quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Octávio Henrique X Marco Lisboa - Dinheiro e Vida



  1. Olá, amigos leitores e grande Marco Lisboa, com quem vou bater um bom papo sem dúvidas, pois converso com um homem extremamente cordial e bem informado.

    Enfim, sei que isso pode parecer abusivo, mas, antes de começarmos, quero que vocês vejam este vídeo na íntegra: http://www.facebook.com/photo.php?v=400760976673627

    Enfim, como vocês podem ver, trata-se de um simples vídeo em que um professor universitário (suponho) americano (ou estadunidense, como preferirem) relata as conversas que teve com seus alunos sobre o seguinte tema: Afinal, o que gostariam de fazer se não houvesse dinheiro?

    O vídeo em si não é de todo mal, como perceberam. Porém, não sei se o nobre leitor sabe, mas, como sempre, pseudo-comunistas e rebeldes sem causa quiseram militar contra a sociedade capitalista e a vida comandada pelo dinheiro com as ideias desse vídeo.

    Enfim, o fato é que discordo completamente deles. Acho impossível uma sociedade sem o dinheiro, e o uso em dois sentidos: o primeiro é como uma simples moeda universal de troca, ou melhor, de compra e venda, e o segundo é como a própria organização e estratificação social que essa moeda gera, ou seja, como o Capitalismo em si.

    Partindo disso, e sabendo que estou conversando com um marxista declarado, gostaria de saber do meu amigo Marco Lisboa: Marco, por que você acha que é viável pensar em uma sociedade sem dinheiro? Ou, melhor dizendo, por que acha que é viável pensar em uma sociedade cujas relações não sejam regidas por um sistema baseado no dinheiro?

    Bom, encerro minha introdução aqui e passo a palavra ao Marco.
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  2. Oi leitores e Octávio. Obrigado pelas palavras amáveis. Vou fazer tudo para justificá-las. Não gosto de abusar de citações num debate por duas razões: a primeira – não acredito em argumento de autoridade e o fato de Marx ter afirmado algo não torna essa afirmação mais ou menos verdadeira; a segunda – pode parecer que estou sendo pedante ou o que é pior, que não tenho idéias próprias. Entretanto, estou aqui para defender a visão marxista sobre o dinheiro e sobre a possibilidade de ultrapassar o capitalismo, o que vai exigir que eu exponha as idéias de Marx sobre o tema, usando o mínimo de citações diretas possível.
    O dinheiro não é um produto da sociedade capitalista, ele é uma mercadoria que surge em toda a sociedade em que há um excesso de produção que pode ser trocado. Marx, em O Capital, além de decifrar o modo de produção capitalista, expôs a gênese do dinheiro. Em sociedades mais primitivas, havia um sistema de trocas dos excedentes produzidos, sem que houvesse ainda o dinheiro, é o chamado escambo. Sweezy, um autor americano (retomando uma idéia de Ricardo), propõe um exemplo muito interessante para mostrar que essa troca é baseada no valor contido em cada mercadoria e que a substância desse valor é o trabalho que ele requer. Trabalho abstrato, bem entendido, ou seja, aquele gasto de tempo e de energia que todo trabalho requer. Para não complicar as coisas, vamos pensar no trabalho braçal simples.
    O exemplo supõe uma sociedade de caçadores onde uma parte se dedica a caçar castores e outra a caçar cervos. Caso houvesse um excedente, como seria essa troca? Ele mostra que a base de troca seria a quantidade de horas gastas para se caçar um castor e um cervo. Sem entrar em maiores detalhes, se um castor leva em média uma hora para ser caçado e um cervo duas, a troca seria um cervo por dois castores.
    Qualquer alteração na dificuldade de se caçar um ou outro, produzida por fatores naturais, deslocaria essa relação de troca.
    Como, em tese, toda mercadoria pode ser trocada por outra, haveria vários valores para cada uma. Digamos que houvesse n mercadorias diferentes. Haveria n-1 valores para cada uma delas. Estamos aqui falando do que Marx chama de valor-de-troca.
    Para facilitar a vida, uma mercadoria em particular, foi eleita como o equivalente geral e passou a ser usada quase que exclusivamente nessa função. Por suas características, como durabilidade, facilidade de ser pesado e dividido em frações, o metal foi o preferido para este papel.
    O dinheiro tem várias funções. Segundo Marx, uma delas é servir como meio de entesouramento. Ele pode deixar de ser moeda corrente para ser guardado e usado no momento oportuno. Tio Patinhas é o exemplo clássico.
    Outra é servir como meio de pagamento. O feudalismo começa a declinar quando o camponês tem a possibilidade de vender o excedente de sua produção numa feira e pode pagar a parte devida ao senhor feudal em dinheiro. Progressivamente, todos os contratos passam a ser expressos em valores monetários. Isso soa tão banal que não nos damos conta de que já houve um tempo em que não era assim.
    Finalmente, o dinheiro é universal. Vivemos num mundo em que as trocas não são mais restritas a uma feira local, a Terra é a grande feira. Originalmente, o ouro e a prata foram o equivalente universal. Hoje temos um complicado sistema cambial, onde cada país possui reservas, em dólares ou em euros, e a movimentação é contábil, feita por meio eletrônico, mas o princípio geral é o mesmo.
    Dando uma resumida:
    “O dinheiro, como medida do valor, é a forma necessária de manifestar-se a medida imanente do valor das mercadorias, o tempo de trabalho.” O Capital de Marx, Livro 1.
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  3. Como qualquer medida, o dinheiro precisa de uma unidade, com múltiplos e submúltiplos. Toda merreca que se preze possui décimos e centésimos de merreca e dezenas, centenas, milhares até trilhões de merrecas. Só como curiosidade, uma das sugestões para contornar o abismo fiscal americano foi a de imprimir uma nota de um trilhão de dólares! Essa função de medir com exatidão o valor de cada mercadoria é o que Marx chama de estalão dos preços. Não há uma boa tradução para estalão.
    Já que o dinheiro surge com a produção de mercadorias, a pergunta é: poderá haver uma sociedade sem dinheiro? Uma sociedade sem trabalho é impossível, é claro. Mas e sem mercadorias?
    Marx começa a sua análise do capitalismo pela análise da mercadoria. Para uma coisa ser trocada ela precisa ser útil. Mas nem tudo o que é útil é mercadoria.
    “Objetos úteis se tornam mercadorias, por serem simplesmente produtos de trabalhos privados, independentes uns dos outros.” Marx, Livro I de O Capital.
    No capitalismo, a própria força de trabalho se tornou uma mercadoria, ela tem um preço, o salário. Sendo a propriedade dos bens de produção privada, a forma básica de circulação de mercadorias é D – M – D. Ou seja, o capitalista usa o seu capital (D) para comprar máquinas, matéria prima e força de trabalho; produz mercadoria, que é vendida por um preço D e assim por diante. Para o sistema funcionar, é preciso que o D final seja maior do que o inicial.
    O capitalismo tem um caráter progressista, foi por isso que ele suplantou o feudalismo. A divisão do trabalho, a grande indústria, a organização da distribuição, a expansão dos mercados, são êxitos inegáveis. Só para ilustrar, a simples fabricação de um prego, por um artesão medieval, era um processo em que um mesmo indivíduo realizava várias etapas diferentes, manualmente ou com máquinas rudimentares, e os pregos eram vendidos por ele mesmo, em sua oficina. Hoje com a linha de produção, as máquinas modernas e a rede de distribuidores, o processo é milhares de vezes mais eficiente. E há uma regulagem dos preços, a “mão invisível”, ou simplesmente a concorrência, que faria que o sistema operasse num nível ótimo. Nesse sistema, o papel do dinheiro é essencial. Esse é o lado brilhante do capitalismo.
    Entre as várias objeções ao sistema capitalista, podemos citar as que se inserem no aspecto moral: a tese para justificar que o sistema seja o melhor possível é que se cada um perseguir o seu objetivo egoísta, o resultado será o maior bem geral. Marx, por sua vez, salientou o fenômeno da alienação. Não abordaremos aqui a análise marxista da alienação, vamos nos deter num aspecto óbvio: a imensa maioria dos trabalhadores, sejam eles braçais ou intelectuais, funcionários públicos ou balconistas, gerentes ou peões, sente-se insatisfeita com o seu trabalho. Gasta nele a maior parte de seu tempo útil e não se sente realizada. É este aspecto que o vídeo exarcerba.
    Em relação ao egoísmo como base necessária do sistema capitalista, podemos recorrer a Dostoievsky, em Crime e Castigo, para caracterizar a objeção moral ao mesmo. Um personagem, Lújin, expõe as “idéias modernas” (a economia clássica inglesa):
    “Por exemplo, ensinaram-nos até aqui – “ama o teu próximo”. Se eu pratico tal preceito, que é que acontece? ... Acontece que eu rasgo o meu capote em dois, dou a metade ao próximo e ficamos, os dois, nem vestidos, nem nus. ... Ora a ciência me ensina a amar a mim mesmo acima de tudo, porque tudo neste mundo se estriba no interesse pessoal. Se o senhor amar a si mesmo realizará os seus negócios direitinho e guardará o seu capote inteiro. A economia política acrescenta que, quanto mais fortunas privadas se formarem numa sociedade, ou , em outras palavras, quanto mais capotes inteiros forem fabricados, melhor se assentará nas suas bases e será melhor
    organizada. Portanto, trabalhando para mim sozinho, eu trabalho, por conseguinte, para todo mundo e contribuo para que o próximo receba um pouco mais da metade do capote furado e isso não por causa das liberdades privadas ou individuais, mas em conseqüência do progresso geral.”...
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  4. Dostoiévsky é um grande escritor, ele não responde diretamente às objeções de seu personagem. Mas na própria formulação da teoria está implícita que ela e o cristianismo, expresso pelo princípio, “ama o teu próximo”, são incompatíveis, no plano moral.
    A preocupação maior de Marx foi a de demonstrar que com o sistema capitalista, a sociedade “não se assentará melhor em suas bases e será melhor organizada.”
    Desaparecida a propriedade privada dos meios de produção, estaremos caminhando para a extinção da mercadoria “produto de trabalhos privados, independentes uns dos outros”. Teremos uma produção coletiva de bens úteis que serão distribuídos segundo a fórmula: a cada um segundo a sua necessidade. O dinheiro, como equivalente geral das mercadorias, como unidade de medida de seu preço, tenderia a desaparecer junto com a produção de mercadorias.
    Isso não significaria que não haveria em seu lugar uma forma contábil, uma maneira de mensurar a massa de bens úteis produzidos e de direcionar a sua distribuição. Alguns utopistas, como Owen, propuseram uma moeda-trabalho, que registraria “a participação individual do produtor no trabalho comum e seu direito com referência à parte do produto comum, destinada a consumo.”
    Marx, em O Capital, afirma que “a moeda-trabalho de Owen não é mais dinheiro do que um bilhete de teatro”. A questão de criar um sistema mais justo do que o sistema capitalista, não se resolve com artifícios monetários, não é o dinheiro que é preciso abolir ou substituir, é a propriedade privada dos bens de produção, que transforma os bens produzidos em mercadoria. Abolida esta, o dinheiro, como o conhecemos, será extinto. Para a minha próxima intervenção, tratarei de mostrar que a abolição da propriedade privada dos bens de produção não só é possível, como é necessária.
    E como resposta à indagação do vídeo, nenhum sistema de produção, em si, traz a resposta mágica. Como Freud assinalou, a civilização tem um preço. Nós já nascemos numa família, num país, numa determinada época e somos parte de um sistema muito maior. Não há garantias de que poderemos realizar nossos sonhos. O máximo que o homem pode fazer é escolher um sistema mais justo, mais solidário, menos consumista e que o valorize mais. Nesse ponto, se a mensagem é: seja menos consumista e mais crítico, acho que todos concordaremos.





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  5. Bom, leitores, devo confessar que o Marco me surpreendeu. Achei que de sua boca viria um discurso utópico e concordante com o do vídeo. Confesso, portanto, que estava preparado para debater com alguém que viesse com esse discurso e que, em virtude disso, e também para evitar desrespeitar o meu adversário com um debate mal feito por minha parte, eu encerro por aqui minhas participações.

5 comentários:

  1. Olá, amigos leitores e grande Marco Lisboa, com quem vou bater um bom papo sem dúvidas, pois converso com um homem extremamente cordial e bem informado.

    Enfim, sei que isso pode parecer abusivo, mas, antes de começarmos, quero que vocês vejam este vídeo na íntegra: http://www.facebook.com/photo.php?v=400760976673627

    Enfim, como vocês podem ver, trata-se de um simples vídeo em que um professor universitário (suponho) americano (ou estadunidense, como preferirem) relata as conversas que teve com seus alunos sobre o seguinte tema: Afinal, o que gostariam de fazer se não houvesse dinheiro?

    O vídeo em si não é de todo mal, como perceberam. Porém, não sei se o nobre leitor sabe, mas, como sempre, pseudo-comunistas e rebeldes sem causa quiseram militar contra a sociedade capitalista e a vida comandada pelo dinheiro com as ideias desse vídeo.

    Enfim, o fato é que discordo completamente deles. Acho impossível uma sociedade sem o dinheiro, e o uso em dois sentidos: o primeiro é como uma simples moeda universal de troca, ou melhor, de compra e venda, e o segundo é como a própria organização e estratificação social que essa moeda gera, ou seja, como o Capitalismo em si.

    Partindo disso, e sabendo que estou conversando com um marxista declarado, gostaria de saber do meu amigo Marco Lisboa: Marco, por que você acha que é viável pensar em uma sociedade sem dinheiro? Ou, melhor dizendo, por que acha que é viável pensar em uma sociedade cujas relações não sejam regidas por um sistema baseado no dinheiro?

    Bom, encerro minha introdução aqui e passo a palavra ao Marco.

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  2. Oi leitores e Octávio. Obrigado pelas palavras amáveis. Vou fazer tudo para justificá-las. Não gosto de abusar de citações num debate por duas razões: a primeira – não acredito em argumento de autoridade e o fato de Marx ter afirmado algo não torna essa afirmação mais ou menos verdadeira; a segunda – pode parecer que estou sendo pedante ou o que é pior, que não tenho idéias próprias. Entretanto, estou aqui para defender a visão marxista sobre o dinheiro e sobre a possibilidade de ultrapassar o capitalismo, o que vai exigir que eu exponha as idéias de Marx sobre o tema, usando o mínimo de citações diretas possível.
    O dinheiro não é um produto da sociedade capitalista, ele é uma mercadoria que surge em toda a sociedade em que há um excesso de produção que pode ser trocado. Marx, em O Capital, além de decifrar o modo de produção capitalista, expôs a gênese do dinheiro. Em sociedades mais primitivas, havia um sistema de trocas dos excedentes produzidos, sem que houvesse ainda o dinheiro, é o chamado escambo. Sweezy, um autor americano (retomando uma idéia de Ricardo), propõe um exemplo muito interessante para mostrar que essa troca é baseada no valor contido em cada mercadoria e que a substância desse valor é o trabalho que ele requer. Trabalho abstrato, bem entendido, ou seja, aquele gasto de tempo e de energia que todo trabalho requer. Para não complicar as coisas, vamos pensar no trabalho braçal simples.
    O exemplo supõe uma sociedade de caçadores onde uma parte se dedica a caçar castores e outra a caçar cervos. Caso houvesse um excedente, como seria essa troca? Ele mostra que a base de troca seria a quantidade de horas gastas para se caçar um castor e um cervo. Sem entrar em maiores detalhes, se um castor leva em média uma hora para ser caçado e um cervo duas, a troca seria um cervo por dois castores.
    Qualquer alteração na dificuldade de se caçar um ou outro, produzida por fatores naturais, deslocaria essa relação de troca.
    Como, em tese, toda mercadoria pode ser trocada por outra, haveria vários valores para cada uma. Digamos que houvesse n mercadorias diferentes. Haveria n-1 valores para cada uma delas. Estamos aqui falando do que Marx chama de valor-de-troca.
    Para facilitar a vida, uma mercadoria em particular, foi eleita como o equivalente geral e passou a ser usada quase que exclusivamente nessa função. Por suas características, como durabilidade, facilidade de ser pesado e dividido em frações, o metal foi o preferido para este papel.
    O dinheiro tem várias funções. Segundo Marx, uma delas é servir como meio de entesouramento. Ele pode deixar de ser moeda corrente para ser guardado e usado no momento oportuno. Tio Patinhas é o exemplo clássico.
    Outra é servir como meio de pagamento. O feudalismo começa a declinar quando o camponês tem a possibilidade de vender o excedente de sua produção numa feira e pode pagar a parte devida ao senhor feudal em dinheiro. Progressivamente, todos os contratos passam a ser expressos em valores monetários. Isso soa tão banal que não nos damos conta de que já houve um tempo em que não era assim.
    Finalmente, o dinheiro é universal. Vivemos num mundo em que as trocas não são mais restritas a uma feira local, a Terra é a grande feira. Originalmente, o ouro e a prata foram o equivalente universal. Hoje temos um complicado sistema cambial, onde cada país possui reservas, em dólares ou em euros, e a movimentação é contábil, feita por meio eletrônico, mas o princípio geral é o mesmo.
    Dando uma resumida:
    “O dinheiro, como medida do valor, é a forma necessária de manifestar-se a medida imanente do valor das mercadorias, o tempo de trabalho.” O Capital de Marx, Livro 1.

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  3. Como qualquer medida, o dinheiro precisa de uma unidade, com múltiplos e submúltiplos. Toda merreca que se preze possui décimos e centésimos de merreca e dezenas, centenas, milhares até trilhões de merrecas. Só como curiosidade, uma das sugestões para contornar o abismo fiscal americano foi a de imprimir uma nota de um trilhão de dólares! Essa função de medir com exatidão o valor de cada mercadoria é o que Marx chama de estalão dos preços. Não há uma boa tradução para estalão.
    Já que o dinheiro surge com a produção de mercadorias, a pergunta é: poderá haver uma sociedade sem dinheiro? Uma sociedade sem trabalho é impossível, é claro. Mas e sem mercadorias?
    Marx começa a sua análise do capitalismo pela análise da mercadoria. Para uma coisa ser trocada ela precisa ser útil. Mas nem tudo o que é útil é mercadoria.
    “Objetos úteis se tornam mercadorias, por serem simplesmente produtos de trabalhos privados, independentes uns dos outros.” Marx, Livro I de O Capital.
    No capitalismo, a própria força de trabalho se tornou uma mercadoria, ela tem um preço, o salário. Sendo a propriedade dos bens de produção privada, a forma básica de circulação de mercadorias é D – M – D. Ou seja, o capitalista usa o seu capital (D) para comprar máquinas, matéria prima e força de trabalho; produz mercadoria, que é vendida por um preço D e assim por diante. Para o sistema funcionar, é preciso que o D final seja maior do que o inicial.
    O capitalismo tem um caráter progressista, foi por isso que ele suplantou o feudalismo. A divisão do trabalho, a grande indústria, a organização da distribuição, a expansão dos mercados, são êxitos inegáveis. Só para ilustrar, a simples fabricação de um prego, por um artesão medieval, era um processo em que um mesmo indivíduo realizava várias etapas diferentes, manualmente ou com máquinas rudimentares, e os pregos eram vendidos por ele mesmo, em sua oficina. Hoje com a linha de produção, as máquinas modernas e a rede de distribuidores, o processo é milhares de vezes mais eficiente. E há uma regulagem dos preços, a “mão invisível”, ou simplesmente a concorrência, que faria que o sistema operasse num nível ótimo. Nesse sistema, o papel do dinheiro é essencial. Esse é o lado brilhante do capitalismo.
    Entre as várias objeções ao sistema capitalista, podemos citar as que se inserem no aspecto moral: a tese para justificar que o sistema seja o melhor possível é que se cada um perseguir o seu objetivo egoísta, o resultado será o maior bem geral. Marx, por sua vez, salientou o fenômeno da alienação. Não abordaremos aqui a análise marxista da alienação, vamos nos deter num aspecto óbvio: a imensa maioria dos trabalhadores, sejam eles braçais ou intelectuais, funcionários públicos ou balconistas, gerentes ou peões, sente-se insatisfeita com o seu trabalho. Gasta nele a maior parte de seu tempo útil e não se sente realizada. É este aspecto que o vídeo exarcerba.
    Em relação ao egoísmo como base necessária do sistema capitalista, podemos recorrer a Dostoievsky, em Crime e Castigo, para caracterizar a objeção moral ao mesmo. Um personagem, Lújin, expõe as “idéias modernas” (a economia clássica inglesa):
    “Por exemplo, ensinaram-nos até aqui – “ama o teu próximo”. Se eu pratico tal preceito, que é que acontece? ... Acontece que eu rasgo o meu capote em dois, dou a metade ao próximo e ficamos, os dois, nem vestidos, nem nus. ... Ora a ciência me ensina a amar a mim mesmo acima de tudo, porque tudo neste mundo se estriba no interesse pessoal. Se o senhor amar a si mesmo realizará os seus negócios direitinho e guardará o seu capote inteiro. A economia política acrescenta que, quanto mais fortunas privadas se formarem numa sociedade, ou , em outras palavras, quanto mais capotes inteiros forem fabricados, melhor se assentará nas suas bases e será melhor
    organizada. Portanto, trabalhando para mim sozinho, eu trabalho, por conseguinte, para todo mundo e contribuo para que o próximo receba um pouco mais da metade do capote furado e isso não por causa das liberdades privadas ou individuais, mas em conseqüência do progresso geral.”...

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  4. Dostoiévsky é um grande escritor, ele não responde diretamente às objeções de seu personagem. Mas na própria formulação da teoria está implícita que ela e o cristianismo, expresso pelo princípio, “ama o teu próximo”, são incompatíveis, no plano moral.
    A preocupação maior de Marx foi a de demonstrar que com o sistema capitalista, a sociedade “não se assentará melhor em suas bases e será melhor organizada.”
    Desaparecida a propriedade privada dos meios de produção, estaremos caminhando para a extinção da mercadoria “produto de trabalhos privados, independentes uns dos outros”. Teremos uma produção coletiva de bens úteis que serão distribuídos segundo a fórmula: a cada um segundo a sua necessidade. O dinheiro, como equivalente geral das mercadorias, como unidade de medida de seu preço, tenderia a desaparecer junto com a produção de mercadorias.
    Isso não significaria que não haveria em seu lugar uma forma contábil, uma maneira de mensurar a massa de bens úteis produzidos e de direcionar a sua distribuição. Alguns utopistas, como Owen, propuseram uma moeda-trabalho, que registraria “a participação individual do produtor no trabalho comum e seu direito com referência à parte do produto comum, destinada a consumo.”
    Marx, em O Capital, afirma que “a moeda-trabalho de Owen não é mais dinheiro do que um bilhete de teatro”. A questão de criar um sistema mais justo do que o sistema capitalista, não se resolve com artifícios monetários, não é o dinheiro que é preciso abolir ou substituir, é a propriedade privada dos bens de produção, que transforma os bens produzidos em mercadoria. Abolida esta, o dinheiro, como o conhecemos, será extinto. Para a minha próxima intervenção, tratarei de mostrar que a abolição da propriedade privada dos bens de produção não só é possível, como é necessária.
    E como resposta à indagação do vídeo, nenhum sistema de produção, em si, traz a resposta mágica. Como Freud assinalou, a civilização tem um preço. Nós já nascemos numa família, num país, numa determinada época e somos parte de um sistema muito maior. Não há garantias de que poderemos realizar nossos sonhos. O máximo que o homem pode fazer é escolher um sistema mais justo, mais solidário, menos consumista e que o valorize mais. Nesse ponto, se a mensagem é: seja menos consumista e mais crítico, acho que todos concordaremos.






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  5. Bom, leitores, devo confessar que o Marco me surpreendeu. Achei que de sua boca viria um discurso utópico e concordante com o do vídeo. Confesso, portanto, que estava preparado para debater com alguém que viesse com esse discurso e que, em virtude disso, e também para evitar desrespeitar o meu adversário com um debate mal feito por minha parte, eu encerro por aqui minhas participações.

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