segunda-feira, 2 de julho de 2012

Roger D'André X Roberta Aires - Justiça


13 comentários:

  1. Justiça

    Há muito tempo que o homem tenta definir aquilo que é a Justiça.

    Juridicamente, podemos chamar de justo aquilo que a lei determina, e seguir a lei é simplesmente estar do lado da justiça. Mas, será que esta é uma definição profunda e verdadeira do termo? Será que a lei, como qualquer coisa criada pelo homem, não pode ser imperfeita e, portanto, injusta?

    Se o homem é imperfeito, e isso todos sabem que é, pode-se presumir então que ele também é incapaz de criar leis que sejam justas para todos, ou para todos os contextos. Além disso, sabe-se que o homem é egoista, não em um sentido pejorativo do termo, mas no sentido próprio, pois se preocupa muito mais com aquilo que ele julga correto do que com aquilo que pode ser correto para os outros.

    Assim sendo, deve-se admitir que a Lei é falha, como tudo aquilo que o homem faz, e deve-se admitir que a Lei também pode ser egoista, pois foi criada por homens egoistas. Então, esta Lei só é correta dentro de um princípio pessoal e individual, mas não é válida para o contexto geral.

    Uma lei, seja qual for, só seria válida como Justa em uma sociedade se e quando todos os homens naquele lugar, por unanimidade, estivessem em comum acordo com ela. Então seria necessário, para toda lei, um plebiscito, e para que esta lei fosse aprovada com Justiça, seria necessário que houvesse aprovação por todos, e não apenas pela maioria ou por uma elite minoritária.

    Considero, então, que justo é aquilo que serve para todos. Se algo é válido para a maioria ou para alguns, não é justo para todos e, não sendo justo para todos, não é justo de forma nenhuma.

    Alguns podem alegar que a democracia é a maior aproximação da justiça, mas então terei que questionar se estar mais próximo é relacionado a quantidade ou à qualidade do que se deseja. Quer dizer, então, que o fato de agradar a maioria é mais justo do que agradar a minoria? E se a maioria estiver errada em uma decisão, e se esta decisão prejudicar as minorias ou se esta decisão prejudicar a toda a sociedade, ela será ainda assim uma decisão mais próxima da justiça? Se uma decisão tomada por um minoria, porém, for benéfica para todos, ainda que a maioria não concorde, ela não estará mais próxima da justiça só porque foi tomada por uma minoria?

    Nota-se aí que a quantidade não interfere diretamente na qualidade final do produto. O resultado esperado independe da quantidade de pessoas que estão de acordo com o processo. E o resultado esperado também não interfere no resultado real.

    E então, voltamos ao ciclo anterior.

    Se justiça é aquilo que beneficia a todos, e não somente a maioria, ficamos em um novo dilema. De um lado, temos que as decisões nunca serão unânimes, ou pelo menos não o serão na maior parte das vezes. E não sendo unânimes, alguém sempre ficará insatisfeito. Agora, se uma decisão não unânime puder ainda assim beneficiar a todos, ela ainda não será uma decisão justa, por que ainda que beneficie a todos, por não ter sido unânime, alguém não irá concordar com ela.

    A pergunta final, então, é: Existe justiça?
    ResponderExcluir
  2. Afinal, o que é justiça?

    Do latim, iustitia. De forma abrangente, refere-se a igualdade de todos os cidadãos. Princípio básico de uma sociedade organizada, e já respondendo sua pergunta, sim, a justiça existe.

    Existe como conceito coletivo - mesmo através de uma idéia abstrata, definição jurídica e aplicação prática. Enquanto conceito coletivo ela pode estar relacionada a uma disposição divina, onde a premiação e condenação dos atos são atribuídas conforme seu comportamento individual. Ela também observa aspectos culturais, observando o senso comum, variavelmente obedecendo ao consenso sobre o que a sociedade entende sobre o que é bem e aquilo que é mal.

    Porém, justiça é aquilo que deve fazer de acordo com o direito, a razão e a equidade. Para que ela seja colocada em prática, é preciso que a sociedade seja regida por um código de leis, uma vez que é o Estado que vai garantir que a falta de outrem seja punida, esta, através do julgamento, obedecendo todas as leis vigentes.

    Em Brasília, em frente ao Supremo Tribunal Federal há uma bonita escultura de Alfredo Ceschiatti com a representação comum do que abrange esse conceito: é a deusa romana Iustitia, sentada, tendo no colo, uma espada. A simbologia é assim explicada: os olhos vendados faz entender que ela é imparcial, e que tem a intenção de nivelar o tratamento jurídico, sem nenhuma distinção. È a clara representação que todos são iguais perante a lei. Já a espada simboliza a força que impõe o direito, este, obtido através da razão. È a minha representação preferida, apesar de quase sempre optar pelo simbolismo grego.

    E há também, aquilo que Aristóteles diz sobre o tema. E por imaginar que conheça a obra desse fundamental pensador, entendo seus questionamentos. Na visão aristotélica a justiça é a lei. E o descumprimento da lei, torna qualquer um, injusto, abalando a ética coletiva. Cabe lembrar que a justiça aristotélica é fundada na ética e na virtude, sendo assim, na consciência moral de cada um. E é por perceber que a sociedade não comunga de posicionamentos coletivos é que temos a impressão que a justiça não existe. A sociedade está contaminada por comportamentos egoístas e permissivos. Só exigimos justiça quando percebemos nosso direito ameaçado, e isso não é uma realidade apenas nesse aspecto social. Precisamos nos posicionar como (bons) cidadãos.
    ResponderExcluir
  3. Apesar de ser uma construção humana, não acredito que ela seja falha, uma vez que na elaboração do nosso código de leis, os juristas não tem compromisso com o erro. Foram pessoas que dedicaram, em tese, sua vida na construção e manutenção de uma sociedade mais igual. Aquilo que foi registrado, julgado e aprovado foi analisado por nossos representantes legais. Mas, às vezes, descobrem-se equívocos. O erro é uma conseqüência humana, mesmo que não intencional, mas, quando é notado, há sempre a devida correção. Isso sem mencionar as adaptações da lei que seguem o curso natural da sociedade.

    Mas isso não significa dizer que ela agradará a todos. A justiça não trata de unanimidade. Um exemplo recente foi o julgamento no STF sobre o aborto em fetos anencéfalos. Não houve unanimidade na decisão, mas houve uma maioria. E essa maioria prevalece. E mesmo prevalecendo a vontade da maioria, cada indivíduo pode pedir um julgamento particular, onde será analisado suas especificidades. Todo cidadão têm garantido esse direito, fazer ou não uso dele, é uma prerrogativa pessoal.
    Aqueles que alegam ser a democracia aquilo que melhor se aproxima da justiça, só tenho a dizer que estão errados, uma vez que até em estados pouco democráticos, a justiça é concebida. Mas, não vou ao menos por enquanto, me prender nesse assunto, se existir a necessidade, volto ao tema.

    Em seu texto você disse que “... que o fato de agradar a maioria é mais justo do que agradar a minoria? E se a maioria estiver errada em uma decisão, e se esta decisão prejudicar as minorias ou se esta decisão prejudicar a toda a sociedade, ela será ainda assim uma decisão mais próxima da justiça...” e aqui elucido que atribuiu o conceito de democracia no de justiça, e tentarei explicar a diferença: em qualquer regime político a democracia é muito mais do que uma vontade da maioria. É atribuição do Estado agir de acordo com a vontade da maioria do povo, colhida de maneira direta através de plebiscitos e eleições ou de maneira indireta (pelo sistema representativo), mas desde que respeitados os direitos da minoria. Nunca será democrático que, numa sociedade com maioria de, por exemplo, corintianos, seja proibido a presença de outros torcedores, bem como a distinção de culturas, credos e etnias. Não seria essa hipotética sociedade um exemplo de democracia, e sim, de despotismo.

    Segundo Hugo Mazzilli um dos direitos que são assegurados as minorias, está o de poderem existir, o de dissentir e exprimir sua dissensão. De verem-se representadas nas decisões que interessem a toda a sociedade, além do direito de fiscalizar de maneira efetiva a maioria, e o de, eventualmente, um dia tornarem-se maioria. E é essa a real concepção daquilo que é justo, ético, direito.
    Tudo isso é muito bonito, inspirador, poético...

    Mas, passei da idade de me deixar deslumbrar pelo que diz a lei, quando confrontada com a dura realidade. Uma realidade onde poucos conhecem seus direitos, e que menos ainda são aqueles que cumprem, enquanto cidadãos, de seus deveres. Por isso achei tão importante o tema levantado, e gostaria de ter com você, idéias de como mudar essa realidade, a ponto de poder ver experimentado aquilo que pessoas como Aristóteles um dia defendeu por ideal.

    No aguardo, despeço-me.
    ResponderExcluir
  4. "... gostaria de ter com você, idéias de como mudar essa realidade, a ponto de poder ver experimentado aquilo que pessoas como Aristóteles um dia defendeu por ideal." (Roberta)

    Bem, acho que será muito difícil. Sinto que não fui suficientemente profundo na elaboração do meu questionamento primário. E como você deve saber, sou um negativista e praticamente repudio o idealismo. Não acredito que a idealização de Aristóteles sobre Justiça seja algo tangível pela humanidade.

    Primeiro porque, como defendi em outro debate, o ser humano é naturalmente egoísta. Esta natureza pode ser alterada, obviamente, mas sua alteração é um processo complexo e muito demorado, e ainda assim pouco eficaz.

    Mas, assim como você, utilizei a definição original que determina a Justiça como a igualdade de todos os cidadãos. A diferença é que você usa isso apenas como ponto de partida, e eu penso que esta deveria ser a verdadeira justiça. De resto, nenhuma das definições que apresento estão de acordo com o que penso, apenas as coloco para enunciar as diferentes opiniões a respeito do termo.

    Há pessoas que veem na democracia a justiça, só que a democracia é, na prática, a força da maioria. Isso, é claro, no que diz respeito às escolhas e decisões. Embora seja permitida a existência das minorias em um sistema democrático, é inegável que elas não tenham a mesma força e as mesmas possibilidades que a maioria tem. E em minha opinião, a democracia é pragmaticamente uma grande forma de injustiça, não necessariamente se formos levar a definição real do termo, que é apenas a liberdade de expressão de todos em igualdade, mas se levarmos em conta a aplicação prática, que talvez seja a única aplicação possível.

    Agora, quanto ao ser humano ser falho e egoísta, preciso enunciar novamente a importância que isso tem neste debate, já que você mesma mencionou a Lei no sentido jurídico do termo.

    Se levarmos em conta cultura humana e o comportamento humano do ponto de vista genético, a lei pode ser talvez uma das coisas mais falhas do mundo, sendo assim, então, algo injusto.

    Não há como existir algo meio justo, ou parcialmente justo, ou mesmo algo que seja justo para um enquanto é injusto para o outro. O conceito de justiça é exatamente o de ser igual, equilibrado, e repousa no princípio de que DEVERIA ser um valor imutável. Mas na prática o ser humano jamais atingiu este conceito em sua totalidade. A estátua que representa a Justiça com os olhos cegos é um arquétipo perfeito, mas não é tangível. Ninguém é realmente imparcial, e a lei escrita pelos homens é justamente falha por este motivo.

    A parcialidade é inevitável, embora possa ser ocultada. Mesmo que suas palavras possam expressar neutralidade em uma questão, dentro de você o pensamento sempre penderá para um dos dois lados da balança. E sobretudo em questões morais, que são culturais, a Lei pode falhar, deixando então de representar a Justiça plena.

    Na elaboração do nosso código de leis, os juristas são humanos falhos, como eu e você, e sempre irão, ainda que inconscientemente, imprimir no papel aquilo que eles pensam ser correto, mesmo que o conceito não seja universal. E assim, transformam a Justiça em algo totalmente subjetivo, de foro íntimo, tomando como justo aquilo que é justo para si, e não para todos.

    Reelaborando meu raciocínio, diria que a Justiça é o equilíbrio, aquela que tem apenas um peso e uma medida. E certamente, de forma ideal, ela precisa ser imutável, longe das distorções que o homem possa causar. E sendo a justiça o equilíbrio, não poderá pender. A metáfora da balança a meia altura é uma figura perfeita para expressar o que penso sobre a Justiça Suprema. E, por outro lado, a figura da balança com um lado mais baixo que o outro representa exatamente aquilo que é a justiça DOS HOMENS, que é desequilibrada.

    Então, você ainda pensa que existe Justiça?
    ResponderExcluir
  5. Está enganado, Roger, não foi difícil. Com sua aparente negativa já conseguiu me ajudar em alguns pontos. No que tange ao idealismo, tenho por obrigação profissional manter essa espécie de fé no indivíduo, mas sou também uma pessoa prática e objetiva.

    È notório que discordamos sobre a essência humana. Schopenhauer não seria minha melhor referência sobre a índole do homem, preferindo citar Rousseau, ou até mesmo, Aristóteles. Acredito que a forma que enxergamos o homem, reproduziremos esse olhar na sociedade. E é por isso que reafirmo minha crença na justiça.

    A Lei não pode ser falha. Mas, se alguém sente que foi por ela prejudicado, cabe ir em busca dessa reparação. E é também aqui que percebo a justiça.

    Mas acho que entendi seu ponto de vista. No livro “Tratado da lei”, Tomás de Aquino, afirmou que as leis dadas pelos homens são justas se obedecerem três condições:

    Razão do seu fim – devem dirigir-se ao bem comum;
    Razão do seu autor – não podem ultrapassar o poder de quem as institui;
    Razão da sua forma -é fundamental que sejam igualitárias.

    E podem ser consideradas injustas se elas se opõem ao bem humano, que é a violação de qualquer um dos itens por ele levantado.

    Porém, no campo legal, compactuo da idéia de Montesquieu: não existem leis injustas. O legislador observa a realidade social e histórica e monta uma prévia que será abalizada por seus pares. Não é uma observação isolada, não é uma ação arbitrária. Porém, concordo que se observam discrepâncias em nosso Código Civil, e a isso se justifica pelo movimento dinâmico da sociedade, que, de forma mais lenta, a lei tenta acompanhar. Um exemplo dessa mudança é o direito garantido aos casais homossexuais. Portanto, o que se conclui é que as leis não são injustas. O que pode acontecer é que há algumas mais, outras menos adequadas a um determinado povo, época ou lugar.

    Se a parcialidade pode ser ocultada, ela por si mostrou ser praticável. A sua opinião não é relevante frente a provas e indícios. E é isso que conta quando uma ação é julgada. E discordo que a justiça seja imutável. Ela precisa ter brechas, para que haja adequações observando a realidade humana, que é cíclica. Há discordâncias de pensamentos. Isso me torna uma incorrigível idealista, e nesse momento, acho que estou em vantagem: é maravilhoso atribuir responsabilidades a nossas próprias ações, e perceber suas conseqüências. È isso que dá sentido a vida.
    ResponderExcluir
  6. Se a Justiça for como a definição de si própria, sendo igual para todos os cidadãos, então continuo sem entender onde você quer chegar com suas colocações.

    Veja que escrevo Justiça, com J maiúsculo, e há um motivo para isso. Considero que há diferença entre a fala e a ação, e isso sempre existirá. Como foram os homens que definiram o termo "justiça", creio que caberia a eles próprios colocar este termo de forma prática, sendo então aplicável e tangível. Não é isso o que acontece.

    Quando afirmo que o ser humano é parcial e que muitas vezes apenas oculta esta faceta, refiro-me ao que é aparente. E você sabe que embalagem não é conteúdo. Parecer imparcial não é ser imparcial. Aos olhos externos é possível disfarçar sua parcialidade, mas internamente, pra você mesmo, não. Por isso, nas relações humanas a imparcialidade é apenas embalagem enquanto a parcialidade é conteúdo, é essência.

    Ademais, será que a Lei é mesmo justa, como afirma que é? É justo um terceiro julgar algo que ele não vivenciou? Pensemos pelo lado humano da questão. O ser humano sempre pensa na justiça quando seu direito é inferido, o que aliás você mesma disse. Se a lei pode punir um homem inocente, e sabemos que ela pode, então não pode ser justa. Se a lei pode deixar de punir um homem culpado, então não pode ser justa. E do ponto de vista prático, a justiça acaba se tornando totalmente subjetiva.

    Se eu sofri um assalto a mão armada, eu sei que sofri. Caso eu registre queixa contra o assaltante ele será indiciado e sofrerá processo. Se não houver provas físicas que evidenciem o assalto ocorrido, será a minha palavra contra a dele. Sem provas, nenhum juiz irá condená-lo. Mas ele fez o assalto. É justo que ele fique solto e não tenha qualquer punição, só porque eu não tenho como provar? Do meu ponto de vista, não será justo. E é justo que ele seja condenado sem provas, apenas porque eu afirmo que ele me assaltou? Também não, pois eu poderia estar mentindo.

    Eis então a questão. A lei não tem como ser justa, porque é praticada por homens, e foi escrita por homens. Homens são falhos, fazem juízo de valor, têm preconceitos, são egoístas, etc. E se a justiça quer dizer equilíbrio, igualdade, e essas coisas, não poderá ser injusta ou desequilibrada.

    Então, aonde eu quero chegar com isso afinal de contas? Eu afirmo que Justiça verdadeira não existe, e por isso Sócrates teria se debruçado com seus amigos em cima da questão. Ele queria saber onde nasce a injustiça em uma república, e foi injusto já em seus julgamentos, provando ser a justiça plena algo intangível.
    ResponderExcluir
  7. A injustiça nasce no ser humano, porque ele sempre fará aquilo que é justo segundo sua ótica. Lógico que no que tange à legislação de um país, há uma prévia aceitação tácita de uma maioria popular. Mas, será que as pessoas concordam mesmo com todas as leis existentes? Será que elas concordam com a maioria das leis? Será que se pudessem não fariam uma alteração aqui e outra ali, conforme lhes aprouvesse?

    Você é idealista não só por acreditar que Justiça exista ou que possa existir, mas por acreditar que a justiça dos homens possa ser Justa de verdade.

    A maioria das pessoas não pensa igual a mim, mas eu acho totalmente justo praticar a vingança, pagar na mesma moeda. Não vejo erro nenhum na reciprocidade constante de ações. E no que dependesse de mim, esta seria uma boa foma de justiça. Mas, isso quer dizer que eu mataria alguém que matasse uma pessoa que eu amo, e para uma boa parte da população isso é inaceitável, e provavelmente os pais do assassino também não aprovariam minha opinião. E se dependesse da minha opinião, qualquer lei que proibisse a vingança teria que ser alterada.

    Pelo que conheço de você, inclusive, você repudia este pensamento, não é? Mesmo assim, para mim é algo justo. Então vemos que a concepção de justiça de um ser humano para o outro é totalmente diversa, subjetiva. Isso mostra que se eu fosse um legislador, procuraria modificar as leis neste sentido, enquanto você provavelmente faria o oposto.

    Por isso, digo e repito, a Justiça plena, completa, não existe. A justiça praticada pelos homens sempre foi falha e sempre será.
    ResponderExcluir
  8. CONCEITO DE JUSTIÇA

    Sentido Restrito - justiça é a constante e perpétua vontade de conceder o direito a si próprio e aos outros, segundo a igualdade. É, portanto, virtude subjetiva.

    Sentido Moral - significa o respeito que há em cada um de dar a outro aquilo que é seu¹

    Não conheço melhor definição para justiça que essa. Mas é preciso que entenda que uma coisa não anula outra, por isso é possível que exista a injustiça. Seu significado - sendo o mais objetivo possível, é que é a ausência da justiça. A injustiça sempre será injusta, mesmo que todo mundo a cometa, mesmo que os fins justifiquem os meios (?) È essa uma das verdades absolutas que defendo. Há uma citação de Montesquieu que aprecio bastante: “ A injustiça que se comete a um, é uma ameaça que se faz a todos”.

    Por essa razão, é fundamental a eterna vigilância: de seus próprios atos, e também, dos alheios. Por esse motivo, não concordo que exista diferença entre a fala e ação, uma vez que uma é conseqüência da outra. A ação nada mais é do que uma reação daquilo anteriormente combinado, portanto, a fala é normativa.

    Sobre a criação e aplicação das leis, entenda, não há diferenciação entre homens. A lei é igual, estando em exceção, específicos casos, como o foro privilegiado. Mas, em todos os outros, há o acesso à justiça, que é um direito expresso em nossa Constituição: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça ao direito”. [Art. 5°, XXXV] Este princípio fundamental pressupõe a possibilidade de que todos, indistintamente, possam pleitear as suas demandas junto aos órgãos do Poder Judiciário, desde que obedecidas às regras estabelecidas pela legislação processual para o exercício do direito. Há regras, e essas regras não são exclusivas. Porém, sabemos que nem todo mundo tem acesso a esse tipo de informação, uma vez que poucos têm entendimento do que seja um exercício pleno de cidadania, além, claro, de indivíduos que, por própria vontade, optam por viver a margem da sociedade, tendo como conseqüência, seus direitos limitados. E não é justo que seja assim?
    ResponderExcluir
  9. “Se não houver provas físicas que evidenciem o assalto ocorrido, será a minha palavra contra a dele. Sem provas, nenhum juiz irá condená-lo. Mas ele fez o assalto. É justo que ele fique solto e não tenha qualquer punição, só porque eu não tenho como provar? Do meu ponto de vista, não será justo. E é justo que ele seja condenado sem provas, apenas porque eu afirmo que ele me assaltou? Também não, pois eu poderia estar mentindo.”


    Nem todas as provas são físicas, há, na falta dela indícios de provas, testemunhos, e existe também uma varredura da vida dos envolvidos. Apesar de ser subjetiva, a ciência do direito observa alguns procedimentos. Claro que não é justo que um homem fique solto, apesar de ter cometido um crime. E muito mais grave seria se um homem fosse condenado injustamente. Por isso vejo justiça na sentença: “In dubio pro reo”


    Em todos os casos, temos nossos representantes legais, que tentará nos fazer justiça. O exemplo que colocou me deixou um tanto confusa, e não entendi até agora a intenção, corrija-me se estiver errada, ok? Sugeriu que, num caso de assalto, o justo é que o julgador seja a vítima? Mas aí estaria negando ao acusado seu pleno direito a defesa. E mesmo que comprovadamente culpado, há a possibilidade de atenuantes, e não seria justo negar-lhes esse direito. Será que alguém já se colocou na posição do acusado? Gostaria de correr o risco de ter cerceado o seu direito? A imagem que me vem a mente é num tribunal, o acusado frente ao juiz que é também seu algoz. Esse tipo de situação não remete a justiça, e me dá calafrios, o que me faz, ter a sensação que meu pensamento esteja bastante equivocado.

    Mas, voltando a minha pergunta anterior “Será que alguém já se colocou na posição do acusado? Gostaria de correr o risco de ter cerceado o seu direito? “, a resposta é fácil de ser obtida: sim, alguém já se colocou nessa posição, exatamente por defender o principio da imparcialidade.

    Enquanto humanos, somos imperfeitos, e erramos. Erramos o tempo todo, mas, enquanto educadora, entendo o erro enquanto tentativa de acerto. Mas, ele existe não se pode negar, e precisará ser corrigido. Por isso que a lei tem o sentido mais amplo. Antes de ser punitiva, ela é educativa. Nesse caminho, há relatados casos de erros de julgamento, e pessoas culpadas são inocentadas, e o seu agravante também existe que é quando um inocente é condenado. Nada pode ser mais injusto. Por conta de casos isolados, por mais tristes e vergonhosos, não se pode negar que houve, ao menos, a intenção do que era correto. Erros são terríveis, mais, nasceram, todos eles, no desejo do acerto. È essa minha maior convicção. Talvez seja essa fé que me faz alguém idealista, não é?

    Enquanto participante de uma sociedade, me submeto às regras. Não é relevante que eu goste das regras impostas, e sim, que as siga. Isso porque o código de leis não é algo individualizado. Mas, se percebo em alguma lei algum prejuízo pessoal, posso ir em busca de reparação. A lei me garante esse direito.
    A injustiça nasce no ser humano, mas a justiça também. E por isso não concordo com o revide, com a vingança. Por exemplo, considero a aplicação da pena capital uma Ode à barbárie, a prática legitimada da vingança, e você, pelo pouco que me conhece, sabe que repudio esse tipo de coisa.

    Acredito que não seríamos bons legisladores. Imagino que um seria extremamente rígido, enquanto o outro, quase permissivo. Mas, se ainda assim fossemos, não estaríamos sozinhos nisso, e nossa sociedade não correria maiores riscos... ;)

    Em um ponto concordamos: não existe a justiça plena. E talvez nunca será. Talvez seja um ideal a ser alcançado, ou talvez, eu esteja enganada. (Tomara!)





    SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais.¹
    ResponderExcluir
  10. Será que alguém já se colocou no lugar do acusado?

    Posso dizer que certamente alguém já deve ter tentado, mas, estou certo de que não foi com eficácia. A Empatia é uma tentativa ineficiente de se sentir como o próximo, quando na realidade você avalia a situação do próximo sempre segundo a sua própria convicção pessoal. Mesmo que alguém queira muito entender pelo que eu esteja passando, certamente esta pessoa não terá capacidade para compreender minha situação segundo os meus sentimentos, porque o sentimento é algo subjetivo, interno e muito relativo entre os indivíduos.

    Talvez por não ter lido Montesquieu, por exemplo, eu possa ter uma visão limitada do assunto. Mas, se pelo menos você admite que não existe justiça plena, como fez no fim de sua tréplica, já me sinto orgulhoso de ter um sucesso parcial nesta empreitada. Para mim, o simples fato de a justiça não ser plena a torna injusta, porque não é possível admitir a possibilidade de que algo seja "meio-justo". Se justiça é equilíbrio, ou existe ou não existe. Mas esta é, conforme sabemos, a minha opinião, e como já disse, é subjetiva.

    Eu também estava certo quanto a pensar que você não concordaria comigo a respeito da lei favorecer a vingança. E usei este exemplo propositadamente, é claro. Você diz que acharia um absurdo tal atitude, e muita gente concorda com você. Mas, veja que injusta é a vida! Eu penso o oposto. Acho que a vingança é a melhor forma de punição justa que existe. E se tem alguém que seria capaz de aplicar uma punição justa para alguém, segundo minha concepção, esta pessoa é a vítima. Mas, você pensa totalmente diferente de mim, e isso mostra o quanto é subjetiva a justiça. Você não acha?

    Com respeito à lei escrita, que você citou novamente, devo dizer algo importante: É injusta. Não só em essência, mas em aparência. Se tem algo injusto é que a lei seja escrita com linguagem jurídica complexa e dificulte a compreensão de pessoas sem conhecimento jurídico. Se a lei fosse para todos, seria escrita em linguagem formal, porém, de simples leitura. A necessidade que os homens tiveram de inventar a linguagem jurídica mostra que eles de fato não queriam que todos tivessem acesso a estas leis. E não há obrigação por parte de um lavrador do campo em saber o significado da palavra "jurisprudência", por exemplo. Ele não usa isso no seu dia-a-dia. Você não acha injusto, por exemplo, que pessoas sem estudo na área não consigam compreender a lei pelo simples fato de que alguém achou interessante escrevê-la de forma complexa ao entendimento?

    Mas, o foco não é este. Para mim a lei escrita é subjetiva e sempre será. E sendo subjetiva, pode ser justa do ponto de vista individual, mas será sempre injusta do ponto de vista coletivo. Então, prosseguindo...
    ResponderExcluir
  11. "A injustiça nasce no ser humano, mas a justiça também."

    Este pensamento só pode ser correto se você estiver admitindo isto no sentido subjetivo. A justiça existe do homem para si mesmo. O senso de justiça de uma pessoa é determinado pelas opiniões que ela carrega e pelas experiências que ela teve. Como acredito que você saiba, toda experiência é subjetiva, porque o que vemos, sentimos ou ouvimos é subjetivo, é íntimo. Nós nunca vemos o objeto, e sim a nossa interpretação do objeto.

    Hegel estava errado ao dizer que o "O Objeto é a autêntica verdade". E isso foi comprovado pela ciência mais tarde, embora haja certa relutância em concordarem com isso. O objeto, que neste nosso caso é a Justiça, não é a autêntica verdade. A verdade para cada um de nós é a nossa percepção de justiça, e que, como vimos aqui, é totalmente diversa de uma pessoa para a outra.

    O consenso pode existir como contrato social. Afinal, como eu mesmo afirmei em outro debate, os seres humanos precisam ter contratos, formais ou informais, onde haja convergência de interesses para poder conviver em sociedade de forma harmoniosa. E mesmo com a existência desses contratos ainda é difícil manter a harmonia, porque a divergência existe e sempre existirá. Enquanto uns preferem roxo outros gostam mais de amarelo, não é mesmo? Mas, isso não impede que as pessoas vivam harmoniosamente, pois basta que elas aceitem conviver com a divergência alheia e convergir naquilo que lhes interessa.

    Por isso, quando você diz que a justiça nasce no ser humano tal qual a injustiça, me parece mais que idealismo. Soa, para mim, como se você tivesse uma compreensão pouco holística da sociedade. O comportamento humano, de forma genética, tende ao egoísmo, que é o princípio da injustiça. Ninguém está geneticamente disposto a pensar no próximo como pensa em si mesmo, embora seja possível alterar esta natureza ainda quando criança, com a construção da personalidade e a imposição de conceitos sociais abstratos, como a própria justiça, o amor ao próximo, e este tipo de coisa. A gente aprende a querer ser justo, mas quando somos muito pequenos somos egoístas e normalmente não nos importamos com a injustiça alheia. E isso você disse bem no início do debate, de que nós nos preocupamos com a justiça somente quando nosso direito é ferido, o que me faz achar difícil compreender seu raciocínio.

    O que talvez você esteja dizendo, ainda que de forma aparentemente confusa, é que os homens tentam alcançar a justiça de forma sincera. Se for isso, então concordamos. De fato acho que a maioria das pessoas é idealista e espera mesmo alcançar a justiça, porque a justiça plena é algo ainda intangível, mas almejado desde os tempos mais remotos. Sócrates queria descobrir o real sentido de justiça, aquilo que realmente ela é. Embora seu exercício tenha fracassado, ele tentou, e por isso foi um grande idealista. Mas, com o diferencial de que ele próprio admitiu ter fracassado na busca pela justiça, enquanto a maioria dos homens continua tentando.

    Visto que nada mais tenho a dizer, encerro aqui minha participação.

    Grato pelo debate, Roger D'André.
    ResponderExcluir
  12. Sim, alguém já se colocou, e por isso seus direitos foram preservados. Como também há aqueles que fiscalizam se de fato, esses direitos não são cerceados, quando em situações específicas, vide o exemplo da Comissão dos Direitos Humanos. Pessoas questionam que “bandido bom, é bandido morto”, esquecendo que no país a pena capital não é mais aplicada.

    A empatia é importante, mas não é primordial, uma vez que toda ação é julgada apesar da convicção pessoal dos envolvidos. È um importante “duelo” o da ética da convicção versus a ética da responsabilidade, onde a sociedade, com auxílio da lei, é a maior beneficiada.

    Eu um dia sonhei em abraçar essa profissão, e Montesquieu, dentre outros, foi uma constante inspiração. Vejo beleza na construção e reconstrução humana, o erro sendo utilizado enquanto aprendizado e experiência para que numa próxima tentativa, o acerto seja o único resultado.

    Quando afirmo que a justiça não é plena é por saber que é humanamente impossível que todos sejam contemplados ao mesmo tempo, por esse direito, mas, quando ela funciona, é inteiramente justa. A justiça é equilíbrio quando colocada em prática. Mas, para que isso ocorra não se pode esperar passivamente. A justiça, bem como a injustiça, é de responsabilidade coletiva.

    Não vejo justiça na vingança. E nem aprendizado, muito menos, bondade. Para mim, é uma violência injustificável, algo que diminui o homem enquanto animal racional. Marquês de Maricá afirmou certa vez: "A vingança não diminui o mal sofrido, só ocasiona repetidas vezes danos ainda maiores." E há também essa citação de Gandhi, que é uma de minhas personalidades preferidas: “Olho por olho e o mundo acabará cego”. Há algumas semanas, na Folha de São Paulo sua matéria de capa era algo chocante: cinco enforcados em praça pública. A coisa era tão “organizada” que utilizaram guindastes. Isso, no Irã. Há outros países com essa mesma mentalidade, onde é comum ladrões serem mutilados. Por acaso considera isso justo?

    E não acho que a justiça seja subjetiva. Ao menos, não o tempo todo. Ela é, em essência objetiva, já que procura agir acima das parcialidades. È essa condição fundamental da justiça aristotélica.
    ResponderExcluir
  13. Concordo com você sobre a dificuldade na interpretação da lei, especialmente num país de poucos e maus leitores. Acredito que a Língua deveria ser mais acessível, e que todos os textos obedecessem ao único critério que é facilitação da mensagem.

    Sobre sua opinião sobre Hegel, é algo que não poderei me manifestar por quase nada conhecer sobre o pensador. Mas, sobre sua fala sobre meu idealismo ser maior que meu conhecimento holístico, afirmo que está enganado. Acredito que minha compreensão do todo é que me faz crer naquilo que afirmo. Lembre-se, trabalho com educação, e minha clientela são crianças, são eles um laboratório vivo. Como não ter consciência do poder de mudança?

    Não creio que meu discurso tenha sido confuso, apenas sou partidária do “caminho do meio”, recurso esse defendido por Aristóteles, que busca uma Ética do Possível, que não desrespeite a paixões humanas e que as oriente ao caminho da ponderação até a maturidade racional do equilíbrio. Sócrates já pensava diferente, e pelo que percebo, você tem maior simpatia por esses pensamentos.

    Conceitos como Ètica, Moral e Justiça, não são absolutos. Mas são estruturações que cada pessoa, de forma íntima e diária, constrói e reconstrói. Sua assimilação, é, portanto, subjetiva. E foi isso que interpreto ao fim desse debate: chegamos num impasse, onde cada um ciente de seus posicionamentos atribui aquilo como verdade absoluta. Ao menos, de nossa pare, não houve uma violência retórica, a ponto de exigir que o outro “engula’ suas certezas, até porque, sabemos que ninguém as têm, não é mesmo?

    Bom, chegamos ao final desse debate, com a sensação de que há muito a ser dito, mas, obedecendo as regras, preciso finalizar. Por essa razão, espero contar que nossos leitores contribuam nessa importante reflexão.

    E no mais, quero publicamente agradecer ao meu oponente por mais uma vez me propiciar um exercício cordial e enriquecedor.


    Grata pela conversa,

    R.

13 comentários:

  1. Justiça

    Há muito tempo que o homem tenta definir aquilo que é a Justiça.

    Juridicamente, podemos chamar de justo aquilo que a lei determina, e seguir a lei é simplesmente estar do lado da justiça. Mas, será que esta é uma definição profunda e verdadeira do termo? Será que a lei, como qualquer coisa criada pelo homem, não pode ser imperfeita e, portanto, injusta?

    Se o homem é imperfeito, e isso todos sabem que é, pode-se presumir então que ele também é incapaz de criar leis que sejam justas para todos, ou para todos os contextos. Além disso, sabe-se que o homem é egoista, não em um sentido pejorativo do termo, mas no sentido próprio, pois se preocupa muito mais com aquilo que ele julga correto do que com aquilo que pode ser correto para os outros.

    Assim sendo, deve-se admitir que a Lei é falha, como tudo aquilo que o homem faz, e deve-se admitir que a Lei também pode ser egoista, pois foi criada por homens egoistas. Então, esta Lei só é correta dentro de um princípio pessoal e individual, mas não é válida para o contexto geral.

    Uma lei, seja qual for, só seria válida como Justa em uma sociedade se e quando todos os homens naquele lugar, por unanimidade, estivessem em comum acordo com ela. Então seria necessário, para toda lei, um plebiscito, e para que esta lei fosse aprovada com Justiça, seria necessário que houvesse aprovação por todos, e não apenas pela maioria ou por uma elite minoritária.

    Considero, então, que justo é aquilo que serve para todos. Se algo é válido para a maioria ou para alguns, não é justo para todos e, não sendo justo para todos, não é justo de forma nenhuma.

    Alguns podem alegar que a democracia é a maior aproximação da justiça, mas então terei que questionar se estar mais próximo é relacionado a quantidade ou à qualidade do que se deseja. Quer dizer, então, que o fato de agradar a maioria é mais justo do que agradar a minoria? E se a maioria estiver errada em uma decisão, e se esta decisão prejudicar as minorias ou se esta decisão prejudicar a toda a sociedade, ela será ainda assim uma decisão mais próxima da justiça? Se uma decisão tomada por um minoria, porém, for benéfica para todos, ainda que a maioria não concorde, ela não estará mais próxima da justiça só porque foi tomada por uma minoria?

    Nota-se aí que a quantidade não interfere diretamente na qualidade final do produto. O resultado esperado independe da quantidade de pessoas que estão de acordo com o processo. E o resultado esperado também não interfere no resultado real.

    E então, voltamos ao ciclo anterior.

    Se justiça é aquilo que beneficia a todos, e não somente a maioria, ficamos em um novo dilema. De um lado, temos que as decisões nunca serão unânimes, ou pelo menos não o serão na maior parte das vezes. E não sendo unânimes, alguém sempre ficará insatisfeito. Agora, se uma decisão não unânime puder ainda assim beneficiar a todos, ela ainda não será uma decisão justa, por que ainda que beneficie a todos, por não ter sido unânime, alguém não irá concordar com ela.

    A pergunta final, então, é: Existe justiça?

    ResponderExcluir
  2. Afinal, o que é justiça?

    Do latim, iustitia. De forma abrangente, refere-se a igualdade de todos os cidadãos. Princípio básico de uma sociedade organizada, e já respondendo sua pergunta, sim, a justiça existe.

    Existe como conceito coletivo - mesmo através de uma idéia abstrata, definição jurídica e aplicação prática. Enquanto conceito coletivo ela pode estar relacionada a uma disposição divina, onde a premiação e condenação dos atos são atribuídas conforme seu comportamento individual. Ela também observa aspectos culturais, observando o senso comum, variavelmente obedecendo ao consenso sobre o que a sociedade entende sobre o que é bem e aquilo que é mal.

    Porém, justiça é aquilo que deve fazer de acordo com o direito, a razão e a equidade. Para que ela seja colocada em prática, é preciso que a sociedade seja regida por um código de leis, uma vez que é o Estado que vai garantir que a falta de outrem seja punida, esta, através do julgamento, obedecendo todas as leis vigentes.

    Em Brasília, em frente ao Supremo Tribunal Federal há uma bonita escultura de Alfredo Ceschiatti com a representação comum do que abrange esse conceito: é a deusa romana Iustitia, sentada, tendo no colo, uma espada. A simbologia é assim explicada: os olhos vendados faz entender que ela é imparcial, e que tem a intenção de nivelar o tratamento jurídico, sem nenhuma distinção. È a clara representação que todos são iguais perante a lei. Já a espada simboliza a força que impõe o direito, este, obtido através da razão. È a minha representação preferida, apesar de quase sempre optar pelo simbolismo grego.

    E há também, aquilo que Aristóteles diz sobre o tema. E por imaginar que conheça a obra desse fundamental pensador, entendo seus questionamentos. Na visão aristotélica a justiça é a lei. E o descumprimento da lei, torna qualquer um, injusto, abalando a ética coletiva. Cabe lembrar que a justiça aristotélica é fundada na ética e na virtude, sendo assim, na consciência moral de cada um. E é por perceber que a sociedade não comunga de posicionamentos coletivos é que temos a impressão que a justiça não existe. A sociedade está contaminada por comportamentos egoístas e permissivos. Só exigimos justiça quando percebemos nosso direito ameaçado, e isso não é uma realidade apenas nesse aspecto social. Precisamos nos posicionar como (bons) cidadãos.

    ResponderExcluir
  3. Apesar de ser uma construção humana, não acredito que ela seja falha, uma vez que na elaboração do nosso código de leis, os juristas não tem compromisso com o erro. Foram pessoas que dedicaram, em tese, sua vida na construção e manutenção de uma sociedade mais igual. Aquilo que foi registrado, julgado e aprovado foi analisado por nossos representantes legais. Mas, às vezes, descobrem-se equívocos. O erro é uma conseqüência humana, mesmo que não intencional, mas, quando é notado, há sempre a devida correção. Isso sem mencionar as adaptações da lei que seguem o curso natural da sociedade.

    Mas isso não significa dizer que ela agradará a todos. A justiça não trata de unanimidade. Um exemplo recente foi o julgamento no STF sobre o aborto em fetos anencéfalos. Não houve unanimidade na decisão, mas houve uma maioria. E essa maioria prevalece. E mesmo prevalecendo a vontade da maioria, cada indivíduo pode pedir um julgamento particular, onde será analisado suas especificidades. Todo cidadão têm garantido esse direito, fazer ou não uso dele, é uma prerrogativa pessoal.
    Aqueles que alegam ser a democracia aquilo que melhor se aproxima da justiça, só tenho a dizer que estão errados, uma vez que até em estados pouco democráticos, a justiça é concebida. Mas, não vou ao menos por enquanto, me prender nesse assunto, se existir a necessidade, volto ao tema.

    Em seu texto você disse que “... que o fato de agradar a maioria é mais justo do que agradar a minoria? E se a maioria estiver errada em uma decisão, e se esta decisão prejudicar as minorias ou se esta decisão prejudicar a toda a sociedade, ela será ainda assim uma decisão mais próxima da justiça...” e aqui elucido que atribuiu o conceito de democracia no de justiça, e tentarei explicar a diferença: em qualquer regime político a democracia é muito mais do que uma vontade da maioria. É atribuição do Estado agir de acordo com a vontade da maioria do povo, colhida de maneira direta através de plebiscitos e eleições ou de maneira indireta (pelo sistema representativo), mas desde que respeitados os direitos da minoria. Nunca será democrático que, numa sociedade com maioria de, por exemplo, corintianos, seja proibido a presença de outros torcedores, bem como a distinção de culturas, credos e etnias. Não seria essa hipotética sociedade um exemplo de democracia, e sim, de despotismo.

    Segundo Hugo Mazzilli um dos direitos que são assegurados as minorias, está o de poderem existir, o de dissentir e exprimir sua dissensão. De verem-se representadas nas decisões que interessem a toda a sociedade, além do direito de fiscalizar de maneira efetiva a maioria, e o de, eventualmente, um dia tornarem-se maioria. E é essa a real concepção daquilo que é justo, ético, direito.
    Tudo isso é muito bonito, inspirador, poético...

    Mas, passei da idade de me deixar deslumbrar pelo que diz a lei, quando confrontada com a dura realidade. Uma realidade onde poucos conhecem seus direitos, e que menos ainda são aqueles que cumprem, enquanto cidadãos, de seus deveres. Por isso achei tão importante o tema levantado, e gostaria de ter com você, idéias de como mudar essa realidade, a ponto de poder ver experimentado aquilo que pessoas como Aristóteles um dia defendeu por ideal.

    No aguardo, despeço-me.

    ResponderExcluir
  4. "... gostaria de ter com você, idéias de como mudar essa realidade, a ponto de poder ver experimentado aquilo que pessoas como Aristóteles um dia defendeu por ideal." (Roberta)

    Bem, acho que será muito difícil. Sinto que não fui suficientemente profundo na elaboração do meu questionamento primário. E como você deve saber, sou um negativista e praticamente repudio o idealismo. Não acredito que a idealização de Aristóteles sobre Justiça seja algo tangível pela humanidade.

    Primeiro porque, como defendi em outro debate, o ser humano é naturalmente egoísta. Esta natureza pode ser alterada, obviamente, mas sua alteração é um processo complexo e muito demorado, e ainda assim pouco eficaz.

    Mas, assim como você, utilizei a definição original que determina a Justiça como a igualdade de todos os cidadãos. A diferença é que você usa isso apenas como ponto de partida, e eu penso que esta deveria ser a verdadeira justiça. De resto, nenhuma das definições que apresento estão de acordo com o que penso, apenas as coloco para enunciar as diferentes opiniões a respeito do termo.

    Há pessoas que veem na democracia a justiça, só que a democracia é, na prática, a força da maioria. Isso, é claro, no que diz respeito às escolhas e decisões. Embora seja permitida a existência das minorias em um sistema democrático, é inegável que elas não tenham a mesma força e as mesmas possibilidades que a maioria tem. E em minha opinião, a democracia é pragmaticamente uma grande forma de injustiça, não necessariamente se formos levar a definição real do termo, que é apenas a liberdade de expressão de todos em igualdade, mas se levarmos em conta a aplicação prática, que talvez seja a única aplicação possível.

    Agora, quanto ao ser humano ser falho e egoísta, preciso enunciar novamente a importância que isso tem neste debate, já que você mesma mencionou a Lei no sentido jurídico do termo.

    Se levarmos em conta cultura humana e o comportamento humano do ponto de vista genético, a lei pode ser talvez uma das coisas mais falhas do mundo, sendo assim, então, algo injusto.

    Não há como existir algo meio justo, ou parcialmente justo, ou mesmo algo que seja justo para um enquanto é injusto para o outro. O conceito de justiça é exatamente o de ser igual, equilibrado, e repousa no princípio de que DEVERIA ser um valor imutável. Mas na prática o ser humano jamais atingiu este conceito em sua totalidade. A estátua que representa a Justiça com os olhos cegos é um arquétipo perfeito, mas não é tangível. Ninguém é realmente imparcial, e a lei escrita pelos homens é justamente falha por este motivo.

    A parcialidade é inevitável, embora possa ser ocultada. Mesmo que suas palavras possam expressar neutralidade em uma questão, dentro de você o pensamento sempre penderá para um dos dois lados da balança. E sobretudo em questões morais, que são culturais, a Lei pode falhar, deixando então de representar a Justiça plena.

    Na elaboração do nosso código de leis, os juristas são humanos falhos, como eu e você, e sempre irão, ainda que inconscientemente, imprimir no papel aquilo que eles pensam ser correto, mesmo que o conceito não seja universal. E assim, transformam a Justiça em algo totalmente subjetivo, de foro íntimo, tomando como justo aquilo que é justo para si, e não para todos.

    Reelaborando meu raciocínio, diria que a Justiça é o equilíbrio, aquela que tem apenas um peso e uma medida. E certamente, de forma ideal, ela precisa ser imutável, longe das distorções que o homem possa causar. E sendo a justiça o equilíbrio, não poderá pender. A metáfora da balança a meia altura é uma figura perfeita para expressar o que penso sobre a Justiça Suprema. E, por outro lado, a figura da balança com um lado mais baixo que o outro representa exatamente aquilo que é a justiça DOS HOMENS, que é desequilibrada.

    Então, você ainda pensa que existe Justiça?

    ResponderExcluir
  5. Está enganado, Roger, não foi difícil. Com sua aparente negativa já conseguiu me ajudar em alguns pontos. No que tange ao idealismo, tenho por obrigação profissional manter essa espécie de fé no indivíduo, mas sou também uma pessoa prática e objetiva.

    È notório que discordamos sobre a essência humana. Schopenhauer não seria minha melhor referência sobre a índole do homem, preferindo citar Rousseau, ou até mesmo, Aristóteles. Acredito que a forma que enxergamos o homem, reproduziremos esse olhar na sociedade. E é por isso que reafirmo minha crença na justiça.

    A Lei não pode ser falha. Mas, se alguém sente que foi por ela prejudicado, cabe ir em busca dessa reparação. E é também aqui que percebo a justiça.

    Mas acho que entendi seu ponto de vista. No livro “Tratado da lei”, Tomás de Aquino, afirmou que as leis dadas pelos homens são justas se obedecerem três condições:

    Razão do seu fim – devem dirigir-se ao bem comum;
    Razão do seu autor – não podem ultrapassar o poder de quem as institui;
    Razão da sua forma -é fundamental que sejam igualitárias.

    E podem ser consideradas injustas se elas se opõem ao bem humano, que é a violação de qualquer um dos itens por ele levantado.

    Porém, no campo legal, compactuo da idéia de Montesquieu: não existem leis injustas. O legislador observa a realidade social e histórica e monta uma prévia que será abalizada por seus pares. Não é uma observação isolada, não é uma ação arbitrária. Porém, concordo que se observam discrepâncias em nosso Código Civil, e a isso se justifica pelo movimento dinâmico da sociedade, que, de forma mais lenta, a lei tenta acompanhar. Um exemplo dessa mudança é o direito garantido aos casais homossexuais. Portanto, o que se conclui é que as leis não são injustas. O que pode acontecer é que há algumas mais, outras menos adequadas a um determinado povo, época ou lugar.

    Se a parcialidade pode ser ocultada, ela por si mostrou ser praticável. A sua opinião não é relevante frente a provas e indícios. E é isso que conta quando uma ação é julgada. E discordo que a justiça seja imutável. Ela precisa ter brechas, para que haja adequações observando a realidade humana, que é cíclica. Há discordâncias de pensamentos. Isso me torna uma incorrigível idealista, e nesse momento, acho que estou em vantagem: é maravilhoso atribuir responsabilidades a nossas próprias ações, e perceber suas conseqüências. È isso que dá sentido a vida.

    ResponderExcluir
  6. Se a Justiça for como a definição de si própria, sendo igual para todos os cidadãos, então continuo sem entender onde você quer chegar com suas colocações.

    Veja que escrevo Justiça, com J maiúsculo, e há um motivo para isso. Considero que há diferença entre a fala e a ação, e isso sempre existirá. Como foram os homens que definiram o termo "justiça", creio que caberia a eles próprios colocar este termo de forma prática, sendo então aplicável e tangível. Não é isso o que acontece.

    Quando afirmo que o ser humano é parcial e que muitas vezes apenas oculta esta faceta, refiro-me ao que é aparente. E você sabe que embalagem não é conteúdo. Parecer imparcial não é ser imparcial. Aos olhos externos é possível disfarçar sua parcialidade, mas internamente, pra você mesmo, não. Por isso, nas relações humanas a imparcialidade é apenas embalagem enquanto a parcialidade é conteúdo, é essência.

    Ademais, será que a Lei é mesmo justa, como afirma que é? É justo um terceiro julgar algo que ele não vivenciou? Pensemos pelo lado humano da questão. O ser humano sempre pensa na justiça quando seu direito é inferido, o que aliás você mesma disse. Se a lei pode punir um homem inocente, e sabemos que ela pode, então não pode ser justa. Se a lei pode deixar de punir um homem culpado, então não pode ser justa. E do ponto de vista prático, a justiça acaba se tornando totalmente subjetiva.

    Se eu sofri um assalto a mão armada, eu sei que sofri. Caso eu registre queixa contra o assaltante ele será indiciado e sofrerá processo. Se não houver provas físicas que evidenciem o assalto ocorrido, será a minha palavra contra a dele. Sem provas, nenhum juiz irá condená-lo. Mas ele fez o assalto. É justo que ele fique solto e não tenha qualquer punição, só porque eu não tenho como provar? Do meu ponto de vista, não será justo. E é justo que ele seja condenado sem provas, apenas porque eu afirmo que ele me assaltou? Também não, pois eu poderia estar mentindo.

    Eis então a questão. A lei não tem como ser justa, porque é praticada por homens, e foi escrita por homens. Homens são falhos, fazem juízo de valor, têm preconceitos, são egoístas, etc. E se a justiça quer dizer equilíbrio, igualdade, e essas coisas, não poderá ser injusta ou desequilibrada.

    Então, aonde eu quero chegar com isso afinal de contas? Eu afirmo que Justiça verdadeira não existe, e por isso Sócrates teria se debruçado com seus amigos em cima da questão. Ele queria saber onde nasce a injustiça em uma república, e foi injusto já em seus julgamentos, provando ser a justiça plena algo intangível.

    ResponderExcluir
  7. A injustiça nasce no ser humano, porque ele sempre fará aquilo que é justo segundo sua ótica. Lógico que no que tange à legislação de um país, há uma prévia aceitação tácita de uma maioria popular. Mas, será que as pessoas concordam mesmo com todas as leis existentes? Será que elas concordam com a maioria das leis? Será que se pudessem não fariam uma alteração aqui e outra ali, conforme lhes aprouvesse?

    Você é idealista não só por acreditar que Justiça exista ou que possa existir, mas por acreditar que a justiça dos homens possa ser Justa de verdade.

    A maioria das pessoas não pensa igual a mim, mas eu acho totalmente justo praticar a vingança, pagar na mesma moeda. Não vejo erro nenhum na reciprocidade constante de ações. E no que dependesse de mim, esta seria uma boa foma de justiça. Mas, isso quer dizer que eu mataria alguém que matasse uma pessoa que eu amo, e para uma boa parte da população isso é inaceitável, e provavelmente os pais do assassino também não aprovariam minha opinião. E se dependesse da minha opinião, qualquer lei que proibisse a vingança teria que ser alterada.

    Pelo que conheço de você, inclusive, você repudia este pensamento, não é? Mesmo assim, para mim é algo justo. Então vemos que a concepção de justiça de um ser humano para o outro é totalmente diversa, subjetiva. Isso mostra que se eu fosse um legislador, procuraria modificar as leis neste sentido, enquanto você provavelmente faria o oposto.

    Por isso, digo e repito, a Justiça plena, completa, não existe. A justiça praticada pelos homens sempre foi falha e sempre será.

    ResponderExcluir
  8. CONCEITO DE JUSTIÇA

    Sentido Restrito - justiça é a constante e perpétua vontade de conceder o direito a si próprio e aos outros, segundo a igualdade. É, portanto, virtude subjetiva.

    Sentido Moral - significa o respeito que há em cada um de dar a outro aquilo que é seu¹

    Não conheço melhor definição para justiça que essa. Mas é preciso que entenda que uma coisa não anula outra, por isso é possível que exista a injustiça. Seu significado - sendo o mais objetivo possível, é que é a ausência da justiça. A injustiça sempre será injusta, mesmo que todo mundo a cometa, mesmo que os fins justifiquem os meios (?) È essa uma das verdades absolutas que defendo. Há uma citação de Montesquieu que aprecio bastante: “ A injustiça que se comete a um, é uma ameaça que se faz a todos”.

    Por essa razão, é fundamental a eterna vigilância: de seus próprios atos, e também, dos alheios. Por esse motivo, não concordo que exista diferença entre a fala e ação, uma vez que uma é conseqüência da outra. A ação nada mais é do que uma reação daquilo anteriormente combinado, portanto, a fala é normativa.

    Sobre a criação e aplicação das leis, entenda, não há diferenciação entre homens. A lei é igual, estando em exceção, específicos casos, como o foro privilegiado. Mas, em todos os outros, há o acesso à justiça, que é um direito expresso em nossa Constituição: “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça ao direito”. [Art. 5°, XXXV] Este princípio fundamental pressupõe a possibilidade de que todos, indistintamente, possam pleitear as suas demandas junto aos órgãos do Poder Judiciário, desde que obedecidas às regras estabelecidas pela legislação processual para o exercício do direito. Há regras, e essas regras não são exclusivas. Porém, sabemos que nem todo mundo tem acesso a esse tipo de informação, uma vez que poucos têm entendimento do que seja um exercício pleno de cidadania, além, claro, de indivíduos que, por própria vontade, optam por viver a margem da sociedade, tendo como conseqüência, seus direitos limitados. E não é justo que seja assim?

    ResponderExcluir
  9. “Se não houver provas físicas que evidenciem o assalto ocorrido, será a minha palavra contra a dele. Sem provas, nenhum juiz irá condená-lo. Mas ele fez o assalto. É justo que ele fique solto e não tenha qualquer punição, só porque eu não tenho como provar? Do meu ponto de vista, não será justo. E é justo que ele seja condenado sem provas, apenas porque eu afirmo que ele me assaltou? Também não, pois eu poderia estar mentindo.”


    Nem todas as provas são físicas, há, na falta dela indícios de provas, testemunhos, e existe também uma varredura da vida dos envolvidos. Apesar de ser subjetiva, a ciência do direito observa alguns procedimentos. Claro que não é justo que um homem fique solto, apesar de ter cometido um crime. E muito mais grave seria se um homem fosse condenado injustamente. Por isso vejo justiça na sentença: “In dubio pro reo”


    Em todos os casos, temos nossos representantes legais, que tentará nos fazer justiça. O exemplo que colocou me deixou um tanto confusa, e não entendi até agora a intenção, corrija-me se estiver errada, ok? Sugeriu que, num caso de assalto, o justo é que o julgador seja a vítima? Mas aí estaria negando ao acusado seu pleno direito a defesa. E mesmo que comprovadamente culpado, há a possibilidade de atenuantes, e não seria justo negar-lhes esse direito. Será que alguém já se colocou na posição do acusado? Gostaria de correr o risco de ter cerceado o seu direito? A imagem que me vem a mente é num tribunal, o acusado frente ao juiz que é também seu algoz. Esse tipo de situação não remete a justiça, e me dá calafrios, o que me faz, ter a sensação que meu pensamento esteja bastante equivocado.

    Mas, voltando a minha pergunta anterior “Será que alguém já se colocou na posição do acusado? Gostaria de correr o risco de ter cerceado o seu direito? “, a resposta é fácil de ser obtida: sim, alguém já se colocou nessa posição, exatamente por defender o principio da imparcialidade.

    Enquanto humanos, somos imperfeitos, e erramos. Erramos o tempo todo, mas, enquanto educadora, entendo o erro enquanto tentativa de acerto. Mas, ele existe não se pode negar, e precisará ser corrigido. Por isso que a lei tem o sentido mais amplo. Antes de ser punitiva, ela é educativa. Nesse caminho, há relatados casos de erros de julgamento, e pessoas culpadas são inocentadas, e o seu agravante também existe que é quando um inocente é condenado. Nada pode ser mais injusto. Por conta de casos isolados, por mais tristes e vergonhosos, não se pode negar que houve, ao menos, a intenção do que era correto. Erros são terríveis, mais, nasceram, todos eles, no desejo do acerto. È essa minha maior convicção. Talvez seja essa fé que me faz alguém idealista, não é?

    Enquanto participante de uma sociedade, me submeto às regras. Não é relevante que eu goste das regras impostas, e sim, que as siga. Isso porque o código de leis não é algo individualizado. Mas, se percebo em alguma lei algum prejuízo pessoal, posso ir em busca de reparação. A lei me garante esse direito.
    A injustiça nasce no ser humano, mas a justiça também. E por isso não concordo com o revide, com a vingança. Por exemplo, considero a aplicação da pena capital uma Ode à barbárie, a prática legitimada da vingança, e você, pelo pouco que me conhece, sabe que repudio esse tipo de coisa.

    Acredito que não seríamos bons legisladores. Imagino que um seria extremamente rígido, enquanto o outro, quase permissivo. Mas, se ainda assim fossemos, não estaríamos sozinhos nisso, e nossa sociedade não correria maiores riscos... ;)

    Em um ponto concordamos: não existe a justiça plena. E talvez nunca será. Talvez seja um ideal a ser alcançado, ou talvez, eu esteja enganada. (Tomara!)





    SANTOS, M. F. dos. Dicionário de Filosofia e Ciências Culturais.¹

    ResponderExcluir
  10. Será que alguém já se colocou no lugar do acusado?

    Posso dizer que certamente alguém já deve ter tentado, mas, estou certo de que não foi com eficácia. A Empatia é uma tentativa ineficiente de se sentir como o próximo, quando na realidade você avalia a situação do próximo sempre segundo a sua própria convicção pessoal. Mesmo que alguém queira muito entender pelo que eu esteja passando, certamente esta pessoa não terá capacidade para compreender minha situação segundo os meus sentimentos, porque o sentimento é algo subjetivo, interno e muito relativo entre os indivíduos.

    Talvez por não ter lido Montesquieu, por exemplo, eu possa ter uma visão limitada do assunto. Mas, se pelo menos você admite que não existe justiça plena, como fez no fim de sua tréplica, já me sinto orgulhoso de ter um sucesso parcial nesta empreitada. Para mim, o simples fato de a justiça não ser plena a torna injusta, porque não é possível admitir a possibilidade de que algo seja "meio-justo". Se justiça é equilíbrio, ou existe ou não existe. Mas esta é, conforme sabemos, a minha opinião, e como já disse, é subjetiva.

    Eu também estava certo quanto a pensar que você não concordaria comigo a respeito da lei favorecer a vingança. E usei este exemplo propositadamente, é claro. Você diz que acharia um absurdo tal atitude, e muita gente concorda com você. Mas, veja que injusta é a vida! Eu penso o oposto. Acho que a vingança é a melhor forma de punição justa que existe. E se tem alguém que seria capaz de aplicar uma punição justa para alguém, segundo minha concepção, esta pessoa é a vítima. Mas, você pensa totalmente diferente de mim, e isso mostra o quanto é subjetiva a justiça. Você não acha?

    Com respeito à lei escrita, que você citou novamente, devo dizer algo importante: É injusta. Não só em essência, mas em aparência. Se tem algo injusto é que a lei seja escrita com linguagem jurídica complexa e dificulte a compreensão de pessoas sem conhecimento jurídico. Se a lei fosse para todos, seria escrita em linguagem formal, porém, de simples leitura. A necessidade que os homens tiveram de inventar a linguagem jurídica mostra que eles de fato não queriam que todos tivessem acesso a estas leis. E não há obrigação por parte de um lavrador do campo em saber o significado da palavra "jurisprudência", por exemplo. Ele não usa isso no seu dia-a-dia. Você não acha injusto, por exemplo, que pessoas sem estudo na área não consigam compreender a lei pelo simples fato de que alguém achou interessante escrevê-la de forma complexa ao entendimento?

    Mas, o foco não é este. Para mim a lei escrita é subjetiva e sempre será. E sendo subjetiva, pode ser justa do ponto de vista individual, mas será sempre injusta do ponto de vista coletivo. Então, prosseguindo...

    ResponderExcluir
  11. "A injustiça nasce no ser humano, mas a justiça também."

    Este pensamento só pode ser correto se você estiver admitindo isto no sentido subjetivo. A justiça existe do homem para si mesmo. O senso de justiça de uma pessoa é determinado pelas opiniões que ela carrega e pelas experiências que ela teve. Como acredito que você saiba, toda experiência é subjetiva, porque o que vemos, sentimos ou ouvimos é subjetivo, é íntimo. Nós nunca vemos o objeto, e sim a nossa interpretação do objeto.

    Hegel estava errado ao dizer que o "O Objeto é a autêntica verdade". E isso foi comprovado pela ciência mais tarde, embora haja certa relutância em concordarem com isso. O objeto, que neste nosso caso é a Justiça, não é a autêntica verdade. A verdade para cada um de nós é a nossa percepção de justiça, e que, como vimos aqui, é totalmente diversa de uma pessoa para a outra.

    O consenso pode existir como contrato social. Afinal, como eu mesmo afirmei em outro debate, os seres humanos precisam ter contratos, formais ou informais, onde haja convergência de interesses para poder conviver em sociedade de forma harmoniosa. E mesmo com a existência desses contratos ainda é difícil manter a harmonia, porque a divergência existe e sempre existirá. Enquanto uns preferem roxo outros gostam mais de amarelo, não é mesmo? Mas, isso não impede que as pessoas vivam harmoniosamente, pois basta que elas aceitem conviver com a divergência alheia e convergir naquilo que lhes interessa.

    Por isso, quando você diz que a justiça nasce no ser humano tal qual a injustiça, me parece mais que idealismo. Soa, para mim, como se você tivesse uma compreensão pouco holística da sociedade. O comportamento humano, de forma genética, tende ao egoísmo, que é o princípio da injustiça. Ninguém está geneticamente disposto a pensar no próximo como pensa em si mesmo, embora seja possível alterar esta natureza ainda quando criança, com a construção da personalidade e a imposição de conceitos sociais abstratos, como a própria justiça, o amor ao próximo, e este tipo de coisa. A gente aprende a querer ser justo, mas quando somos muito pequenos somos egoístas e normalmente não nos importamos com a injustiça alheia. E isso você disse bem no início do debate, de que nós nos preocupamos com a justiça somente quando nosso direito é ferido, o que me faz achar difícil compreender seu raciocínio.

    O que talvez você esteja dizendo, ainda que de forma aparentemente confusa, é que os homens tentam alcançar a justiça de forma sincera. Se for isso, então concordamos. De fato acho que a maioria das pessoas é idealista e espera mesmo alcançar a justiça, porque a justiça plena é algo ainda intangível, mas almejado desde os tempos mais remotos. Sócrates queria descobrir o real sentido de justiça, aquilo que realmente ela é. Embora seu exercício tenha fracassado, ele tentou, e por isso foi um grande idealista. Mas, com o diferencial de que ele próprio admitiu ter fracassado na busca pela justiça, enquanto a maioria dos homens continua tentando.

    Visto que nada mais tenho a dizer, encerro aqui minha participação.

    Grato pelo debate, Roger D'André.

    ResponderExcluir
  12. Sim, alguém já se colocou, e por isso seus direitos foram preservados. Como também há aqueles que fiscalizam se de fato, esses direitos não são cerceados, quando em situações específicas, vide o exemplo da Comissão dos Direitos Humanos. Pessoas questionam que “bandido bom, é bandido morto”, esquecendo que no país a pena capital não é mais aplicada.

    A empatia é importante, mas não é primordial, uma vez que toda ação é julgada apesar da convicção pessoal dos envolvidos. È um importante “duelo” o da ética da convicção versus a ética da responsabilidade, onde a sociedade, com auxílio da lei, é a maior beneficiada.

    Eu um dia sonhei em abraçar essa profissão, e Montesquieu, dentre outros, foi uma constante inspiração. Vejo beleza na construção e reconstrução humana, o erro sendo utilizado enquanto aprendizado e experiência para que numa próxima tentativa, o acerto seja o único resultado.

    Quando afirmo que a justiça não é plena é por saber que é humanamente impossível que todos sejam contemplados ao mesmo tempo, por esse direito, mas, quando ela funciona, é inteiramente justa. A justiça é equilíbrio quando colocada em prática. Mas, para que isso ocorra não se pode esperar passivamente. A justiça, bem como a injustiça, é de responsabilidade coletiva.

    Não vejo justiça na vingança. E nem aprendizado, muito menos, bondade. Para mim, é uma violência injustificável, algo que diminui o homem enquanto animal racional. Marquês de Maricá afirmou certa vez: "A vingança não diminui o mal sofrido, só ocasiona repetidas vezes danos ainda maiores." E há também essa citação de Gandhi, que é uma de minhas personalidades preferidas: “Olho por olho e o mundo acabará cego”. Há algumas semanas, na Folha de São Paulo sua matéria de capa era algo chocante: cinco enforcados em praça pública. A coisa era tão “organizada” que utilizaram guindastes. Isso, no Irã. Há outros países com essa mesma mentalidade, onde é comum ladrões serem mutilados. Por acaso considera isso justo?

    E não acho que a justiça seja subjetiva. Ao menos, não o tempo todo. Ela é, em essência objetiva, já que procura agir acima das parcialidades. È essa condição fundamental da justiça aristotélica.

    ResponderExcluir
  13. Concordo com você sobre a dificuldade na interpretação da lei, especialmente num país de poucos e maus leitores. Acredito que a Língua deveria ser mais acessível, e que todos os textos obedecessem ao único critério que é facilitação da mensagem.

    Sobre sua opinião sobre Hegel, é algo que não poderei me manifestar por quase nada conhecer sobre o pensador. Mas, sobre sua fala sobre meu idealismo ser maior que meu conhecimento holístico, afirmo que está enganado. Acredito que minha compreensão do todo é que me faz crer naquilo que afirmo. Lembre-se, trabalho com educação, e minha clientela são crianças, são eles um laboratório vivo. Como não ter consciência do poder de mudança?

    Não creio que meu discurso tenha sido confuso, apenas sou partidária do “caminho do meio”, recurso esse defendido por Aristóteles, que busca uma Ética do Possível, que não desrespeite a paixões humanas e que as oriente ao caminho da ponderação até a maturidade racional do equilíbrio. Sócrates já pensava diferente, e pelo que percebo, você tem maior simpatia por esses pensamentos.

    Conceitos como Ètica, Moral e Justiça, não são absolutos. Mas são estruturações que cada pessoa, de forma íntima e diária, constrói e reconstrói. Sua assimilação, é, portanto, subjetiva. E foi isso que interpreto ao fim desse debate: chegamos num impasse, onde cada um ciente de seus posicionamentos atribui aquilo como verdade absoluta. Ao menos, de nossa pare, não houve uma violência retórica, a ponto de exigir que o outro “engula’ suas certezas, até porque, sabemos que ninguém as têm, não é mesmo?

    Bom, chegamos ao final desse debate, com a sensação de que há muito a ser dito, mas, obedecendo as regras, preciso finalizar. Por essa razão, espero contar que nossos leitores contribuam nessa importante reflexão.

    E no mais, quero publicamente agradecer ao meu oponente por mais uma vez me propiciar um exercício cordial e enriquecedor.


    Grata pela conversa,

    R.

    ResponderExcluir