quinta-feira, 8 de março de 2012

Felipe X Rodolfo - Ciência X Religião


    • Felipe Munhoz Saudações, brother!

      É muito bom relembrar nossas conversas. Eu refleti muito sobre todos os seus argumentos e sobre a forma como você enxerga a realidade e isso me ajudou muito a guiar uma série de decisões minhas, com relação à forma como vejo o mundo hoje. Ainda tenho a literatura que você me indicou e conheço bem várias das concepções que você acredita. O fato de você poder trazer literatura da sua área para o debate vai enriquecer muito a discussão. Já que somos amigos, vou aproveitar para ser totalmente honesto contigo e inclusive te apresentar uma visão um tanto provocativa, e espero que veja com bons olhos o tom reflexivo do nosso diálogo. Eu vou começar minha introdução tratando do tema pelo lado filosófico, depois discutirei mais a questão psicológica e neurológica, que você começou a discutir em sua introdução.

      Quais conseqüências da visão religiosa para a sociedade?

      Em outras palavras, quais as conseqüências daquilo que se acredita?

      Todas. Em última instância, o senso de realidade de um ser humano é formado com base naquilo que ele acredita. As pessoas podem acreditar em coisas que podem ter efeito benéfico nas relações sociais, assim como podem acreditar nas besteiras mais absurdas e até em coisas que podem destruir as sociedades, da forma como as conhecemos.

      Mas então, o qual é o mérito em simplesmente “acreditar” em alguma coisa?
      Nenhum. Crianças acreditam em papai Noel, tem gente que acredita em saci-pererê, tem quem jura que foi abduzido por extra-terrestres. Acreditar, por acreditar, não é mérito algum. Aliás, não é muito difícil fazer as pessoas acreditarem em algo que não é verdade. E fazê-las fazer as coisas mais horríveis por causa disto.

      Entretanto, todo mundo sabe que é imprescindível que se acredite em algo, seja lá o que for. Isto é mais do que senso comum, é lógica pura. Para não se acreditar em nada é necessário acreditar em sua própria descrença. rsss

      Mas a questão é: Quando não se tem resposta alguma, uma resposta ruim é melhor do que resposta nenhuma. Baseado nesta máxima, o ser humano começou o seu processo de investigação da natureza e a primeira forma de tentar explicar os fenômenos da natureza foi através do raciocínio mítico.

      E segundo esta forma de analisar a natureza, a realidade pode ter as formas mais estranhas possíveis, na mente das pessoas que acreditam. Quando se analisa o fenômeno religioso, é importante que se analise as diferentes manifestações do mesmo, que vão muito além da missa de domingo.

      Por isto, esta questão toda, sempre terá duas formas de ser analisada. A ótica de quem acredita, que é auto-referente. E a ótica de quem não acredita. Mas mesmo entre os religiosos, não existe consenso.

      Para que o senso de realidade de um seja verdadeiro, o senso de realidade do outro tem que ser falso, mesmo que ambas as formas de interpretar a realidade sejam embasadas justamente nas mesmas premissas.

      Por isto, todo debate sobre religião sempre chega a um ponto sem saída para quem defende as religiões. Se a forma de interpretar o mundo da (minha) religião é correto, logo todas as outras religiões que dizem coisas diferentes estão erradas. Para que a crença seja efetiva, ela deve ser exclusiva. Alguém que acredita no Deus cristão, mas que presta culto a Shiva, com certeza será censurado pelos outros cristãos.

      Entretanto, quem acredita no Deus cristão, o faz pelos mesmos motivos daqueles que acreditam em Shiva: Por que foram educados para isto, afinal de contas, ninguém nasce acreditando em Deus, seja ele Shiva, seja ele Jeová .

      Mas o que pode fazer uma pessoa ter a pretensão de achar que seu senso de realidade é mais preciso que o de outro, que usa as mesmas “técnicas”? Simples. A defesa de seu projeto de imortalidade.

      Quando se defende sua religião, o que está em jogo não é somente sua forma de ver o mundo ou de se comportar. É o sentido de sua existência. E o seu PROJETO DE IMORTALIDADE. Por isto, é que este tipo de debate é sempre tão caloroso. É difícil para as pessoas serem totalmente racionais com uma questão que meche com instintos tão primitivos quanto o da própria sobrevivência. Acreditar em vida eterna é a melhor forma de encontrar conforto, quando a alternativa é que sua consciência simplesmente deixará de existir.

      - Cartilhas básicas de como se viver a vida: O método didático é bem simples. Cumpra a regra de ouro (não faça para o próximo o que não gostaria que fizessem para você) e receberá reforço positivo (salvação). Não faça e receberá reforço negativo (danação).
      E claro que o reforço negativo acaba sempre falando mais alto e o medo normalmente impede as pessoas de fazerem algo muito horrível, sob pena da destruição total e absoluta de sua suposta imortalidade.

      – O maior prêmio possível . Sua própria existência. Segundo a própria religião, ela mesma é o caminho da imortalidade.

      E para isto tudo, você só tem que abdicar de uma coisa: Suas competências questionadoras, pois para experimentar o senso de realidade, tal como é sugerido pela experiência religiosa, é necessário, em determinado instante, deixar de fazer perguntas e aceitar as coisas exatamente do jeito que te disseram que elas são.

      Se o termo “espiritualidade” está relacionado a tudo aquilo que não é ligado à matéria, mas ao significado de toda a existência, que pode ser “experimentado” pela consciência humana, então a discussão é muito mais ampla.

      E não é só a religião que traz respostas para estas questões metafísicas. E também não é o “único alicerce de moralidade” que existe, muito pelo contrário. A religião pode inspirar muitas atitudes que contemplem a regra de ouro, anteriormente citada, mas também pode inspirar várias atitudes que são totalmente contrárias a esta regra.

      No fim das contas, o grande problema, a meu ver, é que é muito difícil para o religioso enxergar esta diferença quando está violando a regra de ouro e não percebe, por acreditar estar defendendo “um bem maior”. E isto pode acontecer em qualquer religião.

      Por isto, sob minha ótica, alguém que aceita enxergar o mundo desta maneira, simplesmente desistiu de continuar fazendo perguntas. E isto é péssimo para o mundo.
      23 de Janeiro às 20:50 ·  ·  4
    • Felipe Munhoz É muito bom saber que você pode trazer seus conhecimentos de psicologia para o debate. Em certo instante, a grande questão que estaremos discutindo é “Quais as principais conseqüências psicológicas da visão religiosa e da visão científica para o mundo?”. E como psicólogo, creio que você usará o método científico para tentar responder as questões que encontrará em sua carreira. E terá que usar a razão para interpretar o que as pessoas contam para você. Ambos sabemos que existe uma tênue linha entre o que separa a idéia de realidade de alguém e aquilo que pode ser considerado patológico, sob determinadas análises. Imagine que alguém te diz que escuta uma voz mandando que ele mate seu filho primogênito. Como é que você pode convencer esta pessoa que Deus não quer que ela mate seu filho? Baseado em quê? Você provavelmente argumentará usando a razão, tentando convencê-lo que o que ele está vivenciando não é algo real. Mas como é que você sabe que não é algo real? Você pode garantir que a experiência dele não tem nada de “transcendental”? Baseado em que você poderia garantir isso?

      O fato é que a ciência mudou a forma com que o homem vê o mundo. Hoje em dia, se alguém seqüestra o filho para, sob ordem divina, dar cabo de sua existência, provavelmente vai ser a polícia quem vai impedir que isso aconteça e vão internar o cara imediatamente. Alguns acreditam que, de forma literal, há uns milênios atrás isso aconteceu com um outro cara (Abraão), mas no caso dele não foi a polícia quem apareceu, mas sim um anjo do céu (?) que impediu que seu filho Isaac fosse morto. Nesta outra história, ele também não foi internado, pelo contrário, escreveram livros a respeito da história, glorificando-o como um herói, capaz de obedecer a seu deus incondicionalmente. A história pode ter várias interpretações, mas quando eu li, me pareceu bem claro que o texto estava querendo dizer que é importante que se tenha obediência incondicional à vontade “divina”.

      Esta história está descrita na Bíblia e as religiões cristãs inspiram-se em graus variáveis, nas “verdades” que conseguem interpretar quando lêem o texto. Algo que é comum a todas elas é o fato se embasarem na premissa de que informações escritas em textos que considerem sagrado (por motivos históricos) devem ser interpretados como fatos para analisar as coisas da vida. E mais. Que o método de revelação é um método confiável para se conhecer a realidade. O fato das pessoas darem crédito para informações que chegaram a elas por fontes transcendentais e que não podem ser verificadas pelas outras pessoas, deveria, pelo menos do ponto de vista racional, trazer desconfiança para as pessoas. Imagine que amanhã alguém acorda dizendo que teve um sonho onde Deus falou com ele enviando uma mensagem de que as pessoas tinham interpretado errado sua palavra. E que as pessoas não devem ser ignorantes e cegar-se às evidências que mostram que, sim, nós somos fruto de um processo de transformação guiado pela seleção natural. E que as pessoas não devem limitar a liberdade das outras pessoas em assuntos que não lhes dizem respeito. E que o que as pessoas fazem de suas vidas sexuais em suas vidas privadas interessa apenas a elas e mais ninguém. E que a vida é mais importante que a morte, pois pelo menos desta todos podem saber que podem interferir. Então, que todos vivam suas vidas sem se preocupar com o que vai acontecer quando morrerem, pois o mais importante está acontecendo agora, e a maioria das pessoas está perdendo seu tempo se importando em como vivem as outras pessoas do que tentando conhecer a si mesmas. Imagine que essa pessoa acordasse com essa mensagem e saísse por aí dizendo que Deus quer que ela espalhe esta verdade e que todos devem saber.

      Como você acha que a maioria dos religiosos reagiriam a isto? Ateus e crentes diriam a mesma coisa: Não podemos saber se foi realmente Deus quem falou com ele por que o simples fato dele dizer isso não prova absolutamente nada. Nós usamos este “filtro” para todas as informações que obtemos na vida. Para mim, o único momento em que as pessoas conseguem uma “desculpa” para não usar este filtro, e ainda assim acreditar nas coisas, acontece quando elas consideram descrições de pessoas sobre experiências sobrenaturais como fatos. Então, o que estamos discutindo é: Faz sentido acreditar naquilo que não é racional? Qual o impacto, para a psicologia das pessoas, de ter este tipo de atitude?

      Sócrates já reclamava que, em sua época, as pessoas davam mais valor para coisas materiais do que para a própria consciência. Isto era verdade naquela época e continua sendo verdade hoje em dia. Sócrates dizia também que alguém está em paz com a sua consciência quando sabe que sua concepção de realidade é fruto de um processo investigativo honesto e racional. Este filósofo foi muito influente, servindo de inspiração para a criação de correntes filosóficas como o estoicismo, o ceticismo, o empirismo, o racionalismo, o cinismo e várias outras, que discutiam questões fundamentais como a pergunta: “Qual a melhor forma de vivermos nossas vidas?”, utilizando a razão e a honestidade intelectual como formas de se conhecer a realidade que vivemos. Perceba que isto não era nenhum tipo de religião, mas existem várias semelhanças nas histórias de Sócrates e de Jesus Cristo. Ambos foram assassinados injustamente pelas pessoas que representavam a “lei” nos locais onde viveram. Foram mortos por que inspiravam em outras pessoas a ter atitudes que eram contrárias ao que acreditavam a maioria das pessoas de sua época.

      Eu me pergunto se, a fé religiosa, tal como existe hoje, é capaz de inspirar nas pessoas atitudes que são contrárias ao que pensa a maioria das pessoas, mas que é justo e verdadeiro por um motivo “transcendental”. E mais, o que convence essas pessoas que seu motivo “maior” é justo? Por quê?

      Termino minha réplica com estas reflexões e espero sua tréplica para nos aprofundarmos nestas questões.

      Abraços!
      26 de Janeiro às 20:38 ·  ·  1
    • Felipe Munhoz Saudações, meu amigo!

      Estou gostando bastante deste diálogo e estou refletindo bastante a respeito do assunto. Quando se fala da relação entre “Religião” e “Ciência”, a primeira coisa que devemos nos perguntar é que tipo de “Religião” está se discutindo e também o que de fato “Ciência” pode representar. De tudo o que eu já conheci sobre as várias doutrinas ditas “cristãs” do Brasil, de fato, o Espiritismo apresenta um sistema filosófico muito mais sofisticado no que se refere a algumas respostas lógicas relacionadas ao destino-fatalista da condição humana. E isto é um dos fatores pelos quais a doutrina chama a atenção da parcela mais instruída da sociedade. Mas os espíritas representam apenas uma pequena fração de todos os religiosos do Brasil e menor ainda do mundo. Além disso, a própria forma como o espiritismo cresceu no Brasil está associado a um intenso sincretismo que a doutrina permite. Isto é bem incomum entre os evangélicos, por exemplo, que são o grupo de religiosos que mais cresce no Brasil. Por isso, quando falamos de conflito entre Religião e Ciência, é muito bom lembrarmos de como estas formas de pensamentos estão incorporadas à sociedade, de uma forma geral.

      Você concordou comigo que várias práticas religiosas são, de fato, intolerantes e que somente o estado laico pode garantir que estas intolerâncias não se perpetuem. Também concordou quanto ao fato de que a análise científica e racional dos fatos deve prevalecer quando análises de patologias ou de atitudes inspiradas pela religião, mas que prejudicam terceiros. De fato, logicamente, não precisaria existir conflitos entre religião e ciência se não houvesse intolerância, ignorância ou desvalorização do poder das evidências. Mas você há de concordar comigo que existem. E muito. Se existem religiosos que vivem sua religião com ceticismo, tolerância e profunda investigação pessoal, temos que concordar que são os menos fanáticos.

      Foi interessante você ter citado Freud em sua introdução. Eu gostaria muito de saber a sua opinião pessoal sobre o que Freud diz da religião. Para Freud, a religião existe para ajudar o ser humano a satisfazer na imaginação o que na realidade ele não pode realizar na vida real. A religião, em suas palavras, seria um erro grave e toda a ambigüidade entre signos, símbolos e realidade é grande demais para ser real. Trataria-se de um delírio da verdade. Para satisfazer essas necessidades, o indivíduo se identificaria com um intermediário que lhe permitiria a satisfação das mesmas, e então, ele teria um sentido, um objetivo, uma meta para continuar com o seu sofrimento e viver na sociedade. Dessa maneira, o indivíduo assim se expressa: Eu sofro, mas através de Cristo os meus sofrimentos serão recompensados.

      Em seu discurso, Freud agride de maneira bastante geral “a religião” no singular. Ele procura compreender o homem e sua cultura tão radicalmente pela lei natural e o estimula a uma condução tão autônoma da vida, que mais ou menos todas as religiões devem parecer-lhe como sistemas de um pensamento não-esclarecido e de uma dependência imatura. Freud vê o fim ideal de todo o conhecimento na limitação em torno daquilo que pode ser cientificamente demonstrado. E ele sabia que ele próprio ainda não atingira este fim com sua psicanálise, e ele também não nutria a esperança de que os homens em sua maioria jamais alcançassem este fim. Apesar disso, para ele, o pensamento religioso perdera indiscutivelmente sua validade.

      Segundo Freud, os homens religiosos são mantidos na imaturidade. As crianças, quando se sentem desamparadas e com medo, buscam nos pais abrigo e proteção. Deles esperam amparo e cuidado. Elas ainda não são responsáveis por si próprias, mas são conduzidas. Mas, o que nos primeiros anos de vida é natural, bom e necessário, não deveria permanecer quando as pessoas se tornam adultas. Segundo Freud, elas deveriam poder libertar-se dos progenitores e tornarem-se autônomas, se não quisessem falhar em sua vida. Elas deveriam aprender a superar sozinhas os medos e as necessidades, onde estas puderem ser superadas e, onde isso não fosse possível, a suportá-las.

      Em segundo lugar, a religião significa para Freud o mais extremo domínio do pensamento desejoso. Que tenhamos sonhos, saudades e desejos é novamente natural, bom e necessário. Mas nós também devemos poder reconhecer a realidade que se lhes contrapõe. Não seria só pernicioso, mas também indigno anestesiar-se de tal maneira que já não se percebam as próprias condições e relações. Isso, no entanto, o fazem, segundo Freud, pessoas religiosas. Elas imaginam coisas divinas, para não precisar posicionar-se ante seu mundo. Elas se entregam à ilusão, elas recorrem à religião como a um ópio.

      Em terceiro lugar, e mais importante, Freud vê na religião uma ordem cultural imposta que se equipara a uma enfermidade psíquica, a uma neurose. Muitas vezes, quando se sentem sobrecarregadas, as pessoas procuram uma proteção perigosa: elas atribuem, de maneira exagerada, um lugar estável às coisas que as circundam, submetem-se, em sua conduta, a regras estranhas, parecendo aos seus concidadãos estranhos ou até perturbados. Eles o fazem por não ter aprendido a entender-se razoavelmente com seu mundo. Elas necessitam de seguranças adicionais. Com isso, porém, eles estreitam violentamente seu espaço vital e suas possibilidades vitais. Sua capacidade de conduzir-se significativamente entre outras pessoas e comunicar-se racionalmente com elas, se reduz e são elas que mais sofrem com isso. A inquietude que as conduz não pode ser afastada dessa maneira, mas até ainda aumenta.

      Para manter-se mentalmente saudáveis, segundo Freud, as pessoas devem, enquanto isso for possível, ser transpostas à condição de aceitarem a si próprias e seu mundo assim como eles o são. Elas devem ser capacitadas a aceitar a verdade e renunciar às ilusões, para, desta forma finalmente, conquistar saúde espiritual e psíquica.
      Como sua próxima participação é a última deste duelo, eu gostaria muito de saber a sua opinião pessoal e profissional sobre esta opinião de Freud e também saber, na sua opinião, como se originou a religião.

      Muito obrigado!

      Boa noite.
      29 de Janeiro às 22:41 ·  ·  1
    • Felipe Munhoz De fato, as concepções de mundo de cada indivíduo são únicas e a forma como cada um resolve viver sua vida reflete diretamente em como serão organizadas suas estruturas cerebrais (e vice versa). Também é verdade que algumas coisas tornam a vida das pessoas uma prisão, mas tanto suas dúvidas quanto suas certezas. Entretanto, um indivíduo com capacidade de aprendizado e de mudança de pontos de vista e reafirmação de suas convicções nunca abandonará a dúvida para abraçar qualquer que seja a certeza absoluta que já possa ter sido criada por outras pessoas. Também concordo contigo quando diz que a falibilidade humana mostra que nenhuma verdade é absoluta, mas não acho que por isso, toda análise acaba sendo diluída em um oceano de subjetividade. Existem formas concretas de se analisar a natureza e com um bom detector de mentiras em mãos, é possível selecionar as informações relevantes das mentiras que nos são contadas diariamente, em todas as esferas da vida.

      Como diria Carl Sagan, “afirmações extraordinárias exigem provas extraordinárias”. O que as religiões (incluindo o espiritismo) têm feito são afirmações que são muitas vezes contrárias a tudo o que se sabe sobre a natureza que pode ser experimentada pela experiência empírica. Para que faça sentido algumas afirmações feitas por correntes místicas, todo o modelo de universo concebido pela ciência deveria ser revisto, de forma a conceber a existência de coisas que não podem ser detectadas por nenhum instrumento humano. Por isso, eu acho que não é nem um pouco precipitado quem diz que não acredita em sacis. Não existe nenhuma evidência de que sacis existem e isso já basta para ter uma opinião sensata sobre a existência ou não de sacis. Mas veja que não existe nenhuma prova de que sacis não existem. Por este raciocínio, alguém poderia dizer: “Acredito em sacis por que não existem provas de que eles não existem”. Mas também não existem provas de que lobisomens não existem e nem que existe um bule voador orbitando Marte, apesar de podermos dizer, com segurança, que nada disso existe.

      Isso ocorre por que ausência de evidência é diferente de evidência de ausência. Não existe evidência empírica de que outras dimensões ou de que a matéria negra explicam a existência de qualquer tipo de sobrenaturalidade. Isso já deveria servir para que estas hipóteses não fossem admitidas, se o que se tem em mente é a busca da verdade, usando um detector de mentiras pautado na honestidade intelectual. É claro que, no fim das contas, podemos perceber que estamos errados (quando se encontra EVIDÊNCIA do contrário) e isso acontece em todas as coisas da vida. Mas, também é claro que quando se acredita naquilo para o qual não se existe evidência, as conseqüências normalmente são terríveis. Eu concordo contigo que muitos religiosos alegam viver suas vidas pautados em evidências e racionalidade. Mas em minha opinião, se isto acontece, é por que o indivíduo resolveu valorizar estes atributos, que são seculares, para justificar sua fé, em uma forma de racionalização. Todas as vantagens que a religião traz consigo estão relacionadas à prática do humanismo. Mas o humanismo, tal como o conhecemos, se desenvolveu pela influência de uma série de pensadores, novamente seculares, que reformaram a forma do ser humano ver o mundo da sociedade.

      Freud, de fato, era humano e limitado. E ainda bem que admitia isso. Como é que alguém sensato daria crédito a alguém que clama para si a infalibilidade, sendo humano? Mas a psicologia e a neurociência evoluíram muito desde Freud hoje existem evidências empíricas para várias de suas afirmações. Concordo quando diz que muito do que Freud dizia podia ser projeção, que como ele mesmo dizia, é inevitável quando se tenta se colocar no lugar da outra pessoa. Mas existem formas de analisar a influência da religião para a mente das pessoas que independem da opinião dos envolvidos. Hoje, a ciência evolucionista tem mostrado como a cultura humana se desenvolve a partir da seleção de núcleos de idéias (memes). A ciência e a religião, assim como a razão e a fé fazem parte deste sistema de idéias que estão sendo constantemente selecionados em nossos cérebros, suprindo e criando nossas “necessidades”.

      Abaixo, seguem alguns links que se aprofundam muito mais neste assunto. [1] é uma discussão sobre os efeitos da religião para o cérebro, do ponto de vista da neurociência. Mudanças específicas da função cerebral foram observadas em práticas como meditação, oração e uma variedade de experiências religiosas. Várias regiões cerebrais, incluindo o hipocampo, parecem estar associadas com práticas religiosas. Também existem estudos mostrando que a hiper-religiosidade pode estar relacionada com epilepsia do lobo temporal. Em [2] segue um artigo que mostra que algumas características da religião podem estar relacionadas com atrofia do hipocampo, principalmente em pessoas que alegaram ter tido experiências religiosas que mudaram suas vidas. Este achado é algo que também acontece em doenças degenerativas como o Alzheimer. Os autores associaram esta correlação com a possibilidade de estresse que algumas práticas religiosas podem causar. Enquanto que alguns fatores religiosos estão associados à manutenção de boa saúde mental, como a meditação, outros fatores podem ser fonte de estresse, principalmente de forma cumulativa e crônica.

      [3] é um vídeo mostrando, do ponto de vista da sociobiologia, como a religião pode ter sido importante para a manutenção dos grupos humanos primitivos. [4] É um vídeo de uma série irreverente, mas muito interessante e [5] é um vídeo de Stephen Pinker discutindo a gênese da religião. Concordo contigo que existem elementos comuns à todas as religiões e de que são estes os arquétipos que devem ser explorados para a real compreensão do fenômeno. Estes vídeos discutem muito bem este fator. Por fim, deixei uma palestra no TED do Rick Warren, religioso que ficou rico vendendo livros que mostravam a experiência religiosa de um ponto de vista mais lógico [6]. E deixei também a resposta de Daniel Dennett para este vídeo [7], que para mim, seria a síntese de tudo o que discutimos aqui.

      E como nós discutimos como surgiu a religião, é bom nos lembrarmos como surgiu a ciência. A ciência é fruto do desenvolvimento da razão humana e uma das maiores ferramentas que o ser humano já teve de emancipação intelectual de um mundo pautado autoritarismo de ideais políticos absolutos. Por isso, para finalizar, deixei um vídeo muito bom discutindo o tema“uma nova forma de explicar uma explicação”, onde o palestrante discute a forma como a forma de ver o mundo, proposta pela ciência, tem transformado a sociedade.

      Muito obrigado pela conversa, meu amigo!

      Abraços!
      3 de Fevereiro às 04:04 ·  ·  1
    • Felipe Munhoz ‎1- Séries de palestras discutindo religião e o cérebro.
      http://www.youtube.com/watch?v=tqtmUi0nzoM
      2- Artigo sobre fatores religiosos e atrofia no hipocampo.
      http://www.plosone.org/article/info:doi%2F10.1371%2Fjournal.pone.0017006
      3- Vídeo discutindo o papel da religião para o cérebro.
      http://www.youtube.com/watch?v=v-GT14Cvjdc
      4- Da série “Por que pessoas inteligentes ainda acreditam em religião: O cérebro social.
      http://www.youtube.com/watch?v=jECu4uN6Rwg
      5- Psicologia da religião – Stephen Pinker
      http://www.youtube.com/watch?v=JILvK_fLTuY&feature=related
      6- Palestra do TED com Rick Warren.
      http://www.ted.com/talks/rick_warren_on_a_life_of_purpose.html
      7- Resposta de Daniel Dennett a Rick Warren
      http://www.ted.com/talks/dan_dennett_s_response_to_rick_warren.html
      8- Palestra – Uma nova forma de explicar uma explicação – sobre o método científico
      http://www.ted.com/talks/lang/en/david_deutsch_a_new_way_to_explain_explanation.html
      Sunday, September 18, 2:00 p.m. Panel discussion with Drs. PZ Myers, William Hur...Ver mais
      3 de Fevereiro às 04:05 ·  ·  1 · 
    • Patrick Brito Debate encerrado!

Nenhum comentário:

Postar um comentário