segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Octávio Henrique X Chico Sofista - Ideologia (A revanche)


  1. Olá, leitores da DR. Não nos vemos há muito tempo, pois há muito tempo abandonei esta comunidade (e pretendo continuar assim). Porém, como estava ávido por debater de novo com meu amigo Chico Sofista, resolvi entrar neste campeonato. Ainda assim, não entro com o objetivo de fazer um debate, mas sim de simplesmente bater um bom papo com um grande amigo.

    Enfim, chega de enrolação e vamos aos trabalhos (Assim Falou Pedro Bial). Como o título da postagem deste debate sugere, eu e Chicão já havíamos debatido uma vez sobre este tema. No entanto, foi apenas muito tempo depois daquele debate que entendi e concordei com os pontos de vista que ele lá expressou. Por isso, nesta oportunidade, não vamos debater semântica da palavra, mas sim os efeitos das ideologias no mundo.

    Aproveitando-me de meu oponente ser formado em Filosofia, pretendo, como faria Sócrates ou algum outro filósofo de igual qualidade, apenas deixar implicítos os meus pontos de vista sobre o tema em perguntas que usarei para fazer com que o Chicão explicite os seus pontos de vista sobre as ideologias.

    Quero que este debate, pelo menos de início, se concentre em cinco questões básicas, a serem respondidas tanto por mim (na réplica) quanto pelo Chicão (quando ele bem entender, rs). No caso, é preciso que ambos levemos em consideração a definição crítica de ideologia, ou seja, como um conjunto de crenças que visam a orientar as ações humanas nos mais diversos campos da vida.

    As questões que tenho são essas:

    1- Todos temos uma ideologia?
    2- Considerando que filosofar é desbanalizar o banal, como dito por Paulo Ghiraldelli Jr. e outros, seria a ideologia uma forma de filosofia?
    3- Ideologia e ciência se misturam?
    4- Qual foi a ideologia mais nociva para a humanidade até hoje?
    5- Afinal, todas as ideologias são uma bosta, uma merda ou um excremento? rs (pergunta opcional por motivos óbvios, rs).

    Bom, é isso, deixei o assunto o mais sucinto possível para que não caísse em prolixidade e em verborragia vazia. Passo a palavra ao grande Chicão e encerro minha introdução ao tema.

    É contigo, Chico Sofista.
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  2. “Para que nada nos separe, nada nos una” – Pablo Neruda.

    Acredito que esta frase seja muito importante para o tema que iremos refletir. Conjuntos de ideias humanas podem ser nocivas para a humanidade? Existe uma forma objetiva de se analisar a realidade que vá além de interpretações de diferentes opiniões humanas? A “ciência” dos humanos é uma forma de se conseguir isso?

    Teremos muito a discutir, por isso eu vou começar falando a respeito de algo que é fundamental quando se segue ou se quer construir uma ideologia que seja partilhada por um número significativo de pessoas: a obediência.

    A obediência é um elemento básico na estrutura da vida social. Sistemas hierárquicos são fundamentais para a vida em conjunto e apenas um eremita não tem alguém a quem responder e submeter-se ao seu comando, em algum momento de sua vida. Fazer com que as pessoas obedecessem foi vital para a construção das sociedades.

    Alguém pode obedecer a algum comando quando concorda com o que está fazendo, mas também quando não concorda ou não entende, mas a execução daquela ação é mais importante do que o questionamento da ação em si.

    Obedecer implica na subordinação da vontade a uma autoridade, o acatamento de uma instrução, o cumprimento de um pedido ou a abstenção de algo que é proibido. A figura da autoridade que merece obediência pode ser uma pessoa ou uma comunidade, mas também uma ideia convincente, uma doutrina ou uma ideologia e, em grau superior, a própria consciência. [1]

    A obediência religiosa é a livre submissão às regras reveladas pela verdade divina, cuja verdade está garantida por Deus, que é a verdade, por definição. É um dos pilares essenciais do modelo de fé implantado na moral judaico cristã e o começo da narrativa sagrada da Bíblia é uma história de desobediência.

    Adão e Eva foram proibidos de fazer algo sem entender muito bem o motivo pelo qual eram proibidos. De cara, a Bíblia já começa mostrando que os seres humanos não são bons cumpridores de ordens e mostra quais as consequências desta atitude.

    Neste caso, a obediência era involuntária. As palavras de uma serpente foram suficientes para convencer os primeiros humanos de que obedecer não valia a pena. [2]

    Mas é fácil aceitar algo que concorde com a sua consciência e seja realizado pela sociedade, como a aceitação do bem comum trazido por se obedecer a regras que evitem com que pessoas sejam prejudicadas, pois bem se sabe, uma hora ou outra, o prejudicado pode ser você.

    Difícil é obedecer algo que você intimamente tenha como errado e que contrarie seus mais íntimos princípios que definem sua personalidade. Ninguém quer ser castigado com a morte sem ter feito nenhuma ofensa, mas quando um bem maior está em jogo, como a segurança ou a soberania de toda uma nação, então torna-se justificável o ato de matar pessoas que representem uma ameaça. Mesmo que você não entenda muito bem por que elas são uma ameaça.
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  3. A história de Abraão e seu filho Isaac é talvez o maior exemplo de como a obediência irrestrita à vontade de Deus, sendo mais importante que o questionamento de suas mais íntimas paixões é considerada uma grandiosa virtude. Abraão estava preparado para matar seu próprio primogênito, que havia sido tão esperado e era tão adorado para cumprir o que dizia a voz de Deus, mesmo que não houvesse nenhuma explicação de por que era importante que ele fizesse aquilo. [3]

    Para o sociólogo Max Weber, a obediência sociológica é a principal característica que define o “domínio”, em contraste com o “poder”. Max Weber desenvolveu um importante trabalho de sociologia política através da sua teoria dos tipos de dominação. Dominação é a possibilidade de um determinado grupo se submeter a um determinado mandato. Isso pode acontecer por motivos diversos, como costumes e tradição. Weber define três tipos de dominação que se distinguem pelo caráter da dominação (pessoal ou impessoal) e, principalmente, pela diferença nos fundamentos da legitimidade. São elas: legal, tradicional e carismática.

    Para Weber, as melhores formas de se fazer alguém obedecer alguma coisa seria pela lei, pela tradição ou pelo carisma. Aceitar a lei é concordar que existe uma verdade intrínseca representada pela burocracia dos estatutos estabelecidos pelas regras vigentes de cada sociedade. Aceitar a tradição implica em submeter-se às ordens de seu regime hierárquico e a aceitar o carisma significa confiar em um líder ou uma ideia por que ela te comove. [4]

    Stanley Milgram conduziu uma serie de notáveis experimentos de psicologia social na universidade de Yale, que mediam a capacidade dos participantes de obedecer a uma figura de autoridade. Nestes experimentos, participavam o pesquisador, um voluntário e um ator passando-se por voluntário. O pesquisador apresenta-se como figura de autoridade, o voluntário assume o papel de professor e o ator passando-se por voluntário assume o papel do aluno. O “aluno” e o “professor” são então separados em diferentes salas onde eles podem se comunicar mas não ver uns aos outros.

    O “professor” recebe um choque elétrico para mostrar que existe um gerador que está ligado ao “aluno”. Uma lista de palavras é apresentada ao “professor” que deve lê-las em sequencia e devem ser memorizadas e repetidas pelo “aluno”. O experimentador afirma que o objetivo do estudo é verificar a capacidade de aprendizado do “aluno”. Para cada resposta errada, o “professor” é orientado a aplicar descargas elétricas no “aluno” com intensidades cada vez maiores.

    Quando os voluntários se negavam a continuar, o experimentador insistia dizendo que era muito importante/essencial que ele fizesse aquilo para que o experimento desse certo, alegando inclusive que eles não tinham outra escolha.

    Entretanto, não havia ninguém tomando choque e o objetivo do estudo era apenas verificar se as pessoas são capazes de inferir danos umas as outras apenas por que são orientadas a isso por alguma figura de autoridade. Milgram teve a ideia desse estudo após refletir acerca das questões que levaram aos soldados nazistas a obedecer ordens que levaram ao extermínio de milhares pessoas envolvidas. Como é que o senso mútuo de moralidade das partes envolvidas conseguiu justificar essas atitudes, mesmo quando elas violavam seus mais profundas crenças morais?
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  4. Antes de conduzir o experimento, Milgram lançou uma enquete entre os alunos do último ano de psicologia para que tentassem prever o comportamento de 100 hipotéticos “professores” deste experimento. Os resultados mostravam que a maioria acreditava que apenas uma pequena fração dos “professores” (1.2%) dos professores iria estar preparado para infligir um choque com a máxima descarga em outras pessoas. Já os psiquiatras formados previram uma taxa de 3.7 % das pessoas continuando o experimento, sendo que a maioria iria se negar a participar em procedimentos que estariam causando sofrimento em outras pessoas.

    Enquanto a pessoa aplicava os choques, uma frase gravada do “aluno” indicava que ele não estava de acordo com o experimento e queria sair, mas não podia por estar preso na cadeira. Entretanto, mesmo assim, para surpresa de todos, todas as vezes que o estudo de Milgram foi realizado, a maioria das pessoas (60%) se mostrou capaz de administrar a dose máxima de eletricidade em outros participantes e a insistência do pesquisador era suficiente para que ignorassem os gritos de reclamação presentes na gravação e que indicavam que o colega de experimento que haviam acabado de conhecer estava sendo subjugado a participar do experimento.

    A análise também mostra que todas as pessoas estavam agindo de forma contrária a seus princípios, por que demonstravam nervosismo e contrariedade. Mesmo assim, não conseguiam resistir à figura de autoridade do pesquisador e mesmo que as que se negavam a continuar o experimento ficaram indignadas o suficiente para querer verificar o estado do outro participante ou quis afrontar o estudo, em si [5].

    Pensando a respeito das informações presentes nestas fontes que acabei de citar, acredito que possamos fazer uma produtiva reflexão a respeito do tema em questão.

    Em última análise, todos nós vamos responder (obedecer) alguma coisa, nem que seja nossa própria consciência.

    As ideologias humanas existem como justificativas para a promoção de ideais coletivos partilhados por grupos associados por interesses mútuos.

    Sendo assim, até que ponto é útil que existam sistemas sólidos de pensamento que transmitam suas conclusões de forma doutrinária? Será que é possível, como defende Paulo Ghiraldeli, ter uma visão de mundo baseada sempre no espírito crítico e que é distinta da visão de mundo propagada pelas ideologias? [6]

    Com estas reflexões, termino minha introdução.

    Chico Sofista.


    FONTES:

    [1] http://pt.wikipedia.org/wiki/Obedi%C3%AAncia
    [2]http://www.biblica.com/uploads/pdf-files/bibles/portuguese/ot/genesis.pdf
    [3] http://church-of-god-online.com/ss.PO.OT.Lesson9.pdf
    [4] http://burawoy.berkeley.edu/Reader.102/Weber.Legitimacy.pdf
    [5] http://academic.evergreen.edu/curricular/social_dilemmas/fall/Readings/Week_06/milgram.pdf
    [6] http://www.youtube.com/watch?v=DvU5nN-wP0Q
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  5. Bom, li finalmente as considerações do meu grande camarada Chico Sofista, e devo dizer que as apreciei muito. De antemão, agradeço a ele por ter apresentado o teste de Milgram, que eu, confesso, não conhecia.
    Como não vi nada de anormal nos dados apresentados por Chicão (também porque os apresentou como uma introdução, não como uma "refutação" ou esse tipo de blá-blá-blá), vou usar esta réplica para responder tanto às perguntas que fiz quanto às que ele, apropriadamente, fez.

    Primeiro, todos temos uma ideologia (segundo a definição crítica)? Eu, sinceramente, considero que não, pois venho me tornando cada vez mais cético quanto às habilidades do nosso povão. Assim sendo, acho que, por uma questão de preguiça em ser coerente mesmo, a maioria das pessoas prefere ou seguir as ideias dos outros (e algumas vezes dizer que são originalmente suas!) ou pensar que cada caso é um caso e, por uma série de questões, tomar posicionamentos diferentes em assuntos diferentes.

    Porém, é justamente essa preguiça em ser coerente por si próprio (ou até mesmo em pensar por si próprio) que facilita que as pessoas aceitem qualquer conjuntinho vagabundo de ideias que lhes pareça mais ou menos coerente. Isso, no entanto, não é nem pode ser considerado filosofia, e por uma questão básica: filosofar requer uso do cérebro e em alguns casos do coração (como aqueles que filosofam sobre sentimentos de uma forma mais "romântica", dizendo a grosso modo), e não do intestino ou da medula, que sejam talvez os únicos órgãos que prestem de um ser que aceita certas ideologias.

    Assim, não, ideologia não é filosofia, pois, para desbanalizar o banal, é necessário pensamento e crítica, e para seguir uma ideologia, ainda assim de vez em quando, só se exercita uma porcentagem abaixo de infinitesimal de nossa capacidade crítica.

    Ainda assim, tudo isso não significa que não seja possível pensar nas questões por si mesmo. Aliás, é justamente por não nascermos com molde de pensamento pré-pronto que temos a possibilidade de pensar fora das redomas ideológicas. Devemos lembrar também que as ideologias, geralmente, pregam que se tenha um único tipo de comportamento em questões de mesma natureza, mas que nem todo mundo pensa assim. Ou seja, creio eu que alguns de nós acabamos pensando fora das ideologias até de modo inconsciente, o que nos prova ser possível pensar fora das ideologias.

    Sobre ciência e ideologia, como não sou mais alguém que pensa por ideologias, acho que meu amigo Chicão pode prever minha resposta. É óbvio que, por uma questão de funcionamento da mente humana, torna-se impossível apagar completamente os traços subjetivos de um cientista em suas pesquisas.

    Porém, quando se diz, como eu, que ciência e ideologia não se misturam, é justamente porque, por ser a ciência destinada a todos os tipos de pessoas e não apenas àqueles que estão próximos da subjetividade do cientista, que esta deve aparecer em um nível mínimo. É por isso mesmo que eu, no meu último post no meu blog pessoal, critiquei o linguista Marcos Bagno: porque existe uma clara fronteira entre apresentar um artigo sério, ou seja, com a subjetividade no nível mínimo, e usar esse mesmo artigo para divulgar suas ideologias.

    Assim sendo, mesmo não havendo formas totalmente objetivas, por uma limitação do ser humano, de se obter o conhecimento, isso não faz com que ciência e ideologia se misturem, especialmente porque, além de a ideologia limitar a apresentação de certo conhecimento apenas a quem consegue acreditar naquela ideologia, esta se encaixa no campo da CRENÇA, enquanto a ciência é UMA FORMA usada para a obtenção de CONHECIMENTO. É por isso também que o cientificismo, ou seja, a ideologização (e divinização) da ciência, é uma contradictio in terminis.
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  6. Quanto à nocividade, acho difícil que Chicão discorde de mim quando afirmo que foi o Marxismo em todas as suas formas a ideologia mais nociva. É óbvio que houve cagadas feitas por cientificistas, positivistas, nietzscheanos e outros, mas a própria história nos prova que as maiores cagadas são do Marxismo.

    Por fim, a pergunta mais interessante foi feita pelo Chico. Afinal, "até que ponto é útil que existam sistemas sólidos de pensamento que transmitam suas conclusões de forma doutrinária?". Quanto a isso, digo que esses sistemas são humanamente necessários por causa da nossa necessidade de criar padrões e segui-los. Porém, não é preciso criar uma ideologia para isso. Pode-se criar convenções sociais das formas mais diferentes possíveis e, além disso, nem sempre essas convenções são totalmente coerentes entre si. Além disso, o foco das ideologias não é necessariamente esse (o de manter viva a humanidade), mas sim o de manter viva a própria ideologia por mais que esta seja nociva.

    Assim sendo, sim, precisamos de sistemas de pensamento sólidos, mas não precisamos das ideologias para montá-los, especialmente porque o mundo nunca é tão maravilhoso ou até mesmo tão maléfico quanto o querem fazer as ideologias. Isso, lógico, no mundo que eu e Chicão conhecemos. Obviamente, ambos podemos estar errados, mas, a vida é assim.

    Enfim, espero não ter me enrolado muito nem ter sido muito prolixo. Caso alguma das minhas respostas não tenha ficado suficientemente clara, não hesite em me pedir para reformulá-la, grande Chico Sofista.

    Bom, termino aqui e passo a palavra ao Chicão.
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  7. “Um realista é uma pessoa que mantém a distância correta de seus ideais.” – Truman Capote

    Sabe Octávio, o tempo passa e a gente amadurece as nossas ideias. Eu defendi um posicionamento muito parecido com este que você está defendendo em nosso primeiro debate [7]. Até escrevi um texto no Vida Sofista, inspirado naquela conversa, que é a postagem mais lida do nosso blog até hoje [8]. Mas eu me lembro também que tive vários votos contrários àquela minha visão, o que me fez refletir muito mais a respeito do que eu estava realmente querendo dizer.

    Neste debate, vou tentar mostrar qual é a minha visão atual sobre o tema. Pelo visto, estamos falando da mesma coisa: Das consequências dos conjuntos de ideias humanas para a sociedade.

    Eu comecei falando sobre obediência para lembrar que é uma característica essencial para a formação da sociedade como conhecemos, então não podemos negar que ela existe. Você definiu “Ideologia” como um processo de aquisição de conhecimento a partir do compartilhamento dos ideais propagados por um conjunto de ideias, ao contrário da filosofia, que significa justamente tentar ver além dos ideais e do senso comum. Pareceu achar também que ideologia é algo essencialmente ruim, pois é algo que impede as pessoas de ver fora da redoma em que se meteu e as impede de perceber seus próprios erros.

    Por fim, você termina dizendo que acha que o Marxismo te parece a ideologia mais nociva da história e diz que é possível viver sem ideologias e que as pessoas deveriam procurar fazer isso. Descrente da capacidade de crítica do “povão”, você acredita que a maioria deles são seguidores de ideologias e não questionam muito o que lhes é dito e deve concordar comigo com a fato de que isso pode ter consequências nefastas para a sociedade.

    O que eu tentei mostrar em minha introdução é que estes estudos mostram uma coisa muito alarmante sobre a natureza humana: A MAIORIA das pessoas é capaz de crueldades ou de coisas que não se imaginariam capazes quando coagidas pela influência do meio. Não são algumas “frutas podres” que destroem a sociedade. A maioria das pessoas possui a capacidade de fazer isso e só precisa das circunstâncias certas para colocar isso em prática [9].

    E o que isso tem a ver com a discussão sobre ideologia? Tudo. Afinal de contas, não podemos negar que as ideologias existem. E que elas são extremamente poderosas. E que as pessoas são capazes de cometerem coisas impensáveis quando são guiadas por um ideal que consideram superior a elas e que dá propósito para suas existências.
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  8. Em 1964, 38 nova-iorquinos assistiram pelas suas janelas uma de suas vizinhas ser brutalmente assassinada e ninguém chamou a polícia. Muito tempo depois, alguém chamou uma ambulância, mas ela já havia chegado morta no hospital. Isso levou os pesquisadores Bibb Latané e John Darley a desenvolver uma serie de estudos para tentar explicar o que poderia fazer as pessoas omitir socorro [10].

    Através de uma serie de estudos, colocando pessoas sozinhas ou acompanhadas em salas e verificar a reação dos envolvidos quando fumaça começa a entrar dentro da sala, pessoas fingindo desmaiar em público, crianças precisando de ajuda, perceberam que as pessoas tendem a ser mais prestativas quando estão sozinhas. Quando mais pessoas estão presentes, tendemos a ignorar ajuda a outras pessoas com muito mais frequência.

    Eles identificaram assim duas principais razões que podem ser responsáveis pela omissão de socorro: Ignorância plurarística e difusão de responsabilidade. A ignorância plurarística ocorre quando alguém assume que pelo fato de ninguém estar ajudando, não deve ter nada de errado acontecendo e a difusão de responsabilidade é uma diminuição do senso de responsabilidade quando outros estão presentes. “Alguém tem que ajudar, mas por que é que tem que ser eu?”

    E mais uma vez, perceberam que não é a minoria das pessoas que age assim, muito pelo contrário. Estes resultados, quando analisados paralelamente com os resultados dos estudos de Milgran, quando foram realizados e também com o polêmico experimento de Philip Zimbardo, revelam características bastante assustadoras a respeito da natureza humana [11].

    Zimbardo construiu uma réplica de uma prisão no subsolo de Stanford e separou os voluntários para representar os papéis de “guardas” e “prisioneiros” dentro da prisão. Deu liberdade para os “guardas” manterem a ordem e filmaram tudo o que acontecia nos dias seguintes.

    No começo, as pessoas estavam se divertindo e não levavam a sério a autoridade dos supostos guardas. Para manter a linha, alguns guardas começaram a ficar cada vez mais severos e agressivos. Com o tempo, os “prisioneiros” estavam sendo submetidos a extensas humilhações e alguns deles já começaram a desistir e apresentavam nítidos sinais de síndrome do pânico e depressão. Por fim, o estudo teve que ser interrompido antes da hora, por que Zimbardo temia pela segurança das pessoas envolvidas.

    E o mais interessante é que eram todas pessoas normais, nenhum deles com antecedentes criminais. Se o grupo dos “presos” e dos “guardas” fosse trocado, talvez tivéssemos exatamente o mesmo resultado.

    Por isso, respondendo às suas perguntas, SIM, ideologias podem ser extremamente perigosas, principalmente por que a maioria das pessoas possui uma tendência muito marcante de seguir ordens e obedecer cegamente figuras de autoridades, assim como apaixonar-se por discursos de pessoas ou figuras de personalidades. Todos estão procurando alguma coisa para seguir o tempo todo. Alguém com as técnicas apropriadas pode se aproveitar disso para disseminar os mais variados tipos de comportamento.

    Karl Marx percebeu isso e por isso falou tanto sobre alienação e os impactos das ideologias. O problema é que a maioria dos ditos “comunistas” ou “socialistas” de plantão não leram Marx como um filósofo, mas como um guru que falava a respeito de um mundo perfeito, mas que como os próprios fatos mostraram, foi falseado pela realidade econômica do planeta, resultado de como direcionamos a nossa natureza humana para tudo o que fazemos
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  9. Mas os impactos da ideologia “marxista” foram tremendos para a sociedade, não dá para se negar. Mesmo os estados capitalistas e os pensadores que não eram diretamente influenciados por Marx começaram a ver mais necessidade de políticas sociais para que o capitalismo não se tornasse o monstro que os idealistas de esquerda diziam que ele era. Com isso nasceu a política de Welfare State na Europa e mais uma serie de políticas de bem estar social que foram implantadas durante o comunismo em países capitalistas e também por todos os países, com o fim da guerra fria [12].

    Mas é claro que as pessoas conseguem levantar bandeira para tudo, até para quem critica o posicionamento de quem está mais interessado em levantar bandeiras do que conhecer realmente a verdade. Prova disto é ver por aí auto denominados “Marxistas” vivendo exatamente do jeito que Marx criticava, acreditando em falsificações da realidade. Ou mesmo defensores da Ciência, que acham que possuem a resposta definitiva para as questões da vida, quando o próprio propósito da ciência é firmar-se como um tipo de conhecimento que está o tempo todo se renovando, sendo por isso, qualquer coisa, menos definitivo.

    Mas eu acho que a causa principal das pessoas pensarem assim, além da tendência biológica, está na forma como interpretamos nossas ideologias mais sólidas e quais são as influências que elas terão em nosso comportamento. Essas ideologias são muito mais antigas que o “Marxismo” e seus impactos na formação dos arquétipos de personalidade das sociedades é muito maior.

    Consegue imaginar do que estou falando?

    Deixo o resto para a tréplica.

    Até mais.

    FONTES:
    [7] http://duelosretoricos.blogspot.com.br/2012/06/chico-sofista-x-octavio-henrique.html
    [8] http://vidasofista.blogspot.com.br/2012/08/ideologia.html
    [9] http://www.youtube.com/watch?v=4YUMxsj6rl4
    [10] http://www.sagepub.com/newman4study/resources/latane1.htm
    [11] http://psychology.about.com/od/classicpsychologystudies/a/stanford-prison-experiment.htm
    [12] http://www.ukessays.com/essays/social-policy/welfare-state-development.php
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  10. Caros leitores, lembram que, na minha introdução ao tema, falei que não queria que este fosse um "debate", mas sim um simples papo com um grande amigo? Pois é, quando disse isso, sabia que teria pela frente dados interessantíssimos que o colega Chicão apresentou.

    De novo, e também porque não consigo sentir a obrigação de "refutá-lo" e essas coisas (também porque nossas teses são parecidíssimas, rs), só consegui ver o segundo experimento que o meu amigo trouxe com bons olhos.

    Com esse experimento (e com o outro também), Chicão demonstra de forma magistral o que tanto eu quanto ele falamos, e a que ele deu maior ênfase: o ser humano, de fato, pode ser muito cruel quando quer ou quando obedece ordens. Assim sendo (e, em linguagem matemática, C.Q.D, ou Como Queríamos Demonstrar, sim, ambos pensamos nas ideologias como potencialmente nocivas para a sociedade.

    Também sigo a linha do Chico ao dizer que amadurecemos ideias (e de que é por isso que eu parei de pensar no mundo da forma dualista-ideológica, analisando caso a caso e não todos os casos com a mesma régua), mas, ainda assim, acho que ambos concordamos que, exatamente por existir esse amadurecimento, ou seja, essa MUDANÇA, mesmo que mínima, em nossos ideais, que não devemos impor a nossa falta de ideologia aos outros, pois isso seria a atitude de quem ou tem uma ideologia, ou acredita que tem a possessão da verdade absoluta.

    Se alguém, hoje, vier me pedir um conselho sobre como pensar os fatos, diria para ele se livrar de suas ideologias e tentar ver os fatos pelos fatos. Ainda assim, eu mesmo teria de admitir que, exatamente por existir a possibilidade de eu mudar de ideia, a decisão de alguém pensar por ideologias não é algo universalmente reprovável, apesar de serem as ideologias o caminho mais rápido e acrítico para as desgraças.
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  11. Bom, peço desculpas pela digressão e retorno um pouco mais ao tema (rs). Sobre o marxismo, eu tenho uma visão um pouco diferente do Chico. Foi exatamente quando resolvi ler um pouco do barbudo que deixei de pensar nele como filósofo e como criador de um mundo perfeito. No meu caso, foi ao ler Marx que eu percebi que, na verdade, a maioria dos ditos marxistas NÃO LEU Marx, e foi aí que comecei a tomar Marx não como um filósofo, mas sim como o que ele era de fato, e como ele nos é apresentado na escola, como mais um sociólogo.

    Obviamente, eu sei que as fronteiras entre Sociologia e Filosofia são tão tênues quanto as fronteiras entre linguagem filosófica e linguagem literária, mas, e aqui acho que o Chicão não vai concordar comigo de jeito nenhum (e nem você irá, caro leitor, rs), prefiro tomar como filósofos Nietzsche, Spinoza, Sartre e tantos outros que, além de terem uma linguagem bem mais "filosófica" (e até literária), digamos assim, me pareceram mais comprometidos com o pensamento em si do que com a sociedade

    Ainda sobre o marxismo, eu o chamaria sim de mais nocivo à sociedade do que qualquer outra ideologia, mas isso porque o que o Chicão chamou de "nossa ideologia" eu considero como "convenções sociais", que são necessárias, mas alteráveis, em qualquer sociedade.

    Para encerrar, eu concordo totalmente com o Chico na questão de levantar bandeiras. Inclusive, e como ele comentou de ciência, eu diria também que outra bandeira perigosa de ser levantada é a do cientificismo, pois esta, assim como as ideologias, rejeita tudo o que não é espelho, ou seja, despreza as formas de conhecimento que fujam da "madre ciência".

    Enfim, estou ansioso para ver o resto das considerações do Chicão, pois imagino que vão ser tão edificantes quanto as de sua réplica. Portanto, encerro minha tréplica e repasso a palavra ao Chico.
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  12. “É preciso que ambos levemos em consideração a definição crítica de ideologia, ou seja, como um conjunto de crenças que visam a orientar as ações humanas nos mais diversos campos da vida.

    É a preguiça em ser coerente por si próprio (ou até mesmo em pensar por si próprio) que facilita que as pessoas aceitem qualquer conjuntinho vagabundo de ideias que lhes pareça mais ou menos coerente.” Octávio Henrique.

    A diferença entre o Cristianismo e o Islamismo do Comunismo está na alegação de que os seus objetivos não seriam de natureza humana e sim transcendental, sendo assim não poderiam ser vistos igualmente como ideologias.

    O grande problema com este tipo de mentalidade é o de que ideologias religiosas seriam algo que estariam além do alcance da crítica e em vários momentos a crítica religiosa (blasfêmia) foi severamente punida.

    Eu gostaria muito de saber qual é a diferença prática entre ser convencido por uma série de argumentos religiosos do que o convencimento em qualquer tipo de sistema de conhecimento da mesma forma como o comunismo ou o fascismo.

    Entretanto, a implantação das ideologias religiosas é muito mais profunda e começa em tenra idade, dando às pessoas senso de identidade e as vantagens do culto em comunidade. Normalmente a verdade religiosa se torna um fato auto evidente fazendo com que não existam alternativas para o que aprenderam em suas religiões tradicionais, de seus familiares e vizinhos [13].

    Em várias sociedades, a simples ideia de se mudar de religião pode ser interpretada como algo inaceitável, pois eles não conseguem ver a religião como um tipo de ideologia, mas sim como uma parte imutável da personalidade da pessoa [14].

    Sosis & Ruffle, em 2004 [15], realizaram um estudo na comunidade dos Kibbutzim israelitas, que são organizações ideologicamente motivadas, que vivem a constante tarefa de promover e manutenção da cooperação entre seus membros. A ação coletiva é essencial para a sobrevivência de um Kibbutz e ao contrário da maioria das populações tradicionalmente estudadas por ecologistas comportamentais, os membros desta sociedade são auto selecionados, ou seja, escolheram viver suas vidas no ambiente comunitário e possuem amplas oportunidades de deixar a comunidade e se juntar à população que vive ao redor e que partilham da mesma religião, linguagem, etnia e identidade nacional.

    Desta forma, para manter a cooperação na comunidade do Kibbutz é necessário que exista um compromisso ideológico entre seus membros. Estes fatos, em conjunto com diferenças naturais são fatores que podem influenciar a variação da cooperação ao longo dos Kibbutzim (plural), incluindo tipos ideológicos (econômicos e religiosos), faz desta comunidade um lugar ideal para se estudar os fatores sociais de uma ideologia.
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  13. Seus resultados mostraram que os membros dos Kibbutizim eram mais cooperativos do que os outros residentes da cidade, enquanto que membros do Kibbutz que haviam abandonado a ideologia socialista não eram mais cooperativos do que os residentes da cidade. Mostraram ainda que quanto maior o nível de convicção religiosa dos membros estudados, maior o nível de cooperação para qualquer subpopulação estudada.

    Este é um exemplo de como o comprometimento ideológico e a religião podem ser importantes para manter a cooperação e a coesão social em sociedades ideologicamente mistas. Entretanto, as raízes da ideologia religiosa são muito mais profundas que as de qualquer ideologia social já imaginada e exatamente por isso são as mais potencialmente perigosas que existem. Os próprios religiosos concordariam comigo se pensarem na tragédia que é ver alguém “manchar o nome” de outros religiosos quando seguem de forma cega algo que eles não consideram a interpretação correta dos textos Bíblicos.

    Em nossa legislação, é crime incentivar alguém a cometer suicídio, mas sua postura é vista com maus olhos se você criticar os Testemunhas de Jeová e disser que quando a religião deles incentiva seus fiéis a não fazerem ou aceitarem doações de órgãos, estão incentivando as pessoas a destruir vidas, o que é a mesma coisa que cometer suicídio ou permitir que alguém morra por causa de uma irracionalidade de sua ideologia [16].

    O psicologista Israelense George Tamarin [17] apresentou a mais de 1000 crianças israelenses entre 8 e 14 anos o trecho da Bíblia que fala da Batalha de Jericó (Josué 6:1-27), que narra a história da obediência de Josué a Deus, por mais ilógicos que parecessem seus comandos [18]. Como se sabe, Josué foi instruído a cometer genocídio e destruir todos os homens e todos os adultos da cidade.

    As crianças do estudo de Tamarin tiveram que responder a simples pergunta “Você acha que Josué e os israelitas fizeram certo ou não? 66% aprovou totalmente as ações de Josué, 26% desaprovou completamente e 8% aprovou parcialmente. As justificativas da maioria das crianças que aprovavam as atitudes de Josué baseavam-se no fato de que não se deve questionar ordens de Deus, por que o povo desta região eram de religiões diferentes e estas religiões poderiam contaminar outras pessoas.

    Como grupo controle para este experimento, Tamarin utilizou um outro grupo de 168 crianças israelenses, dando a elas o mesmo texto do livro de Josué, mas com os nomes das personagens modificadas para General Lin e Israel redirecionada para a China de 3000 anos atrás. O resultado do experimento foi exatamente o oposto. Apenas 7% das crianças aprovavam o comportamento do General Lin e 75% desaprovava.

    Em outras palavras, quando a lealdade deles para o Judaísmo era removida do cálculo, a maioria das crianças concordava com os julgamentos morais que a maioria dos humanos modernos partilhariam. O único fator que fez com que as crianças deixassem de condenar o genocídio foi o fator religioso.
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  14. Mas é exatamente este tipo de ideologia que possui repercussões tão positivas quando aliadas a outras ideologias dos Kibbutzim. Para o bem ou para o mal, este tipo de influência não pode ser ignorada, se o que estamos investigando são as repercussões dos sistemas de pensamento mais importantes da civilização.

    Por fim, eu gostaria que por favor explicasse por que é que você acha que o Marxismo é a ideologia mais nociva da história e por que é que a noção de alienação de Marx estava errada. Se puder, conte-nos também como é aprender com “filósofos” rompedores de ideologias como Pondé e Olavo de Carvalho e como é que você resolveu adotar esta postura de direita conservadora, após deixar de seguir as antigas ideologias que seguia para seu estado atual, onde afirma não possuir mais ideologias.

    Vejo você em minhas considerações finais.

    Até mais!

    [13] http://www.nowpublic.com/culture/religion-ideology
    [14] http://atangledrope.blogspot.com/2009/02/is-religion-form-of-ideology-or-is.html
    [15] http://www.anth.uconn.edu/faculty/sosis/publications/sosisandrufflerea.pdf
    [16] http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9841
    [17] http://mcbrolloks.wordpress.com/2011/06/25/dawkins-on-the-immorality-of-israeli-school-children-how-religion-condones-genocide/
    [18] http://christianity.about.com/od/biblestorysummaries/a/Battle-Of-Jericho.htm
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  15. Estamos chegando ao fim deste bom papo, infelizmente. Tendo acabado de ler as considerações do Chicão na tréplica, digo que as adorei e que me senti provocado a dar uma resposta digna a elas. Obviamente, isso não significa que acertarei nas minhas respostas, mas sim que tentarei responder ao meu amigo da melhor forma possível.

    Bom, vamos começar essas CFs então. Primeiro, o Chico mostra trechos da minha introdução ao debate, em que considero as ideologias como um conjuntinho vagabundo de ideias mais ou menos coerente, e me pergunta então qual seria a diferença entre as ideologias como o Comunismo e as religiões.

    Se fosse naquele nosso primeiro debate sobre o tema, o Chico teria me pegado com essa pergunta. Porém, naquele debate ele tratava com alguém que era claramente um antirreligioso, e neste papo ele conversa com alguém cujas opiniões sobre a religião mudaram muito.

    O que me faz não ser pego por essa pergunta hoje é que eu não considero a religião como um conjunto de ideias vagabundas, especialmente porque, pelo menos em ideal, considero que o papel das religiões não é a dominação política deste mundo, ou a subversão ou a manutenção de uma ordem, pois elas, por terem sempre pelo menos um plano fora do mundo físico, um plano metafísico.

    Assim sendo, eu vejo as religiões como uma forma de ajudar as pessoas a procurarem um consolo para seus problemas, uma salvação TRANSCENDENTAL. A diferença entre qualquer religião que eu conheça (frise-se: que eu conheça) e o Comunismo, por exemplo, fica então bem clara: enquanto uma serve como consolo, como acalanto, e admite que o mundo sempre terá problemas independente das nossas ações e que, por isso, devemos fazer o nosso melhor aqui para termos um tipo de recompensa em um mundo bem melhor, a ideologia (no caso, o Comunismo) busca sempre algum tipo de utopia neste nosso mundo, e as ideologias também não se importam minimamente com seus inimigos.

    Isso, porém, não deixa as religiões imunes às críticas. Só digo que EU as aprovo pois vejo nelas uma maior piedade, uma maior empatia com o outro e até um maior nível de esclarecimento sobre o mundo do que as ideologias. A diferença mais primordial, e que é a que me torna mais crítico às ideologias do que às religiões, é que quem busca uma religião busca SALVAÇÃO, busca AUTOCONHECIMENTO, mesmo que eu não considere essa a melhor forma de buscar autoconhecimento, enquanto quem busca uma ideologia busca um mundo que nunca teremos e ambiciona não conhecer, mas DOMINAR o outro, o que eu, como um homem que preza pela liberdade, não posso aceitar.

    Lógico, eu, ao contrário dos religiosos mais fanáticos, não vejo religião como algo imutável. Tanto é que, inclusive, eu mesmo era religioso (católico) e fui progressivamente me tornando ateu. Porém, eu também não acho que ateísmo seja algo imutável, porque não o trato como minha religião e muito menos como minha ideologia.
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  16. Bom, não sei se esclareci muito esse ponto, mas, foi o melhor que consegui fazer. Agora, vou passar ao último parágrafo do Chico e vou responder às perguntas dele sem fugir de nenhuma.

    Quanto ao marxismo ser a ideologia mais nociva da história, tenho duas razões para isso:
    1- O número gigante de mortes por ele causado em menos de 80 anos de domínio
    2- O número maior ainda de gente que foi imbecilizada por causa dos ensinamentos marxistas, e isso sem serem marxistas. Explico: quando se está na universidade, na escola ou em outro tipo de ambiente acadêmico e educacional BRASILEIRO, é difícil achar um professor que não tenha a visão marxista de mundo e que não queira passá-la aos alunos. Porém, exatamente por serem fanáticos ideológicos, esses professores esquecem que existe bem mais do que Marx e os marxistas na história.
    Sobre a noção de "alienação" de Marx, acho que Chico me perguntou isso porque nós vinhamos comentando, há dias, sobre essa noção. Primeiro, quero esclarecer que não sou crítico à noção de alienação de Marx, pois não a conheço. O que eu critico é bem mais a forma como a noção de alienação nos é apresentada pelos marxistas, e me baseio em duas ideias para isso.

    Primeiro, cito uma frase do filósofo Mário Cortella, que disse em uma entrevista que "Não há crime perfeito". É óbvio que eu sei que essa ideia é controversa, mas eu concordo com ela. Afinal, se formos ver todos os passos de um crime, veremos que alguma ação da vítima a levou ao crime. Faço o mesmo com a alienação: não há como alienar uma pessoa com programas televisivos se ela nunca quiser assistir à televisão. Do mesmo modo, após certo período de tempo, toda pessoa, mesmo uma pessoa analfabeta, começa a ser capaz e a ter cada vez mais a opção de ANALISAR o mundo ao seu redor por si próprio e julgar por si o que é verdadeiro ou falso, ou seja, ela já pode desalienar-se quando quiser.

    Segundo, cito o próprio Jean Paul Sartre em seu conceito de "má fé". Segundo o parisiense, por termos a liberdade absoluta de fazer nossas escolhas, qualquer desculpa para nos colocarmos como vítima de uma força maior torna-se má fé. Obviamente, discordo do Sartre um pouco, pois não há como fazer a livre escolha com uma arma apontada na cabeça. Porém, segundo o conceito de alienação dos marxistas, parece que a sociedade sempre nos aponta uma arma na cabeça para assistirmos determinados programas ou termos determinados comportamentos, quando isso não é verdade. Não é por não poder EXPRESSAR UM PENSAMENTO MUITO DIVERGENTE que eu não posso PENSAR DE FORMA DIVERGENTE.

    Desse modo, não é que eu desacredito em alienação, mas sim que eu não a vejo como algo tão danoso quanto os marxistas a veem. Aliás, minha razão maior de oposição ao conceito dos marxistas é o umbiguismo, pois parece que, para eles, a sociedade aliena, o capitalismo aliena, a religião aliena, mas o marxismo não aliena ninguém. Eu não consigo tolerar esse tipo de hipocrisia. Além disso, acho que, para haver alienação, não é necessário só um agente que esteja disposto a alienar, mas sim um paciente que, em algum momento, se dispôs a ser alienado.

    Sobre alienação e marxismo, é isso. Agora, sobre filosofia, acho que consegui fazer uma coisa que não queria, que era fazer um grande amigo e aquele que primeiro me deu o impulso para sair das ideologias acabar vendo bandeiras em mim. Digo isso porque, por causa das minhas últimas atitudes, Chico disse que venho sendo um "direitista conservador".
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  17. Aqui, cabe um esclarecimento a todos. Quem me conhece pessoalmente sabe que, sem dúvida, sou um homem de fases. Ou seja, disso se conclui que não consigo ficar com uma ideia por muito tempo nem consigo me prender a uma ideia porque a ideologia C, S, A, CO ou L me diz isso. Assim, procurei fazer como uma vez disse Paulo Ghiraldelli Jr.: "A filosofia analisa caso a caso".

    Tenho plena consciência de que não sou filósofo, mas, aos moldes da filosofia, resolvi analisar cada caso em seu contexto específico. Se eu vier a defender em um debate meus posicionamentos sobre Cotas Étnicas e Linguística, por exemplo, haverá muitos que vão me chamar de "liberal" ou "comunista". Já se eu vier defender minhas posições sobre Legalização das Drogas ou Pena de Morte, serei chamado de "conservador de direita". Apesar de eu não gostar desses rótulos, isso significará que eu, na verdade, estou sendo bem sucedido em me desprender de ideologias. É por isso que não aprecio mais as ideologias: elas tiram minha liberdade de análise caso a caso, pois, como genialmente disse o meu amigo Chicão no nosso primeiro debate, ideologias são conjuntos fechados, pacotes completos de ideias, ou seja, se discordar de uma dessas ideias, já não pertence mais àquela ideologia.

    Aliás, é exatamente por parar de pensar ideologicamente que eu pude ver o lado bom das correntes que antes só criticava. Foi parando de pensar ideologicamente que pude apreciar elementos da obra de caras como Pondé, Cortella, Ghiraldelli e Olavo, mas sem abandonar Nietzsche, Sartre e Aristóteles. É por não pensar em blocos de ideias que posso concordar ao mesmo tempo com o Chicão em um ponto de vista e com o Emerson Oliveira, um apologeta católico gente fina, em outra coisa.

    Entendem, amigos leitores? Esse é o ponto bom de pensar sem amarras, sem ideologias. É poder ver o que há de boas ideias nos pensadores sem remorsos. É analisar o pensamento do mais religioso e conservador ao pensamento do mais ateu e liberal não pelas posições que eles adotam, mas pelo que falam, pelas suas ideias escritas, pelos seus textos. É analisar CASO A CASO.

    Bom, espero ter deixado tudo isso claro. Mesmo assim, devo admitir que, sinceramente, se fosse um leitor sensato, votaria sem pestanejar no meu amigo Chico, primeiro porque eu mesmo sinceramente estou pouco me lixando para votos e segundo porque, até pelo número de postagens que ele gastava, ele se dedicou bem mais ao debate. Além disso, o objetivo de ter um bom papo com um grande amigo, que era o meu único objetivo aqui, já foi atingido. O que vier é lucro. O problema para o leitor é que estou batendo um papo com uma pessoa que também se preocupa bem menos com votos do que com ter uma boa conversa.

    Enfim, despeço-me do Chicão e do amigo leitor que nos acompanhou até agora, passo a palavra ao Chicão para sua finalização e mando meu forte abraço a todos que leram este debate.

    Octavius
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  18. “Eu não quero mudar o mundo, só não quero que o mundo me mude” – Ozzy Osbourne

    Após o recente debate entre o Leonardo Levi e o Lucas Pierre, onde o Lucas esculachou (mais uma vez) o debate, demorando para responder e fazendo uma resposta ridícula, mas que em sua própria percepção tacanha refutava tudo o que o Levi tinha escrito em pouquíssimas linhas, andei refletindo sobre o objetivo destes nossos jogos. O Roger me disse que saiu do grupo por que acredita que as pessoas não mudam e continuar debatendo com pessoas como o Lucas seria insistir no erro. Eu não discordo. Por isso, depois do meu debate com ele sobre Satanismo, onde ele até hoje insiste em não admitir os absurdos que fez, fujo de debater deste sujeito como o diabo foge da cruz, com o perdão do trocadilho infame.

    Mas eu respondi para o Roger que não me importava com o fato das pessoas não saberem aprender, mesmo por que a maioria delas é assim, mas sim com o fato de eu saber aprender ou não. Como é que eu posso querer que o mundo mude se eu não conseguir mudar nem a mim mesmo? Eu vejo muita gente reclamar que as pessoas deveriam debater melhor ou justificar melhor os seus votos. Mas essas mesmas pessoas são as que não usam de forma apropriada seus espaços para argumentação e muitas vezes tem um senso de justiça completamente nublado por suas próprias ignorâncias, mas está seguro que somente ele sabe votar corretamente, a opinião dos outros está sempre errada.

    Por isso, ao invés de falar dos impactos sociais desta ou daquela ideologia, em especial, neste debate, preferi fazer uma reflexão a respeito de como os seres humanos, em geral, incluindo eu e você, temos tendências a obedecer. Discutimos os impactos dessa obediência, mas falamos pouco da desobediência e de quando ela é legítima. Talvez seja um tema para um outro debate no futuro.
    O fato, Octávio Henrique, é que nem todas as ideologias são essencialmente conjuntos “vagabundos” de ideias, como você se referiu. Muitas vezes, elas surgem com as melhores das intenções e são frutos de profunda reflexão filosófica. O mesmo vale tanto para o Marxismo quanto para o Cristianismo. Marx, ao conceber o ideal do comunismo não podia prever todos os conflitos políticos que iriam ser resultantes do fato de alguns países serem influenciados por suas ideias. O “comunismo” como conhecemos é fruto da influência de alguns autores, entre eles Marx, mas nada disso corresponde à versão exata do que Marx tinha em mente. O mesmo vale para o Cristianismo. Jesus Cristo nunca escreveu nenhuma linha, o que sabemos encontra-se em uma série de livros antigos escritos por pessoas que conviveram com ele ou não e deram suas próprias versões para o que Jesus disse.

    Tudo isso funciona como um gigantesco telefone sem fio e o que Marx ou Jesus disseram pode servir como justificativa para coisas que nenhum dos dois jamais admitiriam. Por isso, jogar toda a culpa do que foi feito em nome do “Cristianismo” ou do “Marxismo” em Jesus ou Marx seria uma tremenda injustiça com ambos os pensadores. A culpa, como sempre, é das pessoas. A maioria delas preguiçosa e sem paciência para entender a fundo ambas as filosofias/ideologias e com uma tendência muito forte em obedecer algo que pareça superior a elas mesmas.

    É claro que, em essência, a tarefa da “Religião” deveria ser algo muito parecido com o da Filosofia, que é a busca por respostas para as perguntas mais essenciais de nossas existências. Mas da mesma forma que seguir qualquer conjunto de ideias não pode ser chamado de Filosofia, o mesmo pode ser dito a respeito da Religião. Se o que fiel segue são apenas conjuntos rarefeitos de ideias vazias de significado e muitas vezes contraditórias, então não existe diferença alguma entre o que ele está seguindo do que seguir qualquer que seja a ideologia.
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  19. O grande problema desta ideologia, é que, ainda mais que as outras, faz com que a mera ideia de se criticar e não aceitá-la seja algo inaceitável. Por isso existe a “blasfêmia” e por isso heresia era punida com a morte, até um tempo atrás. E existe suporte para isso nas escrituras. Quem interpretou bem o que queriam dizer as passagens do pecado capital [2], ou a história de Abraão e Isaac [3] ou mesmo a batalha de Jericó [18] entendeu bem que a obediência a Deus é muito mais importante do que entender racionalmente o que está acontecendo.

    Isso pode ser algo extremamente perigoso. Imagine se alguém começasse a ouvir vozes dizendo que deveria matar seu filho, ou então provocar o genocídio de um povo inteiro, baseado na premissa de que ele não seguem a mesma religião que você, então são indignos de misericórdia. Parece contraditório com a filosofia do cara que mandou oferecer a outra face, mas quem segue uma ideologia não pensa nas contradições, apenas numa forma que pareça legítima para justificá-las. Não há nenhuma honestidade nesta forma de se ver o mundo.

    Para concluir minha participação, vou citar um filme que assisti esses dias atrás “The invention of Lying” (O primeiro mentiroso) [19]. Este filme se passa em uma realidade alternativa onde as pessoas não possuem a habilidade de mentir. Sendo assim, as pessoas acreditam em tudo o que as outras pessoas dizem, simplesmente por que não há motivos para se duvidar. Entretanto, milagrosamente, o protagonista do filme consegue desenvolver a capacidade de mentir e descobre que pode fazer o que quiser com isso, manipular as pessoas e conseguir fama e dinheiro.

    Ao ver sua mãe desesperada em seu leito de morte, chorando por que acabaria sua vida e não haveria mais nada para ela, ele mente para ela dizendo que após a morte nós vamos para um lugar maravilhoso, onde reencontramos com todas as pessoas que amamos e todos tem uma mansão (qualquer semelhança é mera coincidência ou licença artística). Acontece que o médico e as enfermeiras ouviram a história e no outro dia haviam formado um culto para o cara, milhares de pessoas querendo saber o que iria acontecer após a morte.

    Este filme tem um metáfora muito interessante, por que é justamente pelo fato de sabermos que as pessoas mentem e quando não mentem se enganam e dizem coisas que não são verdades, mesmo sem saber, que vale suspeitar daquilo que aprendemos a partir de outras pessoas. Sem isso, seríamos crédulos eternamente inocentes, incapazes de descobrir quando fôssemos enganados. Muito mais fácil seria seguir as ordens de alguma autoridade para a qual pudéssemos transferir a responsabilidade.

    A maioria das pessoas não está interessada em Liberdade justamente por causa da responsabilidade que é necessária para mantê-la. Assim como a maioria não está interessada em questionar suas figuras de autoridade, afinal de contas, vai que ela está errada em confrontar a autoridade (como quase sempre as pessoas a fazem acreditar que está)?
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  20. Se eu fosse idealista, diria que um dia as pessoas terão mais senso crítico e será difícil fazê-las obedecer algo que vá contra suas mais íntimas convicções. Mas eu sei que são poucas as pessoas que nascem com propensão a serem filósofos e menos ainda as que tentam desenvolver isso. Sendo realista, portanto, sei que o máximo que posso fazer é tentar identificar as ideologias e entender como elas são importantes para a formação da sociedade que eu vivo.

    Eu posso não concordar com nenhuma delas (pelo menos não em todos os aspectos) e sei também que não tenho poder para mudar a forma de ver o mundo de toda esta gente. Mas por outro lado, é bom saber que você é diferente e que você consegue, pelo menos um pouco mais que os outros, questionar o que lhe é imposto e desobedecer quando necessário. E isto deveria ser considerado sempre que você é obrigado a fazer algo que o faz se tornar algo que você não é.

    Chico Sofista.

    [19] http://www.youtube.com/watch?v=ra4LzRh-Hlc

20 comentários:

  1. Olá, leitores da DR. Não nos vemos há muito tempo, pois há muito tempo abandonei esta comunidade (e pretendo continuar assim). Porém, como estava ávido por debater de novo com meu amigo Chico Sofista, resolvi entrar neste campeonato. Ainda assim, não entro com o objetivo de fazer um debate, mas sim de simplesmente bater um bom papo com um grande amigo.

    Enfim, chega de enrolação e vamos aos trabalhos (Assim Falou Pedro Bial). Como o título da postagem deste debate sugere, eu e Chicão já havíamos debatido uma vez sobre este tema. No entanto, foi apenas muito tempo depois daquele debate que entendi e concordei com os pontos de vista que ele lá expressou. Por isso, nesta oportunidade, não vamos debater semântica da palavra, mas sim os efeitos das ideologias no mundo.

    Aproveitando-me de meu oponente ser formado em Filosofia, pretendo, como faria Sócrates ou algum outro filósofo de igual qualidade, apenas deixar implicítos os meus pontos de vista sobre o tema em perguntas que usarei para fazer com que o Chicão explicite os seus pontos de vista sobre as ideologias.

    Quero que este debate, pelo menos de início, se concentre em cinco questões básicas, a serem respondidas tanto por mim (na réplica) quanto pelo Chicão (quando ele bem entender, rs). No caso, é preciso que ambos levemos em consideração a definição crítica de ideologia, ou seja, como um conjunto de crenças que visam a orientar as ações humanas nos mais diversos campos da vida.

    As questões que tenho são essas:

    1- Todos temos uma ideologia?
    2- Considerando que filosofar é desbanalizar o banal, como dito por Paulo Ghiraldelli Jr. e outros, seria a ideologia uma forma de filosofia?
    3- Ideologia e ciência se misturam?
    4- Qual foi a ideologia mais nociva para a humanidade até hoje?
    5- Afinal, todas as ideologias são uma bosta, uma merda ou um excremento? rs (pergunta opcional por motivos óbvios, rs).

    Bom, é isso, deixei o assunto o mais sucinto possível para que não caísse em prolixidade e em verborragia vazia. Passo a palavra ao grande Chicão e encerro minha introdução ao tema.

    É contigo, Chico Sofista.

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  2. “Para que nada nos separe, nada nos una” – Pablo Neruda.

    Acredito que esta frase seja muito importante para o tema que iremos refletir. Conjuntos de ideias humanas podem ser nocivas para a humanidade? Existe uma forma objetiva de se analisar a realidade que vá além de interpretações de diferentes opiniões humanas? A “ciência” dos humanos é uma forma de se conseguir isso?

    Teremos muito a discutir, por isso eu vou começar falando a respeito de algo que é fundamental quando se segue ou se quer construir uma ideologia que seja partilhada por um número significativo de pessoas: a obediência.

    A obediência é um elemento básico na estrutura da vida social. Sistemas hierárquicos são fundamentais para a vida em conjunto e apenas um eremita não tem alguém a quem responder e submeter-se ao seu comando, em algum momento de sua vida. Fazer com que as pessoas obedecessem foi vital para a construção das sociedades.

    Alguém pode obedecer a algum comando quando concorda com o que está fazendo, mas também quando não concorda ou não entende, mas a execução daquela ação é mais importante do que o questionamento da ação em si.

    Obedecer implica na subordinação da vontade a uma autoridade, o acatamento de uma instrução, o cumprimento de um pedido ou a abstenção de algo que é proibido. A figura da autoridade que merece obediência pode ser uma pessoa ou uma comunidade, mas também uma ideia convincente, uma doutrina ou uma ideologia e, em grau superior, a própria consciência. [1]

    A obediência religiosa é a livre submissão às regras reveladas pela verdade divina, cuja verdade está garantida por Deus, que é a verdade, por definição. É um dos pilares essenciais do modelo de fé implantado na moral judaico cristã e o começo da narrativa sagrada da Bíblia é uma história de desobediência.

    Adão e Eva foram proibidos de fazer algo sem entender muito bem o motivo pelo qual eram proibidos. De cara, a Bíblia já começa mostrando que os seres humanos não são bons cumpridores de ordens e mostra quais as consequências desta atitude.

    Neste caso, a obediência era involuntária. As palavras de uma serpente foram suficientes para convencer os primeiros humanos de que obedecer não valia a pena. [2]

    Mas é fácil aceitar algo que concorde com a sua consciência e seja realizado pela sociedade, como a aceitação do bem comum trazido por se obedecer a regras que evitem com que pessoas sejam prejudicadas, pois bem se sabe, uma hora ou outra, o prejudicado pode ser você.

    Difícil é obedecer algo que você intimamente tenha como errado e que contrarie seus mais íntimos princípios que definem sua personalidade. Ninguém quer ser castigado com a morte sem ter feito nenhuma ofensa, mas quando um bem maior está em jogo, como a segurança ou a soberania de toda uma nação, então torna-se justificável o ato de matar pessoas que representem uma ameaça. Mesmo que você não entenda muito bem por que elas são uma ameaça.

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  3. A história de Abraão e seu filho Isaac é talvez o maior exemplo de como a obediência irrestrita à vontade de Deus, sendo mais importante que o questionamento de suas mais íntimas paixões é considerada uma grandiosa virtude. Abraão estava preparado para matar seu próprio primogênito, que havia sido tão esperado e era tão adorado para cumprir o que dizia a voz de Deus, mesmo que não houvesse nenhuma explicação de por que era importante que ele fizesse aquilo. [3]

    Para o sociólogo Max Weber, a obediência sociológica é a principal característica que define o “domínio”, em contraste com o “poder”. Max Weber desenvolveu um importante trabalho de sociologia política através da sua teoria dos tipos de dominação. Dominação é a possibilidade de um determinado grupo se submeter a um determinado mandato. Isso pode acontecer por motivos diversos, como costumes e tradição. Weber define três tipos de dominação que se distinguem pelo caráter da dominação (pessoal ou impessoal) e, principalmente, pela diferença nos fundamentos da legitimidade. São elas: legal, tradicional e carismática.

    Para Weber, as melhores formas de se fazer alguém obedecer alguma coisa seria pela lei, pela tradição ou pelo carisma. Aceitar a lei é concordar que existe uma verdade intrínseca representada pela burocracia dos estatutos estabelecidos pelas regras vigentes de cada sociedade. Aceitar a tradição implica em submeter-se às ordens de seu regime hierárquico e a aceitar o carisma significa confiar em um líder ou uma ideia por que ela te comove. [4]

    Stanley Milgram conduziu uma serie de notáveis experimentos de psicologia social na universidade de Yale, que mediam a capacidade dos participantes de obedecer a uma figura de autoridade. Nestes experimentos, participavam o pesquisador, um voluntário e um ator passando-se por voluntário. O pesquisador apresenta-se como figura de autoridade, o voluntário assume o papel de professor e o ator passando-se por voluntário assume o papel do aluno. O “aluno” e o “professor” são então separados em diferentes salas onde eles podem se comunicar mas não ver uns aos outros.

    O “professor” recebe um choque elétrico para mostrar que existe um gerador que está ligado ao “aluno”. Uma lista de palavras é apresentada ao “professor” que deve lê-las em sequencia e devem ser memorizadas e repetidas pelo “aluno”. O experimentador afirma que o objetivo do estudo é verificar a capacidade de aprendizado do “aluno”. Para cada resposta errada, o “professor” é orientado a aplicar descargas elétricas no “aluno” com intensidades cada vez maiores.

    Quando os voluntários se negavam a continuar, o experimentador insistia dizendo que era muito importante/essencial que ele fizesse aquilo para que o experimento desse certo, alegando inclusive que eles não tinham outra escolha.

    Entretanto, não havia ninguém tomando choque e o objetivo do estudo era apenas verificar se as pessoas são capazes de inferir danos umas as outras apenas por que são orientadas a isso por alguma figura de autoridade. Milgram teve a ideia desse estudo após refletir acerca das questões que levaram aos soldados nazistas a obedecer ordens que levaram ao extermínio de milhares pessoas envolvidas. Como é que o senso mútuo de moralidade das partes envolvidas conseguiu justificar essas atitudes, mesmo quando elas violavam seus mais profundas crenças morais?

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  4. Antes de conduzir o experimento, Milgram lançou uma enquete entre os alunos do último ano de psicologia para que tentassem prever o comportamento de 100 hipotéticos “professores” deste experimento. Os resultados mostravam que a maioria acreditava que apenas uma pequena fração dos “professores” (1.2%) dos professores iria estar preparado para infligir um choque com a máxima descarga em outras pessoas. Já os psiquiatras formados previram uma taxa de 3.7 % das pessoas continuando o experimento, sendo que a maioria iria se negar a participar em procedimentos que estariam causando sofrimento em outras pessoas.

    Enquanto a pessoa aplicava os choques, uma frase gravada do “aluno” indicava que ele não estava de acordo com o experimento e queria sair, mas não podia por estar preso na cadeira. Entretanto, mesmo assim, para surpresa de todos, todas as vezes que o estudo de Milgram foi realizado, a maioria das pessoas (60%) se mostrou capaz de administrar a dose máxima de eletricidade em outros participantes e a insistência do pesquisador era suficiente para que ignorassem os gritos de reclamação presentes na gravação e que indicavam que o colega de experimento que haviam acabado de conhecer estava sendo subjugado a participar do experimento.

    A análise também mostra que todas as pessoas estavam agindo de forma contrária a seus princípios, por que demonstravam nervosismo e contrariedade. Mesmo assim, não conseguiam resistir à figura de autoridade do pesquisador e mesmo que as que se negavam a continuar o experimento ficaram indignadas o suficiente para querer verificar o estado do outro participante ou quis afrontar o estudo, em si [5].

    Pensando a respeito das informações presentes nestas fontes que acabei de citar, acredito que possamos fazer uma produtiva reflexão a respeito do tema em questão.

    Em última análise, todos nós vamos responder (obedecer) alguma coisa, nem que seja nossa própria consciência.

    As ideologias humanas existem como justificativas para a promoção de ideais coletivos partilhados por grupos associados por interesses mútuos.

    Sendo assim, até que ponto é útil que existam sistemas sólidos de pensamento que transmitam suas conclusões de forma doutrinária? Será que é possível, como defende Paulo Ghiraldeli, ter uma visão de mundo baseada sempre no espírito crítico e que é distinta da visão de mundo propagada pelas ideologias? [6]

    Com estas reflexões, termino minha introdução.

    Chico Sofista.


    FONTES:

    [1] http://pt.wikipedia.org/wiki/Obedi%C3%AAncia
    [2]http://www.biblica.com/uploads/pdf-files/bibles/portuguese/ot/genesis.pdf
    [3] http://church-of-god-online.com/ss.PO.OT.Lesson9.pdf
    [4] http://burawoy.berkeley.edu/Reader.102/Weber.Legitimacy.pdf
    [5] http://academic.evergreen.edu/curricular/social_dilemmas/fall/Readings/Week_06/milgram.pdf
    [6] http://www.youtube.com/watch?v=DvU5nN-wP0Q

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  5. Bom, li finalmente as considerações do meu grande camarada Chico Sofista, e devo dizer que as apreciei muito. De antemão, agradeço a ele por ter apresentado o teste de Milgram, que eu, confesso, não conhecia.
    Como não vi nada de anormal nos dados apresentados por Chicão (também porque os apresentou como uma introdução, não como uma "refutação" ou esse tipo de blá-blá-blá), vou usar esta réplica para responder tanto às perguntas que fiz quanto às que ele, apropriadamente, fez.

    Primeiro, todos temos uma ideologia (segundo a definição crítica)? Eu, sinceramente, considero que não, pois venho me tornando cada vez mais cético quanto às habilidades do nosso povão. Assim sendo, acho que, por uma questão de preguiça em ser coerente mesmo, a maioria das pessoas prefere ou seguir as ideias dos outros (e algumas vezes dizer que são originalmente suas!) ou pensar que cada caso é um caso e, por uma série de questões, tomar posicionamentos diferentes em assuntos diferentes.

    Porém, é justamente essa preguiça em ser coerente por si próprio (ou até mesmo em pensar por si próprio) que facilita que as pessoas aceitem qualquer conjuntinho vagabundo de ideias que lhes pareça mais ou menos coerente. Isso, no entanto, não é nem pode ser considerado filosofia, e por uma questão básica: filosofar requer uso do cérebro e em alguns casos do coração (como aqueles que filosofam sobre sentimentos de uma forma mais "romântica", dizendo a grosso modo), e não do intestino ou da medula, que sejam talvez os únicos órgãos que prestem de um ser que aceita certas ideologias.

    Assim, não, ideologia não é filosofia, pois, para desbanalizar o banal, é necessário pensamento e crítica, e para seguir uma ideologia, ainda assim de vez em quando, só se exercita uma porcentagem abaixo de infinitesimal de nossa capacidade crítica.

    Ainda assim, tudo isso não significa que não seja possível pensar nas questões por si mesmo. Aliás, é justamente por não nascermos com molde de pensamento pré-pronto que temos a possibilidade de pensar fora das redomas ideológicas. Devemos lembrar também que as ideologias, geralmente, pregam que se tenha um único tipo de comportamento em questões de mesma natureza, mas que nem todo mundo pensa assim. Ou seja, creio eu que alguns de nós acabamos pensando fora das ideologias até de modo inconsciente, o que nos prova ser possível pensar fora das ideologias.

    Sobre ciência e ideologia, como não sou mais alguém que pensa por ideologias, acho que meu amigo Chicão pode prever minha resposta. É óbvio que, por uma questão de funcionamento da mente humana, torna-se impossível apagar completamente os traços subjetivos de um cientista em suas pesquisas.

    Porém, quando se diz, como eu, que ciência e ideologia não se misturam, é justamente porque, por ser a ciência destinada a todos os tipos de pessoas e não apenas àqueles que estão próximos da subjetividade do cientista, que esta deve aparecer em um nível mínimo. É por isso mesmo que eu, no meu último post no meu blog pessoal, critiquei o linguista Marcos Bagno: porque existe uma clara fronteira entre apresentar um artigo sério, ou seja, com a subjetividade no nível mínimo, e usar esse mesmo artigo para divulgar suas ideologias.

    Assim sendo, mesmo não havendo formas totalmente objetivas, por uma limitação do ser humano, de se obter o conhecimento, isso não faz com que ciência e ideologia se misturem, especialmente porque, além de a ideologia limitar a apresentação de certo conhecimento apenas a quem consegue acreditar naquela ideologia, esta se encaixa no campo da CRENÇA, enquanto a ciência é UMA FORMA usada para a obtenção de CONHECIMENTO. É por isso também que o cientificismo, ou seja, a ideologização (e divinização) da ciência, é uma contradictio in terminis.

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  6. Quanto à nocividade, acho difícil que Chicão discorde de mim quando afirmo que foi o Marxismo em todas as suas formas a ideologia mais nociva. É óbvio que houve cagadas feitas por cientificistas, positivistas, nietzscheanos e outros, mas a própria história nos prova que as maiores cagadas são do Marxismo.

    Por fim, a pergunta mais interessante foi feita pelo Chico. Afinal, "até que ponto é útil que existam sistemas sólidos de pensamento que transmitam suas conclusões de forma doutrinária?". Quanto a isso, digo que esses sistemas são humanamente necessários por causa da nossa necessidade de criar padrões e segui-los. Porém, não é preciso criar uma ideologia para isso. Pode-se criar convenções sociais das formas mais diferentes possíveis e, além disso, nem sempre essas convenções são totalmente coerentes entre si. Além disso, o foco das ideologias não é necessariamente esse (o de manter viva a humanidade), mas sim o de manter viva a própria ideologia por mais que esta seja nociva.

    Assim sendo, sim, precisamos de sistemas de pensamento sólidos, mas não precisamos das ideologias para montá-los, especialmente porque o mundo nunca é tão maravilhoso ou até mesmo tão maléfico quanto o querem fazer as ideologias. Isso, lógico, no mundo que eu e Chicão conhecemos. Obviamente, ambos podemos estar errados, mas, a vida é assim.

    Enfim, espero não ter me enrolado muito nem ter sido muito prolixo. Caso alguma das minhas respostas não tenha ficado suficientemente clara, não hesite em me pedir para reformulá-la, grande Chico Sofista.

    Bom, termino aqui e passo a palavra ao Chicão.

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  7. “Um realista é uma pessoa que mantém a distância correta de seus ideais.” – Truman Capote

    Sabe Octávio, o tempo passa e a gente amadurece as nossas ideias. Eu defendi um posicionamento muito parecido com este que você está defendendo em nosso primeiro debate [7]. Até escrevi um texto no Vida Sofista, inspirado naquela conversa, que é a postagem mais lida do nosso blog até hoje [8]. Mas eu me lembro também que tive vários votos contrários àquela minha visão, o que me fez refletir muito mais a respeito do que eu estava realmente querendo dizer.

    Neste debate, vou tentar mostrar qual é a minha visão atual sobre o tema. Pelo visto, estamos falando da mesma coisa: Das consequências dos conjuntos de ideias humanas para a sociedade.

    Eu comecei falando sobre obediência para lembrar que é uma característica essencial para a formação da sociedade como conhecemos, então não podemos negar que ela existe. Você definiu “Ideologia” como um processo de aquisição de conhecimento a partir do compartilhamento dos ideais propagados por um conjunto de ideias, ao contrário da filosofia, que significa justamente tentar ver além dos ideais e do senso comum. Pareceu achar também que ideologia é algo essencialmente ruim, pois é algo que impede as pessoas de ver fora da redoma em que se meteu e as impede de perceber seus próprios erros.

    Por fim, você termina dizendo que acha que o Marxismo te parece a ideologia mais nociva da história e diz que é possível viver sem ideologias e que as pessoas deveriam procurar fazer isso. Descrente da capacidade de crítica do “povão”, você acredita que a maioria deles são seguidores de ideologias e não questionam muito o que lhes é dito e deve concordar comigo com a fato de que isso pode ter consequências nefastas para a sociedade.

    O que eu tentei mostrar em minha introdução é que estes estudos mostram uma coisa muito alarmante sobre a natureza humana: A MAIORIA das pessoas é capaz de crueldades ou de coisas que não se imaginariam capazes quando coagidas pela influência do meio. Não são algumas “frutas podres” que destroem a sociedade. A maioria das pessoas possui a capacidade de fazer isso e só precisa das circunstâncias certas para colocar isso em prática [9].

    E o que isso tem a ver com a discussão sobre ideologia? Tudo. Afinal de contas, não podemos negar que as ideologias existem. E que elas são extremamente poderosas. E que as pessoas são capazes de cometerem coisas impensáveis quando são guiadas por um ideal que consideram superior a elas e que dá propósito para suas existências.

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  8. Em 1964, 38 nova-iorquinos assistiram pelas suas janelas uma de suas vizinhas ser brutalmente assassinada e ninguém chamou a polícia. Muito tempo depois, alguém chamou uma ambulância, mas ela já havia chegado morta no hospital. Isso levou os pesquisadores Bibb Latané e John Darley a desenvolver uma serie de estudos para tentar explicar o que poderia fazer as pessoas omitir socorro [10].

    Através de uma serie de estudos, colocando pessoas sozinhas ou acompanhadas em salas e verificar a reação dos envolvidos quando fumaça começa a entrar dentro da sala, pessoas fingindo desmaiar em público, crianças precisando de ajuda, perceberam que as pessoas tendem a ser mais prestativas quando estão sozinhas. Quando mais pessoas estão presentes, tendemos a ignorar ajuda a outras pessoas com muito mais frequência.

    Eles identificaram assim duas principais razões que podem ser responsáveis pela omissão de socorro: Ignorância plurarística e difusão de responsabilidade. A ignorância plurarística ocorre quando alguém assume que pelo fato de ninguém estar ajudando, não deve ter nada de errado acontecendo e a difusão de responsabilidade é uma diminuição do senso de responsabilidade quando outros estão presentes. “Alguém tem que ajudar, mas por que é que tem que ser eu?”

    E mais uma vez, perceberam que não é a minoria das pessoas que age assim, muito pelo contrário. Estes resultados, quando analisados paralelamente com os resultados dos estudos de Milgran, quando foram realizados e também com o polêmico experimento de Philip Zimbardo, revelam características bastante assustadoras a respeito da natureza humana [11].

    Zimbardo construiu uma réplica de uma prisão no subsolo de Stanford e separou os voluntários para representar os papéis de “guardas” e “prisioneiros” dentro da prisão. Deu liberdade para os “guardas” manterem a ordem e filmaram tudo o que acontecia nos dias seguintes.

    No começo, as pessoas estavam se divertindo e não levavam a sério a autoridade dos supostos guardas. Para manter a linha, alguns guardas começaram a ficar cada vez mais severos e agressivos. Com o tempo, os “prisioneiros” estavam sendo submetidos a extensas humilhações e alguns deles já começaram a desistir e apresentavam nítidos sinais de síndrome do pânico e depressão. Por fim, o estudo teve que ser interrompido antes da hora, por que Zimbardo temia pela segurança das pessoas envolvidas.

    E o mais interessante é que eram todas pessoas normais, nenhum deles com antecedentes criminais. Se o grupo dos “presos” e dos “guardas” fosse trocado, talvez tivéssemos exatamente o mesmo resultado.

    Por isso, respondendo às suas perguntas, SIM, ideologias podem ser extremamente perigosas, principalmente por que a maioria das pessoas possui uma tendência muito marcante de seguir ordens e obedecer cegamente figuras de autoridades, assim como apaixonar-se por discursos de pessoas ou figuras de personalidades. Todos estão procurando alguma coisa para seguir o tempo todo. Alguém com as técnicas apropriadas pode se aproveitar disso para disseminar os mais variados tipos de comportamento.

    Karl Marx percebeu isso e por isso falou tanto sobre alienação e os impactos das ideologias. O problema é que a maioria dos ditos “comunistas” ou “socialistas” de plantão não leram Marx como um filósofo, mas como um guru que falava a respeito de um mundo perfeito, mas que como os próprios fatos mostraram, foi falseado pela realidade econômica do planeta, resultado de como direcionamos a nossa natureza humana para tudo o que fazemos

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  9. Mas os impactos da ideologia “marxista” foram tremendos para a sociedade, não dá para se negar. Mesmo os estados capitalistas e os pensadores que não eram diretamente influenciados por Marx começaram a ver mais necessidade de políticas sociais para que o capitalismo não se tornasse o monstro que os idealistas de esquerda diziam que ele era. Com isso nasceu a política de Welfare State na Europa e mais uma serie de políticas de bem estar social que foram implantadas durante o comunismo em países capitalistas e também por todos os países, com o fim da guerra fria [12].

    Mas é claro que as pessoas conseguem levantar bandeira para tudo, até para quem critica o posicionamento de quem está mais interessado em levantar bandeiras do que conhecer realmente a verdade. Prova disto é ver por aí auto denominados “Marxistas” vivendo exatamente do jeito que Marx criticava, acreditando em falsificações da realidade. Ou mesmo defensores da Ciência, que acham que possuem a resposta definitiva para as questões da vida, quando o próprio propósito da ciência é firmar-se como um tipo de conhecimento que está o tempo todo se renovando, sendo por isso, qualquer coisa, menos definitivo.

    Mas eu acho que a causa principal das pessoas pensarem assim, além da tendência biológica, está na forma como interpretamos nossas ideologias mais sólidas e quais são as influências que elas terão em nosso comportamento. Essas ideologias são muito mais antigas que o “Marxismo” e seus impactos na formação dos arquétipos de personalidade das sociedades é muito maior.

    Consegue imaginar do que estou falando?

    Deixo o resto para a tréplica.

    Até mais.

    FONTES:
    [7] http://duelosretoricos.blogspot.com.br/2012/06/chico-sofista-x-octavio-henrique.html
    [8] http://vidasofista.blogspot.com.br/2012/08/ideologia.html
    [9] http://www.youtube.com/watch?v=4YUMxsj6rl4
    [10] http://www.sagepub.com/newman4study/resources/latane1.htm
    [11] http://psychology.about.com/od/classicpsychologystudies/a/stanford-prison-experiment.htm
    [12] http://www.ukessays.com/essays/social-policy/welfare-state-development.php

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  10. Caros leitores, lembram que, na minha introdução ao tema, falei que não queria que este fosse um "debate", mas sim um simples papo com um grande amigo? Pois é, quando disse isso, sabia que teria pela frente dados interessantíssimos que o colega Chicão apresentou.

    De novo, e também porque não consigo sentir a obrigação de "refutá-lo" e essas coisas (também porque nossas teses são parecidíssimas, rs), só consegui ver o segundo experimento que o meu amigo trouxe com bons olhos.

    Com esse experimento (e com o outro também), Chicão demonstra de forma magistral o que tanto eu quanto ele falamos, e a que ele deu maior ênfase: o ser humano, de fato, pode ser muito cruel quando quer ou quando obedece ordens. Assim sendo (e, em linguagem matemática, C.Q.D, ou Como Queríamos Demonstrar, sim, ambos pensamos nas ideologias como potencialmente nocivas para a sociedade.

    Também sigo a linha do Chico ao dizer que amadurecemos ideias (e de que é por isso que eu parei de pensar no mundo da forma dualista-ideológica, analisando caso a caso e não todos os casos com a mesma régua), mas, ainda assim, acho que ambos concordamos que, exatamente por existir esse amadurecimento, ou seja, essa MUDANÇA, mesmo que mínima, em nossos ideais, que não devemos impor a nossa falta de ideologia aos outros, pois isso seria a atitude de quem ou tem uma ideologia, ou acredita que tem a possessão da verdade absoluta.

    Se alguém, hoje, vier me pedir um conselho sobre como pensar os fatos, diria para ele se livrar de suas ideologias e tentar ver os fatos pelos fatos. Ainda assim, eu mesmo teria de admitir que, exatamente por existir a possibilidade de eu mudar de ideia, a decisão de alguém pensar por ideologias não é algo universalmente reprovável, apesar de serem as ideologias o caminho mais rápido e acrítico para as desgraças.

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  11. Bom, peço desculpas pela digressão e retorno um pouco mais ao tema (rs). Sobre o marxismo, eu tenho uma visão um pouco diferente do Chico. Foi exatamente quando resolvi ler um pouco do barbudo que deixei de pensar nele como filósofo e como criador de um mundo perfeito. No meu caso, foi ao ler Marx que eu percebi que, na verdade, a maioria dos ditos marxistas NÃO LEU Marx, e foi aí que comecei a tomar Marx não como um filósofo, mas sim como o que ele era de fato, e como ele nos é apresentado na escola, como mais um sociólogo.

    Obviamente, eu sei que as fronteiras entre Sociologia e Filosofia são tão tênues quanto as fronteiras entre linguagem filosófica e linguagem literária, mas, e aqui acho que o Chicão não vai concordar comigo de jeito nenhum (e nem você irá, caro leitor, rs), prefiro tomar como filósofos Nietzsche, Spinoza, Sartre e tantos outros que, além de terem uma linguagem bem mais "filosófica" (e até literária), digamos assim, me pareceram mais comprometidos com o pensamento em si do que com a sociedade

    Ainda sobre o marxismo, eu o chamaria sim de mais nocivo à sociedade do que qualquer outra ideologia, mas isso porque o que o Chicão chamou de "nossa ideologia" eu considero como "convenções sociais", que são necessárias, mas alteráveis, em qualquer sociedade.

    Para encerrar, eu concordo totalmente com o Chico na questão de levantar bandeiras. Inclusive, e como ele comentou de ciência, eu diria também que outra bandeira perigosa de ser levantada é a do cientificismo, pois esta, assim como as ideologias, rejeita tudo o que não é espelho, ou seja, despreza as formas de conhecimento que fujam da "madre ciência".

    Enfim, estou ansioso para ver o resto das considerações do Chicão, pois imagino que vão ser tão edificantes quanto as de sua réplica. Portanto, encerro minha tréplica e repasso a palavra ao Chico.

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  12. “É preciso que ambos levemos em consideração a definição crítica de ideologia, ou seja, como um conjunto de crenças que visam a orientar as ações humanas nos mais diversos campos da vida.

    É a preguiça em ser coerente por si próprio (ou até mesmo em pensar por si próprio) que facilita que as pessoas aceitem qualquer conjuntinho vagabundo de ideias que lhes pareça mais ou menos coerente.” Octávio Henrique.

    A diferença entre o Cristianismo e o Islamismo do Comunismo está na alegação de que os seus objetivos não seriam de natureza humana e sim transcendental, sendo assim não poderiam ser vistos igualmente como ideologias.

    O grande problema com este tipo de mentalidade é o de que ideologias religiosas seriam algo que estariam além do alcance da crítica e em vários momentos a crítica religiosa (blasfêmia) foi severamente punida.

    Eu gostaria muito de saber qual é a diferença prática entre ser convencido por uma série de argumentos religiosos do que o convencimento em qualquer tipo de sistema de conhecimento da mesma forma como o comunismo ou o fascismo.

    Entretanto, a implantação das ideologias religiosas é muito mais profunda e começa em tenra idade, dando às pessoas senso de identidade e as vantagens do culto em comunidade. Normalmente a verdade religiosa se torna um fato auto evidente fazendo com que não existam alternativas para o que aprenderam em suas religiões tradicionais, de seus familiares e vizinhos [13].

    Em várias sociedades, a simples ideia de se mudar de religião pode ser interpretada como algo inaceitável, pois eles não conseguem ver a religião como um tipo de ideologia, mas sim como uma parte imutável da personalidade da pessoa [14].

    Sosis & Ruffle, em 2004 [15], realizaram um estudo na comunidade dos Kibbutzim israelitas, que são organizações ideologicamente motivadas, que vivem a constante tarefa de promover e manutenção da cooperação entre seus membros. A ação coletiva é essencial para a sobrevivência de um Kibbutz e ao contrário da maioria das populações tradicionalmente estudadas por ecologistas comportamentais, os membros desta sociedade são auto selecionados, ou seja, escolheram viver suas vidas no ambiente comunitário e possuem amplas oportunidades de deixar a comunidade e se juntar à população que vive ao redor e que partilham da mesma religião, linguagem, etnia e identidade nacional.

    Desta forma, para manter a cooperação na comunidade do Kibbutz é necessário que exista um compromisso ideológico entre seus membros. Estes fatos, em conjunto com diferenças naturais são fatores que podem influenciar a variação da cooperação ao longo dos Kibbutzim (plural), incluindo tipos ideológicos (econômicos e religiosos), faz desta comunidade um lugar ideal para se estudar os fatores sociais de uma ideologia.

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  13. Seus resultados mostraram que os membros dos Kibbutizim eram mais cooperativos do que os outros residentes da cidade, enquanto que membros do Kibbutz que haviam abandonado a ideologia socialista não eram mais cooperativos do que os residentes da cidade. Mostraram ainda que quanto maior o nível de convicção religiosa dos membros estudados, maior o nível de cooperação para qualquer subpopulação estudada.

    Este é um exemplo de como o comprometimento ideológico e a religião podem ser importantes para manter a cooperação e a coesão social em sociedades ideologicamente mistas. Entretanto, as raízes da ideologia religiosa são muito mais profundas que as de qualquer ideologia social já imaginada e exatamente por isso são as mais potencialmente perigosas que existem. Os próprios religiosos concordariam comigo se pensarem na tragédia que é ver alguém “manchar o nome” de outros religiosos quando seguem de forma cega algo que eles não consideram a interpretação correta dos textos Bíblicos.

    Em nossa legislação, é crime incentivar alguém a cometer suicídio, mas sua postura é vista com maus olhos se você criticar os Testemunhas de Jeová e disser que quando a religião deles incentiva seus fiéis a não fazerem ou aceitarem doações de órgãos, estão incentivando as pessoas a destruir vidas, o que é a mesma coisa que cometer suicídio ou permitir que alguém morra por causa de uma irracionalidade de sua ideologia [16].

    O psicologista Israelense George Tamarin [17] apresentou a mais de 1000 crianças israelenses entre 8 e 14 anos o trecho da Bíblia que fala da Batalha de Jericó (Josué 6:1-27), que narra a história da obediência de Josué a Deus, por mais ilógicos que parecessem seus comandos [18]. Como se sabe, Josué foi instruído a cometer genocídio e destruir todos os homens e todos os adultos da cidade.

    As crianças do estudo de Tamarin tiveram que responder a simples pergunta “Você acha que Josué e os israelitas fizeram certo ou não? 66% aprovou totalmente as ações de Josué, 26% desaprovou completamente e 8% aprovou parcialmente. As justificativas da maioria das crianças que aprovavam as atitudes de Josué baseavam-se no fato de que não se deve questionar ordens de Deus, por que o povo desta região eram de religiões diferentes e estas religiões poderiam contaminar outras pessoas.

    Como grupo controle para este experimento, Tamarin utilizou um outro grupo de 168 crianças israelenses, dando a elas o mesmo texto do livro de Josué, mas com os nomes das personagens modificadas para General Lin e Israel redirecionada para a China de 3000 anos atrás. O resultado do experimento foi exatamente o oposto. Apenas 7% das crianças aprovavam o comportamento do General Lin e 75% desaprovava.

    Em outras palavras, quando a lealdade deles para o Judaísmo era removida do cálculo, a maioria das crianças concordava com os julgamentos morais que a maioria dos humanos modernos partilhariam. O único fator que fez com que as crianças deixassem de condenar o genocídio foi o fator religioso.

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  14. Mas é exatamente este tipo de ideologia que possui repercussões tão positivas quando aliadas a outras ideologias dos Kibbutzim. Para o bem ou para o mal, este tipo de influência não pode ser ignorada, se o que estamos investigando são as repercussões dos sistemas de pensamento mais importantes da civilização.

    Por fim, eu gostaria que por favor explicasse por que é que você acha que o Marxismo é a ideologia mais nociva da história e por que é que a noção de alienação de Marx estava errada. Se puder, conte-nos também como é aprender com “filósofos” rompedores de ideologias como Pondé e Olavo de Carvalho e como é que você resolveu adotar esta postura de direita conservadora, após deixar de seguir as antigas ideologias que seguia para seu estado atual, onde afirma não possuir mais ideologias.

    Vejo você em minhas considerações finais.

    Até mais!

    [13] http://www.nowpublic.com/culture/religion-ideology
    [14] http://atangledrope.blogspot.com/2009/02/is-religion-form-of-ideology-or-is.html
    [15] http://www.anth.uconn.edu/faculty/sosis/publications/sosisandrufflerea.pdf
    [16] http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=9841
    [17] http://mcbrolloks.wordpress.com/2011/06/25/dawkins-on-the-immorality-of-israeli-school-children-how-religion-condones-genocide/
    [18] http://christianity.about.com/od/biblestorysummaries/a/Battle-Of-Jericho.htm

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  15. Estamos chegando ao fim deste bom papo, infelizmente. Tendo acabado de ler as considerações do Chicão na tréplica, digo que as adorei e que me senti provocado a dar uma resposta digna a elas. Obviamente, isso não significa que acertarei nas minhas respostas, mas sim que tentarei responder ao meu amigo da melhor forma possível.

    Bom, vamos começar essas CFs então. Primeiro, o Chico mostra trechos da minha introdução ao debate, em que considero as ideologias como um conjuntinho vagabundo de ideias mais ou menos coerente, e me pergunta então qual seria a diferença entre as ideologias como o Comunismo e as religiões.

    Se fosse naquele nosso primeiro debate sobre o tema, o Chico teria me pegado com essa pergunta. Porém, naquele debate ele tratava com alguém que era claramente um antirreligioso, e neste papo ele conversa com alguém cujas opiniões sobre a religião mudaram muito.

    O que me faz não ser pego por essa pergunta hoje é que eu não considero a religião como um conjunto de ideias vagabundas, especialmente porque, pelo menos em ideal, considero que o papel das religiões não é a dominação política deste mundo, ou a subversão ou a manutenção de uma ordem, pois elas, por terem sempre pelo menos um plano fora do mundo físico, um plano metafísico.

    Assim sendo, eu vejo as religiões como uma forma de ajudar as pessoas a procurarem um consolo para seus problemas, uma salvação TRANSCENDENTAL. A diferença entre qualquer religião que eu conheça (frise-se: que eu conheça) e o Comunismo, por exemplo, fica então bem clara: enquanto uma serve como consolo, como acalanto, e admite que o mundo sempre terá problemas independente das nossas ações e que, por isso, devemos fazer o nosso melhor aqui para termos um tipo de recompensa em um mundo bem melhor, a ideologia (no caso, o Comunismo) busca sempre algum tipo de utopia neste nosso mundo, e as ideologias também não se importam minimamente com seus inimigos.

    Isso, porém, não deixa as religiões imunes às críticas. Só digo que EU as aprovo pois vejo nelas uma maior piedade, uma maior empatia com o outro e até um maior nível de esclarecimento sobre o mundo do que as ideologias. A diferença mais primordial, e que é a que me torna mais crítico às ideologias do que às religiões, é que quem busca uma religião busca SALVAÇÃO, busca AUTOCONHECIMENTO, mesmo que eu não considere essa a melhor forma de buscar autoconhecimento, enquanto quem busca uma ideologia busca um mundo que nunca teremos e ambiciona não conhecer, mas DOMINAR o outro, o que eu, como um homem que preza pela liberdade, não posso aceitar.

    Lógico, eu, ao contrário dos religiosos mais fanáticos, não vejo religião como algo imutável. Tanto é que, inclusive, eu mesmo era religioso (católico) e fui progressivamente me tornando ateu. Porém, eu também não acho que ateísmo seja algo imutável, porque não o trato como minha religião e muito menos como minha ideologia.

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  16. Bom, não sei se esclareci muito esse ponto, mas, foi o melhor que consegui fazer. Agora, vou passar ao último parágrafo do Chico e vou responder às perguntas dele sem fugir de nenhuma.

    Quanto ao marxismo ser a ideologia mais nociva da história, tenho duas razões para isso:
    1- O número gigante de mortes por ele causado em menos de 80 anos de domínio
    2- O número maior ainda de gente que foi imbecilizada por causa dos ensinamentos marxistas, e isso sem serem marxistas. Explico: quando se está na universidade, na escola ou em outro tipo de ambiente acadêmico e educacional BRASILEIRO, é difícil achar um professor que não tenha a visão marxista de mundo e que não queira passá-la aos alunos. Porém, exatamente por serem fanáticos ideológicos, esses professores esquecem que existe bem mais do que Marx e os marxistas na história.
    Sobre a noção de "alienação" de Marx, acho que Chico me perguntou isso porque nós vinhamos comentando, há dias, sobre essa noção. Primeiro, quero esclarecer que não sou crítico à noção de alienação de Marx, pois não a conheço. O que eu critico é bem mais a forma como a noção de alienação nos é apresentada pelos marxistas, e me baseio em duas ideias para isso.

    Primeiro, cito uma frase do filósofo Mário Cortella, que disse em uma entrevista que "Não há crime perfeito". É óbvio que eu sei que essa ideia é controversa, mas eu concordo com ela. Afinal, se formos ver todos os passos de um crime, veremos que alguma ação da vítima a levou ao crime. Faço o mesmo com a alienação: não há como alienar uma pessoa com programas televisivos se ela nunca quiser assistir à televisão. Do mesmo modo, após certo período de tempo, toda pessoa, mesmo uma pessoa analfabeta, começa a ser capaz e a ter cada vez mais a opção de ANALISAR o mundo ao seu redor por si próprio e julgar por si o que é verdadeiro ou falso, ou seja, ela já pode desalienar-se quando quiser.

    Segundo, cito o próprio Jean Paul Sartre em seu conceito de "má fé". Segundo o parisiense, por termos a liberdade absoluta de fazer nossas escolhas, qualquer desculpa para nos colocarmos como vítima de uma força maior torna-se má fé. Obviamente, discordo do Sartre um pouco, pois não há como fazer a livre escolha com uma arma apontada na cabeça. Porém, segundo o conceito de alienação dos marxistas, parece que a sociedade sempre nos aponta uma arma na cabeça para assistirmos determinados programas ou termos determinados comportamentos, quando isso não é verdade. Não é por não poder EXPRESSAR UM PENSAMENTO MUITO DIVERGENTE que eu não posso PENSAR DE FORMA DIVERGENTE.

    Desse modo, não é que eu desacredito em alienação, mas sim que eu não a vejo como algo tão danoso quanto os marxistas a veem. Aliás, minha razão maior de oposição ao conceito dos marxistas é o umbiguismo, pois parece que, para eles, a sociedade aliena, o capitalismo aliena, a religião aliena, mas o marxismo não aliena ninguém. Eu não consigo tolerar esse tipo de hipocrisia. Além disso, acho que, para haver alienação, não é necessário só um agente que esteja disposto a alienar, mas sim um paciente que, em algum momento, se dispôs a ser alienado.

    Sobre alienação e marxismo, é isso. Agora, sobre filosofia, acho que consegui fazer uma coisa que não queria, que era fazer um grande amigo e aquele que primeiro me deu o impulso para sair das ideologias acabar vendo bandeiras em mim. Digo isso porque, por causa das minhas últimas atitudes, Chico disse que venho sendo um "direitista conservador".

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  17. Aqui, cabe um esclarecimento a todos. Quem me conhece pessoalmente sabe que, sem dúvida, sou um homem de fases. Ou seja, disso se conclui que não consigo ficar com uma ideia por muito tempo nem consigo me prender a uma ideia porque a ideologia C, S, A, CO ou L me diz isso. Assim, procurei fazer como uma vez disse Paulo Ghiraldelli Jr.: "A filosofia analisa caso a caso".

    Tenho plena consciência de que não sou filósofo, mas, aos moldes da filosofia, resolvi analisar cada caso em seu contexto específico. Se eu vier a defender em um debate meus posicionamentos sobre Cotas Étnicas e Linguística, por exemplo, haverá muitos que vão me chamar de "liberal" ou "comunista". Já se eu vier defender minhas posições sobre Legalização das Drogas ou Pena de Morte, serei chamado de "conservador de direita". Apesar de eu não gostar desses rótulos, isso significará que eu, na verdade, estou sendo bem sucedido em me desprender de ideologias. É por isso que não aprecio mais as ideologias: elas tiram minha liberdade de análise caso a caso, pois, como genialmente disse o meu amigo Chicão no nosso primeiro debate, ideologias são conjuntos fechados, pacotes completos de ideias, ou seja, se discordar de uma dessas ideias, já não pertence mais àquela ideologia.

    Aliás, é exatamente por parar de pensar ideologicamente que eu pude ver o lado bom das correntes que antes só criticava. Foi parando de pensar ideologicamente que pude apreciar elementos da obra de caras como Pondé, Cortella, Ghiraldelli e Olavo, mas sem abandonar Nietzsche, Sartre e Aristóteles. É por não pensar em blocos de ideias que posso concordar ao mesmo tempo com o Chicão em um ponto de vista e com o Emerson Oliveira, um apologeta católico gente fina, em outra coisa.

    Entendem, amigos leitores? Esse é o ponto bom de pensar sem amarras, sem ideologias. É poder ver o que há de boas ideias nos pensadores sem remorsos. É analisar o pensamento do mais religioso e conservador ao pensamento do mais ateu e liberal não pelas posições que eles adotam, mas pelo que falam, pelas suas ideias escritas, pelos seus textos. É analisar CASO A CASO.

    Bom, espero ter deixado tudo isso claro. Mesmo assim, devo admitir que, sinceramente, se fosse um leitor sensato, votaria sem pestanejar no meu amigo Chico, primeiro porque eu mesmo sinceramente estou pouco me lixando para votos e segundo porque, até pelo número de postagens que ele gastava, ele se dedicou bem mais ao debate. Além disso, o objetivo de ter um bom papo com um grande amigo, que era o meu único objetivo aqui, já foi atingido. O que vier é lucro. O problema para o leitor é que estou batendo um papo com uma pessoa que também se preocupa bem menos com votos do que com ter uma boa conversa.

    Enfim, despeço-me do Chicão e do amigo leitor que nos acompanhou até agora, passo a palavra ao Chicão para sua finalização e mando meu forte abraço a todos que leram este debate.

    Octavius

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  18. “Eu não quero mudar o mundo, só não quero que o mundo me mude” – Ozzy Osbourne

    Após o recente debate entre o Leonardo Levi e o Lucas Pierre, onde o Lucas esculachou (mais uma vez) o debate, demorando para responder e fazendo uma resposta ridícula, mas que em sua própria percepção tacanha refutava tudo o que o Levi tinha escrito em pouquíssimas linhas, andei refletindo sobre o objetivo destes nossos jogos. O Roger me disse que saiu do grupo por que acredita que as pessoas não mudam e continuar debatendo com pessoas como o Lucas seria insistir no erro. Eu não discordo. Por isso, depois do meu debate com ele sobre Satanismo, onde ele até hoje insiste em não admitir os absurdos que fez, fujo de debater deste sujeito como o diabo foge da cruz, com o perdão do trocadilho infame.

    Mas eu respondi para o Roger que não me importava com o fato das pessoas não saberem aprender, mesmo por que a maioria delas é assim, mas sim com o fato de eu saber aprender ou não. Como é que eu posso querer que o mundo mude se eu não conseguir mudar nem a mim mesmo? Eu vejo muita gente reclamar que as pessoas deveriam debater melhor ou justificar melhor os seus votos. Mas essas mesmas pessoas são as que não usam de forma apropriada seus espaços para argumentação e muitas vezes tem um senso de justiça completamente nublado por suas próprias ignorâncias, mas está seguro que somente ele sabe votar corretamente, a opinião dos outros está sempre errada.

    Por isso, ao invés de falar dos impactos sociais desta ou daquela ideologia, em especial, neste debate, preferi fazer uma reflexão a respeito de como os seres humanos, em geral, incluindo eu e você, temos tendências a obedecer. Discutimos os impactos dessa obediência, mas falamos pouco da desobediência e de quando ela é legítima. Talvez seja um tema para um outro debate no futuro.
    O fato, Octávio Henrique, é que nem todas as ideologias são essencialmente conjuntos “vagabundos” de ideias, como você se referiu. Muitas vezes, elas surgem com as melhores das intenções e são frutos de profunda reflexão filosófica. O mesmo vale tanto para o Marxismo quanto para o Cristianismo. Marx, ao conceber o ideal do comunismo não podia prever todos os conflitos políticos que iriam ser resultantes do fato de alguns países serem influenciados por suas ideias. O “comunismo” como conhecemos é fruto da influência de alguns autores, entre eles Marx, mas nada disso corresponde à versão exata do que Marx tinha em mente. O mesmo vale para o Cristianismo. Jesus Cristo nunca escreveu nenhuma linha, o que sabemos encontra-se em uma série de livros antigos escritos por pessoas que conviveram com ele ou não e deram suas próprias versões para o que Jesus disse.

    Tudo isso funciona como um gigantesco telefone sem fio e o que Marx ou Jesus disseram pode servir como justificativa para coisas que nenhum dos dois jamais admitiriam. Por isso, jogar toda a culpa do que foi feito em nome do “Cristianismo” ou do “Marxismo” em Jesus ou Marx seria uma tremenda injustiça com ambos os pensadores. A culpa, como sempre, é das pessoas. A maioria delas preguiçosa e sem paciência para entender a fundo ambas as filosofias/ideologias e com uma tendência muito forte em obedecer algo que pareça superior a elas mesmas.

    É claro que, em essência, a tarefa da “Religião” deveria ser algo muito parecido com o da Filosofia, que é a busca por respostas para as perguntas mais essenciais de nossas existências. Mas da mesma forma que seguir qualquer conjunto de ideias não pode ser chamado de Filosofia, o mesmo pode ser dito a respeito da Religião. Se o que fiel segue são apenas conjuntos rarefeitos de ideias vazias de significado e muitas vezes contraditórias, então não existe diferença alguma entre o que ele está seguindo do que seguir qualquer que seja a ideologia.

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  19. O grande problema desta ideologia, é que, ainda mais que as outras, faz com que a mera ideia de se criticar e não aceitá-la seja algo inaceitável. Por isso existe a “blasfêmia” e por isso heresia era punida com a morte, até um tempo atrás. E existe suporte para isso nas escrituras. Quem interpretou bem o que queriam dizer as passagens do pecado capital [2], ou a história de Abraão e Isaac [3] ou mesmo a batalha de Jericó [18] entendeu bem que a obediência a Deus é muito mais importante do que entender racionalmente o que está acontecendo.

    Isso pode ser algo extremamente perigoso. Imagine se alguém começasse a ouvir vozes dizendo que deveria matar seu filho, ou então provocar o genocídio de um povo inteiro, baseado na premissa de que ele não seguem a mesma religião que você, então são indignos de misericórdia. Parece contraditório com a filosofia do cara que mandou oferecer a outra face, mas quem segue uma ideologia não pensa nas contradições, apenas numa forma que pareça legítima para justificá-las. Não há nenhuma honestidade nesta forma de se ver o mundo.

    Para concluir minha participação, vou citar um filme que assisti esses dias atrás “The invention of Lying” (O primeiro mentiroso) [19]. Este filme se passa em uma realidade alternativa onde as pessoas não possuem a habilidade de mentir. Sendo assim, as pessoas acreditam em tudo o que as outras pessoas dizem, simplesmente por que não há motivos para se duvidar. Entretanto, milagrosamente, o protagonista do filme consegue desenvolver a capacidade de mentir e descobre que pode fazer o que quiser com isso, manipular as pessoas e conseguir fama e dinheiro.

    Ao ver sua mãe desesperada em seu leito de morte, chorando por que acabaria sua vida e não haveria mais nada para ela, ele mente para ela dizendo que após a morte nós vamos para um lugar maravilhoso, onde reencontramos com todas as pessoas que amamos e todos tem uma mansão (qualquer semelhança é mera coincidência ou licença artística). Acontece que o médico e as enfermeiras ouviram a história e no outro dia haviam formado um culto para o cara, milhares de pessoas querendo saber o que iria acontecer após a morte.

    Este filme tem um metáfora muito interessante, por que é justamente pelo fato de sabermos que as pessoas mentem e quando não mentem se enganam e dizem coisas que não são verdades, mesmo sem saber, que vale suspeitar daquilo que aprendemos a partir de outras pessoas. Sem isso, seríamos crédulos eternamente inocentes, incapazes de descobrir quando fôssemos enganados. Muito mais fácil seria seguir as ordens de alguma autoridade para a qual pudéssemos transferir a responsabilidade.

    A maioria das pessoas não está interessada em Liberdade justamente por causa da responsabilidade que é necessária para mantê-la. Assim como a maioria não está interessada em questionar suas figuras de autoridade, afinal de contas, vai que ela está errada em confrontar a autoridade (como quase sempre as pessoas a fazem acreditar que está)?

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  20. Se eu fosse idealista, diria que um dia as pessoas terão mais senso crítico e será difícil fazê-las obedecer algo que vá contra suas mais íntimas convicções. Mas eu sei que são poucas as pessoas que nascem com propensão a serem filósofos e menos ainda as que tentam desenvolver isso. Sendo realista, portanto, sei que o máximo que posso fazer é tentar identificar as ideologias e entender como elas são importantes para a formação da sociedade que eu vivo.

    Eu posso não concordar com nenhuma delas (pelo menos não em todos os aspectos) e sei também que não tenho poder para mudar a forma de ver o mundo de toda esta gente. Mas por outro lado, é bom saber que você é diferente e que você consegue, pelo menos um pouco mais que os outros, questionar o que lhe é imposto e desobedecer quando necessário. E isto deveria ser considerado sempre que você é obrigado a fazer algo que o faz se tornar algo que você não é.

    Chico Sofista.

    [19] http://www.youtube.com/watch?v=ra4LzRh-Hlc

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