante do "inimigo invisível", e carregam em seus discursos sempre acusações contra os EUA e contra os outros comunistas de outras correntes que estariam se vendendo aos interesses do capital especulativo ou do imperialismo.

    Ainda que no caso do PC do B a visão sobre o imperialismo tenha mudado com o tempo, percebe-se que ainda consideram o imperialismo como um inimigo real e cujos tentáculos nascem no império do norte. Essa mentalidade, aliás, não é coisa apenas de militantes políticos, mas está impregnada em boa parte da sociedade de forma bastante subjetiva.

    O fato de vermos que praticamente todos os grupos da esquerda comunista ou socialista tenham um comportamento sempre direcionado para o conflito contra esse inimigo já coloca uma ordem patológica no fato.

    E da mesma forma que o Reflexo Condicionado, que eu expliquei aqui que não é necessariamente algo patológico, o arquétipo também não é. O que é patológica é a reação que a pessoa tem ou a forma como mantem o sintoma.

    Arquétipos são apenas representações figuradas que nos cercam o tempo inteiro, nos filmes, nos livros, etc. A patologia começa apenas quando a pessoa começa a acreditar no arquétipo de forma real e passa a agir como se ele existisse em carne e osso.

    E ao final do texto você diz que usei um mecanismo único de avaliação, que seria o reflexo condicionado. Mas na realidade não foi o que eu fiz. Eu usei mecanismo múltiplos, como a projeção, os arquétipos, a alucinação, etc. Tudo isso está bem no início da tese.

    Espero ter ficado mais claro agora. E aguardo suas considerações finais!
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  7. Usando a classificação de Platão, que dividiu o conhecimento em sensível (crença e opinião) e intelectual (raciocínio e a intuição das formas verdadeiras), podemos dizer que a tese do Roger se apóia, em boa parte, em uma opinião – ele generaliza os comunistas que conhece, direta ou indiretamente, para formar um tipo ideal.
    O uso da opinião enfraquece a sua tese, embora seja difícil refutá-la a não ser através de uma opinião contrária. Já o raciocínio parte de premissas consideradas verdadeiras e avança através da lógica, como na Matemática. De novo, podemos ter conclusões verdadeiras, mesmo partindo de premissas falsas. No terreno do conhecimento intelectual, a sustentação de sua tese postula uma série de procedimentos patológicos que se originariam em uma ilusão (a de que o imperialismo ainda é o inimigo a ser combatido na América Latina).
    Minha refutação segue o princípio de causa e efeito: toda causa tem uma ação e ações iguais, nas mesmas circunstâncias, devem produzir a mesma causa. Inicialmente, através de um contra-exemplo, mostrei que o tipo que ele idealizou era uma generalização muito perigosa.
    Seguindo a mesma linha de raciocínio, a percepção do imperialismo (causa), que poderia ter gerado um reflexo condicionado, deveria produzir sempre a mesma ação – uma prática patológica baseada numa visão irreal. De novo, apresentei um contra-exemplo mostrando que pelo menos num caso, o PC do B, um partido que tem um peso considerável na América Latina, essa percepção evoluiu com o tempo, o que afastaria a hipótese de ser causada por um mecanismo de reflexo condicionado.
    Eu entendo a tese de Roger como uma afirmação não sobre todos os comunistas, mas sim sobre a sua maior parte, caso contrário, bastaria um contra-exemplo para refutá-la. Mostrei também que, sendo os comunistas divididos na prática em vários tipos diferentes, poderíamos concluir que seriam necessárias causas muito diversas para gerar o mesmo tipo de procedimento. Eu usei uma tipologia empírica, baseada em meu conhecimento prático, para ilustrar essa minha afirmação.
    Meu oponente não desqualificou essa tipologia, antes procurou se basear nela para intuir que havia um denominador comum nas ações de todos esses comunistas: o seu antiimperialismo. Nesse ponto chegamos a um terreno mais firme: se eu demonstrar que o imperialismo é um inimigo real, ao contrário do que ele afirmou, sua tese sobre a psicopatologia ficaria muito abalada.
    O imperialismo supõe uma potência central, que mantém relações de dominação com a periferia. Ele surge do desenvolvimento desigual do capitalismo. Enquanto um sistema dinâmico e em transformação, só se extinguirá através de sua superação ou de um retrocesso.
    “Para Panitch/Gindin, o imperialismo atual se caracteriza pela capacidade do Estado americano de penetrar e coordenar os outros Estados líderes capitalistas. O dinamismo do capitalismo americano e o seu apelo mundial, combinado com uma linguagem universalista da ideologia de democracia liberal, apoiam a capacidade do império informal de ir além dos impérios anteriores. ... Assim, a ordem capitalista mundial se organizou e regulou pela via de reconstrução de outros Estados como elementos integrais do império informal americano.” http://www.acessa.com/gramsci/?page=visualizar&id=1211
    A globalização é um fenômeno novo e ainda na suficientemente estudado. A caracterização que citei acima, embora parta de uma abordagem marxista, não é consensual.
    Retomando os elementos mais importantes: nosso desenvolvimento atrasado nos colocou na periferia e o imperialismo só se transforma através do confronto com as forças que a ele se opõe. Como a própria tese parte da existência anterior do imperialismo, deveria reconhecer que essa oposição é natural ao processo de evolução do capitalismo. Com isso penso ter mostrado que o anti-imperialismo das diversas correntes comunistas tem um base objetiva.
    Concluindo: a tese permanece no terreno da opinião, parte de premissas que não se sustentam e não pode ser provada através do raciocínio lógico.
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  8. Bem, não há muito o que ser dito por aqui.

    A conclusão do meu oponente, em parte contraria minha tese, e em parte a sustenta.

    No caso, persistiria aqui que o reflexo condicionado existe porque um dia houve imperialismo, de fato, e que a existência passada deste imperialismo teria criado o reflexo nos comunistas, que permaneceram agindo como se o inimigo ainda existisse. Mas, eu já disse isso, meu adversário não concorda e não há necessidade alguma de eu repetir. Cabe ao público julgar se meu pensamento é correto ou se meu oponente tem mais razão do que eu neste aspecto.

    Como também já admiti a questão da generalização, desde o início, não há muito o que dizer neste sentido.

    Ademais, achei este debate bom, inteligente e produtivo. Meu oponente soube se portar, apresentou seus argumentos de forma clara e, diria eu, convincente. Simplesmente não concordamos neste ponto de vista e é só isso mesmo.

    De agora em diante, é com os leitores.

    Finalizo aqui minha participação.